Entrevista de Quinta – Laerte Késsimos, ator
Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Eduardo Enomoto
Quem acompanha o teatro paulistano na última década certamente cruzou com a presença vigorosa de Laerte Késsimos em cena. O ator chega aos 30 anos com uma carreira marcada por entrega destemida a personagens densos e variados.
O moço foi pioneiro na ocupação teatral da praça Roosevelt, com o grupo Os Satyros, do qual fez parte por cinco anos. Agora, dá seus passos sozinho, dono do próprio nariz.
No momento, trabalha com Zé Henrique de Paula, diretor do Teatro do Núcleo Experimental. Esteve na temporada de Mormaço, o polêmico texto de Ricardo Inhan no qual interpretou um feroz skinhead e um convincente cachorro. Em meio ao elenco irregular, Laerte nadou de braçadas para ser o grande destaque. Agora, se prepara para estrear No Coração do Mundo, com o mesmo Zé, no próximo dia 16 de outubro.
Mineiro de Governador Valadares, Laerte partiu rumo a São Paulo 11 anos atrás, para realizar o sonho de viver de arte. Assume que ainda segue tentando diariamente, mesmo que a duras penas. Tem hora que bate a crise, mas logo chega à conclusão de que não sabe fazer outra coisa. Sorte nossa.
Antes de um ensaio, Laerte passou na redação do R7, na Barra Funda, em São Paulo, onde deu entrevista sincera e emotiva ao Atores & Bastidores. Ele inaugura nossa nova coluna: a Entrevista de Quinta. Como o nome bem-humorado diz, um bate-papo semanal, sempre às quintas-feiras, com alguém interessante de nosso teatro.
Leia com toda calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Laerte, falar com você foi uma verdadeira novela. Você sempre está fazendo milhões de coisas…
Laerte Késsimos – Vida de ator não é fácil. Ou você tem uma vida patrocinada pelo seu pai ou vai ter de fazer muita coisa para se virar. Qualquer um de nós tem um bocado de conta para pagar. É foda. A gente faz muita coisa sem ganhar, então temos de nos virar. Estou fazendo três espetáculos. Tem o Mormaço, que acabou agora e volta em breve, No Coração do Mundo, que estreia dia 16 agora e Baixo Augusta, que estou ensaiando com o diretor Renato Andrade, que também deve estrear em breve.
Miguel Arcanjo Prado – Se é tão difícil, por que continua fazendo?
Laerte Késsimos – Eu não sei fazer outra coisa. Não consigo. Se não faço teatro, fico deprimido… Eu também trabalho com cinema, monto. Faço curtas-metragens, mas muita coisa mesmo você faz por amizade. Você quer participar, é um projeto interessante… Essa coisa do fomento público… É muito concorrido. Todo mundo quer ganhar o Myriam Muniz, o ProAc, o Fomento e prêmios estaduais. Todo mundo quer mostrar um trabalho legal, mas não tem dinheiro para todos. Por isso muita gente coloca o seu projeto no palco mesmo sem patrocínio.
Miguel Arcanjo Prado – Você falou de não ter um pai para lhe sustentar. Filhinho de papai no teatro é algo ruim?
Laerte Késsimos – Não é isso. É só uma constatação. Artistas mais ricos e que têm apoio da família possuem uma vida muito mais tranquila. Porque não tem a preocupação da sobrevivência puxando eles o tempo todo para a realidade durante o ensaio, por exemplo. Não dá para se concentrar se você está pensando naquela conta que venceu há uma semana…
Miguel Arcanjo Prado – É difícil…
Laerte Késsimos – É por isso que todo mundo está buscando um lugar na TV. Alguma coisa que te leve para o lugar de um ator mais conhecido. Porque assim você consegue um pouco mais fácil encaixar os projetos em patrocínios e ganha uma remuneração mais decente.
Miguel Arcanjo Prado – Vamos falar de Mormaço, seu trabalho mais recente. Como foi virar um cachorro?
Laerte Késsimos – Foi divertido. No texto, havia sempre um som de cachorro que late nas três cenas. Eles estavam presentes de alguma forma. No momento da improvisação, brinquei de fazer um cachorro. Aí o Zé gostou e foi explorando. Ele achou que cada cena deveria ter seu cachorro. O cachorro que eu fiz na improvisação é parecido com o da terceira cena. É muito instintivo.
Miguel Arcanjo Prado – E o povo só falou do seu cachorro…
Laerte Késsimos – Recebo mais comentários da parte do cachorro do que a do skinhead [risos]. Gera uma coisa nas pessoas muito louca. Gente que fala: “Eu vi o cachorro da minha infância” ou “Eu até esqueço que é uma pessoa” É uma surpresa muito grande. Eu não tinha a preocupação de imitar um cachorro, mas é claro que a gente observa e foca o olhar no que está procurando.
Miguel Arcanjo Prado – Algum cachorro serviu de inspiração?
Laerte Késsimos – É o cachorro de um vizinho da minha irmã, em Perdizes, aqui em São Paulo. A Marcela mora no prédio e do lado tem uma casinha e o cachorro sempre fica no quintal. Fui brincando com ele devagarzinho e acabamos amigos. É um bull terrier branquinho e nem sei o nome dele…
Miguel Arcanjo Prado – E não posso deixar de comentar que o cachorro que você interpreta não usa roupa. Como foi ficar nu em cena?
Laerte Késsimos – Eu trabalhei no Satyros quatro anos e nunca tinha tirado a roupa lá em cena, por incrível que pareça [risos]. Eu fazia Inocência, em quase todo o elenco ficava pelado e só eu ficava vestido do pescoço aos pés. Era engraçado até. Foi o Zé [Henrique de Paula, diretor] que propôs [a nudez em Mormaço]. Ele achou que poderia parecer um pudor idiota os atores fazendo isso de cueca ou com um figurino de cachorro. Ninguém teve problema, nem eu, nem o Thiago Vieira e o Edu Zenati [os outros que também ficam nus]. Tem um processo. Você se acostuma a tirar a roupa na frente dos colegas nos ensaios. Estava tão acostumado já que saía de cena pelado e ficava comentado outros assuntos com os colegas e nem me lembrava que ainda estava sem roupa. Não tem incômodo.
Miguel Arcanjo Prado – Ainda sobre o tema de ficar pelado com outros dois atores: o público não fica comparando o tamanho [risos]?
Laerte Késsimos – Acho que fica, né? [gargalhadas] Mas a gente está muito à vontade. Teve uma pessoa na última sessão que saiu no meio da peça e disse para a nossa produtora que havia se cansado de ver homem pelado. O pai de uma atriz da peça perguntou se era uma peça pornô [risos]. Mas de um modo geral o público que vai ao teatro está acostumado com isso.
Miguel Arcanjo Prado – Você é mineiro de Governador Valadares. Lá todo mundo vai para os Estados Unidos…
Laerte Késsimos – Pois é. E eu vim para São Paulo [risos]. Vim estudar teatro, em 2001, com a cara e a coragem. Estudei na escola de atores do Ewerton de Castro. Já trabalhava com vídeo e edição em Minas e também continuei fazendo isso aqui. Sou meio autodidata nisso. Eu me formei em 2004. No meio desse processo, cheguei a ir para Belo Horizonte, para fazer um espetáculo com a Cia Zikzira, da Fernanda Lippi e André Semenza. Depois, entrei nos Satyros em 2004. Que foi realmente o meu começo.
Miguel Arcanjo Prado – Você chegou antes de Os Satyros virarem moda com essa história toda da recuperação da praça Roosevelt…
Laerte Késsimos – Sim. Está uma especulação imobiliária terrível lá. A papelaria que tem na praça está fechando. Os próximos a serem expulsos podem ser o povo dos Satyros. Virou a off-Broadway de São Paulo. É até engraçado, porque quando comecei lá a gente tinha de implorar para o povo ir ver a peça. Às vezes, ficava só o elenco, eu, a Cléo [de Páris], o Ivam [Cabral] e o Rodolfo [García Vázquez], tomando cerveja nas mesinhas na rua, fazendo um movimento de resistência. Aos poucos virou isso aí. O teatro botou luz na praça Roosevelt.
Miguel Arcanjo Prado – E você, recém-chegado de Minas, caiu na perdição do teatro? [risos]
Laerte Késsimos – Eu era menino da roça. Um jeca mesmo [risos]. Foi bem difícil no começo. Se não tivesse forca de vontade eu teria desistido e voltado para viver uma vida mais fácil e tranquila. Não existe conforto nessa cidade. Você não tem tranquilidade. Em São Paulo, você tem sempre de estar correndo atrás, buscando dinheiro, é uma cidade cara e muito exigente. As pessoas exigem muito.
Miguel Arcanjo Prado – O que lhe fez ficar?
Laerte Késsimos – Não sei… [pensativo]. Não sei te explicar exatamente o que me moveu… Acho que é a sensação de que se você não fizer uma coisa ninguém mais vai fazer, por você, pelo que você gosta, pelo teatro, pela arte. Acho que essa é a função do artista. É como se fosse meu lugar no mundo, a minha função. Não tem muito para onde fugir. Acho que se eu fugir vai correr atrás de mim.
Miguel Arcanjo Prado – Depois que você saiu do Satyros você deu uma sumida dos palcos. Por quê?
Laerte Késsimos – Antes de fazer Mormaço estava havia dois anos sem fazer teatro por decepção mesmo, por fraqueza [emociona-se]. O Zé me tirou do meu mormaço, de uma depressão artística quase. O Zé me deu uma revigorada nesse sentido.
Miguel Arcanjo Prado – Por que você saiu dos Satyros?
Laerte Késsimos – Por vários motivos. Um pouco, porque essa questão financeira já estava pesando. Tinha uma dedicação absurda sem o retorno financeiro. E também porque eu trabalhava lá havia cinco anos e queria experimentar outros trabalhos, outras linguagens, conhecer outros diretores.
Miguel Arcanjo Prado – Foi uma saída pacífica, não teve mágoa?
Laerte Késsimos – O Satyros é meio família, né? No começo rolou um pouco, mas passou rápido. Eu fui sincero com o Rodolfo [García Vázquez, diretor dos Satyros] e ele entendeu. Tanto que voltamos a trabalhar agora. Nessa remontagem do Vestido de Noiva, por conta do centenário do Nelson Rodrigues, em agosto desse ano, eu fiz algumas sessões, inclusive a do Rio [Laerte era da montagem original, com Norma Bengell, em 2008].
Miguel Arcanjo Prado – Você fez 30 anos. Tem medo de envelhecer?
Laerte Késsimos – Todo mundo envelhece. Não tenho medo da velhice. Tenho um pouco de receio da situação financeira. Eu penso: tenho 30 anos e nunca ganhei dinheiro. Tenho amigo que comprou apê, carro… E eu ainda não ganhei dinheiro de verdade. Às vezes, isso me pega [pensativo]. Mas todo mundo quer ter uma vida legal, né? Poder fazer o que gosta. Mas no caso de ator, conseguir isso acaba sendo um privilégio. Mas que se você é fiel com o que você pensa, alguma hora o mundo vai se abrir para você. Pode ser que eu seja um ator velho e meio fudido, vivendo num muquifo. Tenho amigos mais velhos que eu vejo e dá vontade de desistir. Penso comigo: “esse cara é um bom ator e está ai vivendo essa vida esquecida”. Mas eu acredito que a vida pode se abrir a você se você é fiel a você mesmo. Acho que, quando você se vende, junto com o que você ganha vem outras coisas. Por isso, prefiro ir tentando fazer o meu no dia a dia, sendo fiel com meus princípios, não sendo sacana com ninguém. Eu só quero ser feliz.
Laerte Késsimos, um ator de várias caras
Legenda: Em sentido horário, a partir do alto: no curta Fui Comprar Cigarros (2012), em foto de Marcel Mallio; na peça No Coração do Mundo (2012), em foto de Ronaldo Gutierrez; na peça A Vida na Praça Roosevelt (2005), com Os Satyros, em foto de Lenise Pinheiro; no espetáculo Transex (2004), em foto de Arquivo Pessoal; no filme Polícia e Ladrão (2012), em foto de Aline Ballestero; na peça El Truco (2007), com os Satyros, em foto de Helder Rocha; e na peça Mormaço (2012), em foto de Bob Sousa, e em retrato pomposo assinado pelo mesmo Bob Sousa, parceiro do blog.
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