Com violência familiar, skinheads e jovens tolos, peça Mormaço é retrato de uma geração perdida
Por Miguel Arcanjo Prado
Foi o escritor norte-americano Ernest Hemingway quem popularizou, no livro O Sol Também se Levanta, lançado em 1927, o termo “geração perdida”, criado na verdade pela escritora Gertrude Stein, sua contemporânea e compatriota.
Se num primeiro momento a alcunha serviu para descrever aqueles que viveram a juventude entre a Primeira Guerra e a Grande Depressão de 1929, nas décadas seguintes a expressão foi tomada de empréstimo várias vezes para definir juventudes largadas no mundo. Gente sem eira nem beira.
O termo parece se encaixar com precisão nos personagens do espetáculo Mormaço, em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental, em São Paulo, sob direção de Zé Henrique de Paula.
O jovem dramaturgo Ricardo Inham escreveu um texto cru e sem esperanças. Nele, três histórias se sucedem: um grupo de skinheads persegue um casal de lésbicas punks; dois irmãos interioranos órfãos de mãe planejam a morte do pai tirano e estuprador, e, por fim, dois jovens skatistas que “pegam” a mesma “mina” desmiolada entram em confronto.
Como todo escritor, Inham acaba por imprimir em seu espetáculo comportamento comum de seus contemporâneos, a chamada geração Y, nascida pós 1980. Esta, apesar do advento da internet e da conexão mundial em redes sociais, padece de isolamento, solidão e falta de perspectiva diante do excesso de possibilidades. Só que assim como a geração perdida de Hemingway, a retratada por Inham também acredita estar sem possibilidade nenhuma.
Talvez o grande acerto da dramaturgia seja demonstrar que, diante da falta de olhar para o futuro, acrescida da miséria intelectual vigente, parte dessa geração – apresentada no espetáculo – preferiu abraçar a pior forma de manifestar-se no mundo: a violência, que no espetáculo pode surgir a qualquer momento, impiedosa.
Como se fossem desprovidos do pensamento racional, os personagens de Inham agem como os ferozes cães da raça pitbull. A ótima metáfora do autor ganha vida no palco por atores completamente nus tranformados em cachorros, em um bom achado cênico-corporal proposto pela direção e executado com vigor pelo elenco.
Apesar de algumas obviedades – e quem disse que o mundo real não o é também? –, a peça de Inham, chamada por ele de dramaturgia de fricção, consegue fugir do reducionismo ao distribuir a violência em lugares distintos. Tal qual os noticiários comprovam, ela não mais é exclusividade das grandes metrópoles.
O espetáculo mostra que o perigo pode estar em qualquer lugar onde exista cabeça vazia, o que faz lembrar um dito popular muito comum na boca das mães e avós de Minas, de onde vem o autor, natural de Guaxupé: “cabeça vazia é oficina do diabo”.
Zé Henrique de Paula consegue transpor a aridez do texto na ambientação assinada por ele: um cenário cru composto apenas por um banco e pequenos ramos de mato quase seco que teimam crescer na dureza do cimento. O cenário (ou a falta dele) dialoga com os modernos e duros figurinos também sob responsabilidade do diretor.
A “suja” iluminação de Fran Barros, quase sempre em contra-luz, ajuda a trazer para o público a sensação de aprisionamento no mormaço em que se encontram os personagens, sensação esta reforçada pela fumaça que inebria e sufoca a pequena sala na Barra Funda.
Apesar de ficar evidente a proposta de atuação que foge do realismo ou naturalismo, o elenco não funciona em sua totalidade. Laerte Késsimos se sobressai como o líder dos skinheads na primeira cena, bem como também quando se transforma em cão. Ainda na primeira, Juliana Calderón e Ana Elisa Mattos, as punks lésbicas, também convencem e comovem, sobretudo quando são espancadas. Na segunda cena, Valmir Martins e Stephanie Lourenço conseguem passar a sintonia que une os irmãos subjugados da segunda cena.
Apesar de poucos destaques no elenco, o recado seco da obra funciona. Mormaço é um soco seco na barriga da plateia, que sai da sala como quem escutou um grito mudo de uma geração perdida que parece não querer ser encontrada.
Mormaço
Avaliação: Bom
Quando: Sexta, sábado e segunda, às 21h. Domingo, às 19h. Até 27/8/2012
Onde: Teatro do Núcleo Experimental (r. Barra Funda, 637, Barra Funda, Metrô Marechal Deodoro, tel. 0/xx/11 3259-0898)
Quanto: R$ 30 (sexta é grátis; ingressos distribuídos uma hora antes)
Classificação: 16 anos
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Teaser da peça assita!