“Ferida da ditadura na América Latina ainda é forte”, diz diretor chileno Guillermo Calderón
Por Miguel Arcanjo Prado
Se a língua portuguesa diferencia Brasil dos vizinhos Argentina e Chile, que falam castelhano, nossa história recente nos aproxima. E muito.
Os três países mais importantes da América do Sul saíram de ferozes ditaduras, mergulharam de cara na democracia e, quase que ao mesmo tempo, se viram governados por mulheres que lutaram contra os militares no passado: Dilma Rousseff, por aqui, Cristina Kirchner, na Argentina, e Michelle Bachelet, a primeira delas, no Chile.
O discurso de despedida do poder desta última aliado às lembranças de uma sangrenta ditadura fazem o espetáculo chileno Villa + Discurso, com dramaturgia e direção de Guillermo Calderon, que teve familiares vítimas da repressão.
A obra é encenada a partir desta quinta (14) até domingo (17) no Auditório da Antiga Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) da UFMG, em Belo Horizonte, dentro da programação do FIT-BH (Festival Internacional de Teatro, Palco & Rua).
O local é mais do que emblemático. Durante a ditadura militar, a Fafich chegou a ser invadida por agentes da repressão em busca de estudantes e professores ligados à resistência.
Em entrevista exclusiva ao R7, direto de Belo Horizonte, Calderon afirma que fica impressionado com as semelhanças históricas entre seu país e o Brasil.
— A ferida da ditadura ainda é muito forte no Chile e aqui também. Lá, muita gente que participou da ditadura ainda está em cargos públicos. E sei que o mesmo se passa aqui.
Para o dramaturgo e diretor chileno, é preciso investigar o passado e nomear todos que praticaram atos que ferem os direitos humanos, como a torturam, comumente praticada por lá quanto aqui durante os governos militares.
— Não adianta falar só que houve tortura e reparar economicamente quem a sofreu. Isso é uma meia verdade. É um paradoxo. Parece que querem colocar um ponto final na história para que não haja Justiça.
Apesar de celebrar a subida ao poder de uma ex-militante de esquerda, Calderon não aplaude cegamente o que Bachelet fez no governo.
— Ela foi a primeira mulher presidenta, que vinha de esquerda. Mas ela entrou em um esquema neoliberal, que produz uma grande desigualdade social. Tenho um grande apreço pela política social que ela desenvolveu, mas, por outro lado, admininistrou um Estado capitalista muito violento. Ela sofreu na pele essa contradição. Por um lado sinto uma rejeição por ela, por outro, simpatia.
Na primeira parte da obra, Villa, três mulheres vividas pelas atrizes Francisca Lewin, Macarena Zamudio e Carla Romero discutem a implantação de um memorial na Villa Grimaldi, principal centro de tortura e de extermínio de opositores da ditadura do general August Pinochet. Com personalidades fortes e posturas distintas, elas tentam chegar a um acordo democrático de como deveria ser esse memorial.
Na segunda, Discurso, as três atrizes se dividem para interpretar Michelle Bachelet, a mulher que veio da esquerda e chegou ao poder, em uma espécie de jogral com a fala da presidenta ao deixar o governo chileno. A obra, intimista, valoriza o trabalho das três atrizes, no tom exato que pede a montagem.
Calderón conta que a peça, já apresentada no Sesc Pompeia, em São Paulo (quando foi vista pelo Atores & Bastidores), e no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, no interior paulista, sempre dialoga com os brasileiros.
— Eu gosto muito dessa facilidade que os brasileiros têm em se conectar com o espetáculo. E acho interessante essa aproximação entre Chile e Brasil pelo teatro. O Brasil está olhando mais para a América Latina, para a cultura chilena. Isso é um intercâmbio cultural mais profundo e de grande valor.
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[…] quem chamou a atenção foi a singeleza associada ao talento das meninas chilenas da peça Villa + Discurso, dirigida por Guillermo Calderón. A peça é um painel da história recente do Chile, tão […]