No Coração do Mundo desvenda mistérios de Cabul
Por Miguel Arcanjo Prado
Não é tarefa fácil conseguir transportar o público para um lugar geográfico diferente daquele onde está. Nem que isso ocorra apenas na fantasia de cada espectador.
O espetáculo No Coração do Mundo, no Teatro do Núcleo Experimental, em São Paulo, consegue tal façanha.
O diretor Zé Henrique de Paula resolveu reformular a peça Casa Cabul, antes apresentada em palco italiano, e a transformou em uma obra onde texto, artistas, público e espaço se mesclam na pequena sala na Barra Funda.
O roteiro do norte-americano Tony Kushner conta a história de Sra. Ceiling, uma inglesa infeliz em suas relações familiares e que se encanta com um velho guia de viagens sobre Cabul, a capital do Afeganistão.
De tanto ler o livro, ela resolve abandonar a vidinha de classe média britânica e partir rumo ao lugar desconhecido em uma aventura praticamente suicida.
Chris Couto consegue mesclar leveza e densidade na construção da personagem – agora bem mais cativante do que na primeira versão do texto com a mesma atriz. Chris parece ter descoberto que as situações dramáticas também são providas de certa dose de humor. E é aí que ganha o público.
E a plateia acompanha a personagem na viagem longínqua, quando, em efeito cênico vibrante, o Afeganistão se descortina diante do público, convidado a mudar de lugar.
Diretor cuidadoso com suas obras, Zé Henrique de Paula (que trabalha em parceria com o assistente Thiago Ledier) assina também cenografia exuberante e figurino cheios de peças de cores fortes e vibrantes, que entregam pesquisa árdua (ele contou com assessoria dos especialistas em cultura afegã Adriana Carranca e Sayed Mustafá), sobretudo nas vestimentas dos personagens afegãos. A iluminação de Fran Barros dialoga com o desenrolar da história.
Fernanda Maia é responsável pela direção musical, que demonstra precisão quando canta Nábia Vilela, intérprete de Mahala, uma afegã desprovida do direito do conhecimento em seu país por ser mulher, escondida sob uma burca.
Mas a música, mesmo bem dirigida, provoca certo incômodo quando surge como preparativo para as trocas de ato. O coro de afegãos canta Frank Sinatra. A canção ícone da cultura norte-americana vai de encontro ao que os personagens muçulmanos representam.
No elenco preparado por Inês Aranha, o grande achado é Eric Lenate, como o esperto afegão Khwaja, que logo se torna tutor da jovem inglesa Priscila (Renata Calmon) na busca por sua mãe, desaparecida em Cabul.
O personagem do ator mostra ser resultado de uma minuciosa construção, que passa pelo corpo, voz, olhar, trejeitos e, claro, talento. Logo, Lenate se impõe como o melhor em cena. E cresce ainda mais quando contracena com Renata, sobretudo pelo abismo que separa a precisão dele do histrionismo dela.
O coro de afegãos formado por Alexandre Meirelles, Thiago Ledier, Laerte Késsimos, Felipe Ramos, Thiago Carreira e Marcelo Villas Boas cumpre bem a tarefa de ser uma presença constante e ameaçadora.
Já os intérpretes dos personagens britânicos ficam atrás. Tony Giusti, como o marido de Sra. Ceiling, e Herbert Bianchi, na pele de um jovem ocidental viciado em heroína e ópio nas ruas de Cabul, apresentam resultado pouco convincente.
No Coração do Mundo joga luz a um lugar desconhecido e maltratado pelo mundo ocidental. Zé Henrique de Paula humaniza o Afeganistão das guerras sem fim. É é aí que mora o mérito da peça: fazer com que reconheçamos aquilo que nos é tão diferente não pelo discurso, mas pelo coração.
No Coração do Mundo
Avaliação: Bom
Quando: Terça, quarta e quinta, às 21h. 100 min. Até 13/12/2012
Onde: Teatro do Núcleo Experimental (r. Barra Funda, 637, Barra Funda, São Paulo, tel. 0/xx/11 3259-0898)
Quanto: Grátis (ingressos distribuídos uma hora antes)
Classificação: 16 anos
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