Michel Melamed testa limites e faz ousado desfile carnavalesco em Adeus à Carne ou Go to Brazil
Por Miguel Arcanjo Prado
Fazer algo diferente do usual é função do artista. Ciente disso, o teatro contemporâneo dá passos largos rumo à inovação ao assumir em cena elementos vindos de outras artes, como a música, o cinema e as artes plásticas.
O espetáculo Adeus à Carne ou Go To Brazil, com criação e direção de Michel Melamed, em cartaz no Sesc Santana, em São Paulo, é exemplo crucial dessa tentativa de assimilação, assim como Bob Wilson já fez no próprio teatro ou Pina Bausch no mundo da dança.
Praticamente sem texto falado e usando etapas de um desfile de escola de samba como fio narrativo condutor, a obra trabalha com imagens que vão sendo construídas (e desconstruídas) diante dos olhos da plateia, que ri e se espanta diante da crítica ferina à sociedade brasileira.
Uma das cenas mais impactantes é aquela na qual as atrizes Giselle Motta e Bruna Linzmeyer, rosto conhecido da TV, são colocadas semidesnudas debaixo de velas acesas, que pingam parafina quente em suas costas. Diante da dor da queimadura, elas sambam com sorrisos no rosto. O sofrimento em prol da beleza plástica da cena remete ao das rainhas de bateria, que costumam terminar os desfiles ensanguentadas. A cena é exemplo de entrega física desmedida do grupo à proposta da direção. O coeso elenco, além de Giselle, Bruna e Michel, ainda tem Alessandra Colasanti, Pedro Henrique Monteiro e Thiare Maia.
O espetáculo começa com o palco vazio e negro, atravessado pelo elenco, vestido em criativo figurino preto e branco de Luiza Marcier. Eles passam de posturas humanas a animais, ao som que vai do rock ao piar de pássaros, na qual os atores exercitam capacidades de mobilidade, em uma espécie de aquecimento prévio das possibilidades que virão.
As situações muitas vezes aparentemente sem noção arrebatam a plateia para o riso compulsivo, como quando Melamed faz uma espécie de pot-pourri de sambas que falam de tristeza. A direção musical de Lucas Marcier e Fabiano Krieger, indicada ao Prêmio Shell, contribui para o resultado alcançado, bem como a inventiva cenografia de objetos proposta por Bia Junqueira e a iluminação calibrada de Adriana Ortiz, também indicada ao Shell.
O Carnaval de Melamed rompe com a ideia de felicidade cordial comumente associada à festa brasileira. Uma cena que exemplifica a proposta é aquela na qual o elenco coreografa o samba-enredo com gestos que rementem a atos violentos como o estupro, o roubo e o assassinato.
Mas a tensão elevada é quebrada por momentos de comicidade evidente, como quando dois atores brigam para varrer a purpurina vermelha do palco. Outra cena reveladora é aquela na qual os atores representam destaques no alto de carro-alegóricos, simbolizados por escadas, e misturam o riso forçado da glória carnavalesca a um choro convulsivo sob o holofote. Houve aplauso em cena aberta no dia em que o R7 viu a montagem.
Tais cenas carregadas de significados embasbacam e também enternecem o espectador, como aquela em que Michel Melamed e Bruna Linzmeyer, atrelados em cabos de aço, representam o amor impossível.
Outra de força impressionante é quando carrinhos de bebê cruzam-se no palco com caixões, ou quando o elenco incorpora emissoras de TV que são tratadas como crianças peraltas pelo locutor em off.
Em Adeus à Carne ou Go To Brazil Michel Melamed brinca com os limites artísticos do teatro, tornando o palco um lugar de experimentação de linguagens e de recados a serem dados da forma mais inteligente possível. O diretor não só têm êxito em sua proposta como faz um desfile carnavalesco inesquecível.
Adeus à Carne ou Go to Brazil
Avaliação: Ótimo
Quando: Sexta e sábado, 21h; domingo, às 18h. Até 19/8/2012
Onde: Sesc Santana (av. Luís Dumont Villares, 579, Jardim São Paulo, tel. 0/xx/11 2971-8700)
Quanto: R$ 24
Classificação: 16 anos