Retrato de uma época, comédia A Partilha ainda comove e faz rir 22 anos depois de sua estreia
Por Miguel Arcanjo Prado
Miguel Falabella sabe escrever. Tem sacadas ótimas, que, quando são entendidas pelos atores que as interpretam, soam melhores ainda.
E seu grande texto teatral é A Partilha, que volta ao cartaz 22 anos após a estreia com a marca de ser sua peça mais encenada. Passou por 12 países.
Escrito em 1990, o texto é realmente um achado. Mesmo com elementos datados, sobretudo quando faz piadas de questões sociais como o racismo e a homossexualidade, o autor leva o espectador a se envolver e a se identificar com as quatro irmãs reunidas por conta da morte da mãe, após anos distantes.
A remontagem, fruto da persistência do produtor Sandro Chaim, tem o mérito de trazer o elenco original: Susana Vieira, Arlete Salles, Patricya Travassos (que substituiu algumas vezes Nathalia do Valle na primeira temporada) e Thereza Piffer.
Como a história contada no palco mostra, reviver o passado nem sempre é algo ruim. Muitas vezes, pode ser o ponto de partida para um acerto de contas. E é o que acontece nesta montagem.
Miguel Falabella também cumpre a função de diretor cuidadoso com suas atrizes, fazendo ajustada partilha entre elas, dando a cada uma seu momento. O diretor sabe soltar e segurar as estrelas cheias de personalidade de seu elenco, o que não deve ser tarefa fácil.
Quem mais se sobressai no jogo cênico é Arlete Salles, intérprete de Lúcia, a irmã perua que foi morar com um francês em Paris. De talento reconhecido, a atriz parece entender cada nuance das frases escritas por Falabella, dando tempo certeiro à interpretação de cada uma, garantido a aprovação inquestionável da plateia sob a forma de generosas gargalhadas.
Como a irmã esotérica e liberal Regina, Susana começa o espetáculo ainda fria, mas, com o desenrolar do enredo e, sobretudo, diante no embate com Arlete, consegue crescer e mostrar interpretação além da grande personagem que ela mesma virou na vida real.
Thereza Piffer, como a jornalista e intelectual lésbica Laura, começa pequena, mas também consegue crescer com sua personagem. Por sua vez, Patricya Travassos surge na medida exata como Selma, a irmã tijucana ressentida com as outras porque foi a única a cuidar da mãe até a morte. E sofre porque largou o curso de magistério para se casar com um militar grosseiro com quem vive nos últimos 30 anos. Faz bem essa mulher que todos nós conhecemos.
Com sacadas bem humoradas, como a transição da cena do velório para o apartamento herdado pelo quarteto, o cenário de Belí Araújo cumpre a função, sem se sobressair. Já o figurino de Sônia Soares é fiel às roupas femininas do começo dos anos 90, herança da epifania fashion dos anos 80. Já a iluminação de Paulo César Medeiros é comedida e burocrática.
A Partilha é uma espécie de raio-X da sociedade brasileira no começo dos anos 90. Estão presentes elementos emblemáticos do período, como a descrença no país, os preconceitos no baú, a hipocrisia social e a difícil convivência de mulheres que tomaram rédeas de suas vidas com aquelas que reproduziram o modelo da geração anterior.
Mesmo com tais elementos datados, a comédia ainda comunica, porque fala de algo universal: o sentimento de ligação que une irmãos, sobretudo nos momentos mais difíceis. Ao descortinar mazelas e ressentimentos que toda família possui, Miguel Falabella dá humanidade às suas personagens, que ganham vigor nesta remontagem, diante da felicidade evidente das atrizes em retomar o projeto. Mesmo ferina, a peça de Falabella não agride, porque nos leva à conclusão de que somos realmente assim.
A Partilha
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta, 21h30; sábado, 19h e 21h30; domingo, às 18h. 100 min. Até 25/11/2012
Onde: Teatro Shopping Frei Caneca (r. Frei Caneca, 569, 6º andar, Consolação, tel. 0/xx/11 3472-2229)
Quanto: R$ 80 a R$ 120
Classificação: 12 anos
Susana recebe carinho dos sogros
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Sei que tem muita gente que não gosta da Susana Viera, por determinado comportamento, mas não podemos deixar de exaltar a sua performance como atriz! Ela arrasa! Abraços, Miguel.