Namíbia, Não! dá voz ao discurso do negro

 

Flávio Bauraqui e Aldri Anunciação em cena - Foto: Rubens Nemitz Jr./Clix/Divulgação Festival de Curitiba


Por Miguel Arcanjo Prado

Um dos mais comentados textos do recente teatro baiano, Namíbia, Não!, dirigido por Lázaro Ramos, é mostrado pela primeira vez ao público paulistano neste fim de semana. A primeira apresentação foi neste sábado (14) e, após a sessão deste domingo (15), a peça, em curtíssima temporada, já se despede da cidade.

A produção foi uma das duas selecionadas, ao lado de Licht + Licht, a se apresentar na mostra do Festival de Curitiba no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, fruto da parceria do Itaú Cultural com o evento paranaense.

Assinada pelo baiano Aldri Anunciação, que também atua na obra, a dramaturgia do espetáculo é calcada em uma bem construída reflexão sobre o papel do negro na sociedade brasileira.

O conflito desenvolvido ao longo da encenação surge com um decreto governamental promulgado em 2016, que obriga todos os cidadãos brasileiros “de melanina acentuada” – em uma ótima brincadeira aos termos politicamente corretos vigentes – a retornarem a seus países africanos de origem.

Ao receber a notícia, dois primos negros, o aspirante a um cargo no Itamaraty Antonio (Aldri Anunciação) e o estudante de direito André (Flávio Bauraqui), decidem manter-se encarcerados no apartamento onde vivem para evitar a “deportação” obrigatória caso pisem na rua. Tal aprisionamento provoca nos dois reflexões e mudanças de postura diante da situação.

O cenário cria o interior do apartamento clean onde vive a dupla de primos, todo em cores brancas, em um funcional e belo trabalho de cenografia assinado por Rodrigo Frota.

Despido de qualquer referência à moda afro, os modernos e bem cortados figurinos de Diana Moreira servem para dar aos personagens um ar futurista, não deixando de acentuar a subjugação deles aos padrões estéticos ocidentais como forma de sobrevivência e ascensão social. Apesar disso, as roupas são pretas, contrastando com o ambiente branco onde vivem, numa simbologia do discurso da montagem.

Apesar de provocar risadas na plateia em alguns momentos mais espirituosos, o discurso do texto é forte e preciso. Questiona o tempo todo o papel de marginalidade dado ao negro na sociedade brasileira, lembrando desde a violência dos navios negreiros e dos chicotes nas fazendas Brasil afora até o total desamparo social vindo com a Lei Áurea de 1888, que deixou o negro em um lugar marginal dentro da sociedade brasileira.

O espetáculo tem boas contribuições de vídeos e áudios, gravados por uma turma tarimbada que vai de Wagner Moura a Suely Franco e Luis Miranda. Num inventivo recurso da direção, as vozes e os vídeos contracenam com os personagens e ajudam a conduzir a história.

Contudo, a direção de Lázaro Ramos, apesar dos aspectos positivos já mencionados, peca em deixar os atores investirem na caricatura em muitos momentos, fazendo uso de um registro teatral mais infantilizado como forma de sublinhar os momentos mais dramáticos. Bem conduzida e amarrada no começo, a dramaturgia também se perde na parte final do espetáculo, sobretudo com o falso fim, que na verdade se revela ao público como a porta de entrada para a parte mais confusa da peça.

Mesmo diante dessas escorregadas, a obra tem o mérito inquestionável de levar ao espectador uma discussão corajosa e tão necessária em nossa sociedade, que está muito longe de uma utópica igualdade racial e social. Sociedade esta que deixa o negro, muitas vezes, em um lugar desfavorável. Namíbia, Não! exacerba tal situação para levantar o debate.

Namíbia, não!
Avaliação: bom
Quando: domingo (15), às 19h (última apresentação)
Onde: Auditório Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 2 do parque Ibirapuera, São Paulo, tel. 0/xx/11 3629-1075)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia-entrada)
Classificação: 14 anos

Flávio Bauraqui e Aldri Anunciação em belas imagens da peça Namíbia, Não! pela sensível lente do fotógrafo Rubens Nemitz Jr., da Agência Clix, que fotografou o Festival de Curitiba 2012

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4 Resultados

  1. ser negro é nâo ser vergonhoso ,ser negro é orgulho,raça que muitos nâo tem por ai que carregue é luta dedicaçâo ,amor luta e muito mais é…inexplicavél!!!”!!!!! adoro ser negra e por isso crio meu filhos com lutassssssss e digo a eles como sâo a vida e o mundo lá fora !!!!!

  2. Isabela disse:

    acho importante um trabalho desse tipo. o negro é lindo. parabéns lázaro ramos e aos atores da peca!

  3. giseli disse:

    parabens pela peça! pena que ainda exista tanto racismo á nossa volta ,pessoas que trabalham ao nosso lado nos descriminam com piadinhas,brincadeira racista…espero por uma oportunidade de provar o racismo que sogro,só assim alguem poderá me ouvir !

  4. Andrea disse:

    Muito boa a resenha!!! Apesar de ter gostado muito da peça (até ja comentei isso aqui no blog) algumas partes nao me agradaram muito….como o falso final como vc cita no texto.

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