“Ao celebrar centenário de Nelson Rodrigues, Brasil vê sua hipocrisia”, diz diretor Marco Antonio Braz
Por Miguel Arcanjo Prado
Nelson Rodrigues dizia que “toda unanimidade é burra”, mas acabou por se tornar uma. Falava que “quem pensa com a unanimidade não precisa pensar”. É claro que há muito disso no culto a seu nome por conta do centenário de seu nascimento, completo nesta quinta (23).
Com a grande quantidade de eventos comemorativos Brasil afora, com suas peças sendo encenadas dos teatros alternativos às mais ricas salas com atores globais (saiba como ver peças de graça), houve adeptos de última hora a seu nome.
Mas, em meio a tanto frenesi, há um homem que estuda e monta as peças de Nelson há tempos. Mesmo quando ele não era a última moda: Marco Antonio Braz.
O R7 conversou com o diretor, atualmente com duas montagens do autor ao mesmo tempo, Boca de Ouro e A Falecida, no Teatro do Sesi, em São Paulo. Ele deu opiniões fortes sobre tudo isso que anda acontecendo. Leia a entrevista.
R7 – O que você achou dessa quantidade de eventos em comemoração ao centenário de Nelson Rodrigues?
Marco Antonio Braz – Surpreendeu a receptividade e a quantidade de coisas em um nível mais profundo. De fato, o centenário tem feito jus ao Nelson, no sentido de tirar os estigmas e provocar uma avaliação da obra dele, bem como a promoção dela junto ao público, que a aceitou de olhos abertos.
R7 – Nelson virou moda…
Marco Antonio Braz – Todas as apresentações tem. O Nelson virou uma unanimidade inesperada. Quando eu tinha 21 anos de idade e entrei para a Unirio, lembro-me que, em uma palestra, a Barbara Heliodora [crítica teatral carioca] deixou claro que só considerava Vestido de Noiva e desprezava todas as outras obras dele. Em 2007, na Flip, ela já tinha mudado de ideia e considerava O Beijo no Asfalto e Vestido de Noiva. Nesta terça, na Casa Laura Alvim [centro cultural em Ipanema], ela diz que existe cinco pecas dele que ela considera. Ou seja, se ela viver mais cem anos, vai dizer que Nelson Rodrigues é melhor do que Shakespeare.
R7 – Mas não é só dona Bárbara quem mudou de ideia sobre Nelson…
Marco Antonio Braz – A matéria da Veja desta semana se parece com uma cena de Boca de Ouro. Tivemos quatro paginas de homenagem. Há 20 anos, a mesma Veja defenestrava o Nelson da primeira à última linha. Lembra-me a cena de Boca de Ouro quando se diz “vamos ligar para o editor para saber se ele é contra ou a favor do Boca de Ouro”.
R7 – Por que você resolveu dedicar boa parte de sua carreira à obra de Nelson Rodrigues?
Marco Antonio Braz – Estava na faculdade em 1988, 1989. Até então, tinha feito Woody Allen, Brecht e o Don Juan, do Molière, e fracassei. As falas não casavam com a boca dos atores. Decidi que iria fazer um autor brasileiro e seria o Nelson. Conheci O Beijo no Asfalto. Pra mim as melhores peças brasileiras são O Auto da Compadecida, O Pagador de Promessa e O Beijo no Asfalto. Meu professor orientador era o José Renato Pécora [diretor teatral morto em 2011], que me mandou ler as 17 peças do Nelson. Li no plano proposto pelo Sábato Magaldi [crítico teatral], na ordem cronológica em que foram escritas. Enlouqueci. O José Renato me falou que seria oportuno ter uma companhia de repertório de Nelson. Foi assim que surgiu o Círculo de Comediantes, que mais tarde virou o Círculo dos Canastrões. De 1989 para cá, não houve um ano em que não tenha relido todas as peças de Nelson Rodrigues.
R7 – Muita gente foi contra Nelson e sua obra porque ele atacou muito a esquerda nos tempos da ditadura.
Marco Antonio Braz – Hoje também ainda existe maluco com patrulhamento ideológico. Tem muita gente confundido personagens com autor. O Nelson levantou a lebre de uma hipocrisia que o país não podia aceitar. Hoje, ainda há pais que engravidam filhas, e na época em que ele escreveu Álbum de Família diziam que havia incestos demais na obra do Nelson.
R7 – Por que a obra de Nelson é tão popular?
Marco Antonio Braz – Acho que o país chegou ao limite, onde resolvemos encarar nossa própria hipocrisia. Aquilo que na geração de Nelson gerava uma reação, hoje é mais aceito. Na época dele, as pessoas precisavam eliminar o dedo que apontava. O Ruy Castro disse que o Brasil precisava de maioridade para compreender o Nelson.
R7 – Separar a obra do homem…
Marco Antonio Braz – O que é encantador é ver as várias facetas. O homem é tão falho como qualquer homem. O elogio do Nelson ao Médici [general presidente na ditadura militar], por exemplo, é um tiro no pé. Ele disse que “Emilio Garrastazu Médici um nome para não esquecer”, só que foi isso por outros motivos. Se algo pode ser dito, é que ele era um menino, essa era imagem que a Clarice [Lispector, escritora] tinha dele. Um menino que vê o mundo pelo buraco da ditadura e se espantava.
R7 – A obra de Nelson segue sendo atual?
Marco Antonio Braz – Claro. Bonitinha, mas Ordinária deveria ser feita na plenária do Congresso. Na construção de Brasília existia putaria. No Brasil, “quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”, “o ser humano está de quatro diante do tutu”. No sentido universal o mundo não é melhor, está à beira do abismo. Hoje vale tudo. Esse tipo de coisa a gente pode purgar por meio do Nelson. Só reconhecendo a doença se começa o processo da cura.
R7 – As pessoas se identificam…
Marco Antonio Braz – Sim. As pessoas reconhecem que ele esta falando de algo que é real. No fundo, no fundo, todos sabem que entre um pensamento e outro pensamos em sexo. E ainda mantemos certa dose de hipocrisia. O que acontece, por exemplo, agora na montagem minha de A Falecida com a Maria Luisa Mendonça é incrível. Quando ela fala “eu odeio meu marido”, as mulheres da plateia começam a aplaudir. Parece até que eu ensaiei. Não é espantoso?
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