Exclusivo: entrevista com o diretor russo Adolf Shapiro: “O teatro russo é o melhor do mundo”
Por Miguel Arcanjo Prado*
Enviado especial do R7 a Santos**
Adolf Shapiro é um dos maiores nomes vivos do teatro russo. Aos 73 anos, faz intercâmbio com o Brasil ao dirigir a montagem paulistana Pais e Filhos, da mundana companhia. Estreia nesta terça, às 21h30, no Teatro Coliseu, em Santos. A adaptação do romance homônimo do russo Ivan Turguêniev (1818-1883) é um dos destaques da programação do Mirada, o Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos.
Shapiro está no Brasil desde 13 de agosto e fica até 8 de outubro. Ele estará na estreia do espetáculo em São Paulo, no dia 28 de setembro, no Sesc Pompeia.
O artista começou a dirigir peças na Letônia, na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, com apenas 23 anos. Hoje, é referência mundial no método de Stanislavski, já que estudou com Maria Knébel (1898-1985), que foi discípula do próprio Constantin Stanislavski (1863-1938).
O mestre russo conversou com o R7 em uma mesa à beira da piscina do Sesc Santos, no último domingo (9), enquanto fumava um cigarro e tomava um café. Leia a entrevista exclusiva:
Miguel Arcanjo Prado – O que você conhecia do teatro brasileiro antes de trabalhar com a mundana companhia?
Adolf Shapiro – O teatro brasileiro, antes de mais nada, estava na minha imaginação, porque eu não o conhecia. Claro que lia algo a respeito, mesmo porque trabalhei bastante na América Latina, sabia um pouco do estilo de vida dos brasileiros, mas não posso dizer que conhecia o teatro do Brasil. Hoje, não conheço ainda. Porque passei a maior parte do tempo em São Paulo e sei que o País é grande, com variados climas, economias e, claro, distintos teatros. Conheço um pouco já, mas meu interesse em conhecer mais é muito grande.
Miguel Arcanjo Prado – Como você teve contato com a mundana companhia?
Adolf Shapiro – O primeiro contato foi por meio da Elena Vássina [professora de letras russas da USP, Universidade de São Paulo]. Ela esteve no Festival Internacional Tchekhov em Moscou e me apresentou ao Danilo Santos de Miranda [diretor regional do Sesc São Paulo]. E quando apareceu a oportunidade de vir ao Brasil, eu aceitei. Não só para trabalhar, mas para descobrir coisas novas também.
Miguel Arcanjo Prado – O que você acha dos atores brasileiros?
Adolf Shapiro – Eu sempre respondo da mesma forma no mundo inteiro a esta pergunta. Todos os bons atores são individualmente bons e todos os atores ruins são idênticos uns aos outros em qualquer lugar do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Como é trabalhar com a mundana companhia?
Adolf Shapiro – É muito interessante trabalhar com a mundana companhia. Não são apenas talentosos, mas têm conteúdo. Isso diz respeito às aspirações deles. É a preparação para um processo experimental. É a segunda vez que trabalhamos juntos e isso testemunha nossa boa relação.
Miguel Arcanjo Prado – A mundana companhia fez sucesso recentemente em São Paulo, Belo Horizonte e Rio com a montagem de O Idiota, de Dostoievski, com grande procura do público pela peça. Você imaginava que os brasileiros gostassem tanto da cultura russa?
Adolf Shapiro – Eu imaginava que havia certo interesse, sim. Em primeiro lugar, porque fui convidado a trabalhar aqui no Brasil. E a minha desconfiança de que havia interesse na cultura russa me veio antes, quando trabalhei na Nicarágua, na época da Revolução Sandinista. Quando cheguei lá vi que um pequeno teatro tinha na entrada um retrato de Tchekhov. Montei Gogol na Venezuela e notei que havia um interesse. Só não sabia que ele era tão grande aqui no Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – Isso lhe espanta?
Adolf Shapiro – Não existe nada de surpreendente nisso. Não quero parecer patriota, mas a literatura russa é um dos grandes fenômenos culturais mundiais. Às vezes, nós os russos não temos essa dimensão, assim como os colombianos não entendem que o Gabriel García Márquez é um mito da literatura mundial, ou muitos brasileiros desconhecem como Jorge Amado é conhecido e lido em outros países como a Rússia.
Miguel Arcanjo Prado – Já que você falou em patriotismo, vou fazer uma pergunta mais provocativa. O teatro russo é o melhor do mundo?
Adolf Shapiro – Sem dúvida alguma. O teatro russo é o melhor do mundo. Nisto não há espaço para a dúvida. Toda o teatro mundial da segunda metade do século 20 ocorreu por influência do teatro russo. De Stanislavski, de Tchekhov. Isso não é opinião minha. É fato. Tennessee Williams e Bertold Brecht diziam isso. Mesmo quem não é fã do teatro russo reconhece que ele é um fenômeno. Nos centros teatrais do mundo inteiro a grande influência é o teatro psicológico russo. E isso vem muito pela força da literatura russa, tão poderosa e que ajudou na criação do teatro psicológico.
Miguel Arcanjo Prado – Você estudou diretamente com Maria Knébel, discípula direta de Stanislavski. Você se considera um representante dele no Brasil?
Adolf Shapiro – Não. Eu não me considero um representante de carne e osso de Stanislavski. Seria muita pretensão de minha parte. Apenas tento compartilhar esses ensinamentos com as pessoas, mas sem o objetivo de fazer disso minha pregação pessoal. Eu compartilho isso com eles pensando que eles serão capazes de filtrar. Apesar de eu ter uma grande reverência por este conhecimento, eu não acho que exista regras e leis para todos os tempos teatrais. No teatro, não podemos ser continuadores. Temos de ser pesquisadores.
Miguel Arcanjo Prado – O Brasil viveu uma ditadura militar de direita, entre 1964 e 1985, que demonizava tudo o que vinha da União Soviética. Você sabia disso?
Adolf Shapiro – Eu sei que houve uma ditadura militar, mas não sabia que eles proibiam tudo que era russo. Mas eu não me surpreendo, porque qualquer ditadura gera pessoas loucas. O que diz respeito aos dias de hoje, o Brasil é um dos países que mais se desenvolveram no mundo. E é impossível se desenvolver isoladamente. O mundo de hoje é interligado. E se a gente não descobrir outros lugares do mundo, o desenvolvimento torna-se impossível. O problema do mundo contemporâneo está em como manter todo esse contato com o outro e continuar com as particularidades individuais. Esse é um grande problema para os países em desenvolvimento.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a sensação você vai levar do Brasil quando voltar à Rússia?
Adolf Shapiro – Vou levar a sensação de que esse país tem uma noção clara de futuro e está direcionado ao futuro.
*Entrevista com tradução simultânea pelo intérprete de russo Diego Moschkovich.