Por Lala Pugliese, especial para o Atores & Bastidores
A experiência artística acontece no momento em que o potencial espectador decide assistir a um espetáculo. A partir daí, todas as interferências que acontecem entre ele e o objeto artístico influenciam na qualidade do encontro.
Quem resolve assistir à montagem Pais e Filhos, da mundana companhia, em cartaz até domingo (11) no Sesc Pompeia, em São Paulo, logo tem contato com o programa.
Chama a atenção o fato de ele ser igual aos caderninhos vendidos na lojinha do Sesc. Se uma peça de duas horas e meia de duração precisa de caderno explicativo, alguma coisa, definitivamente, não está ficando clara.
Se dissermos Argentina, as coisas que nos vêm à mente são: Maradona, assado, tango e obelisco. Já se dissermos Brasil: Carnaval, caipirinha, capoeira e Pelé. Contudo, se pronunciamos Rússia, a coisa se complica, mas podemos chutar uns Ivan Turgueniev, Constantin Stanislavski e o agora conhecido no Brasil Adolf Shapiro, o diretor russo da peça, baseada no romance do primeiro.
E aí basta tirar dessa mistura um projeto que, segundo o próprio programa, “envolve pesquisa e inovação”. Ao misturar tudo o que se tem à mão e que poderia se chamar de “cult” para uma elite artística, surge a pergunta se isso não seria cair na pretensão de dominar certos intelectualismos.
O próprio método do mestre russo Stanislavski é chamado de método de ações físicas (longe da literalidade na tradução, existe alguma ação que não seja física?). Contudo, na peça, tirando a “ação” de falar e emitir um discurso dos personagens, praticamente inexiste ação, o que daria a impressão que se confia demasiado no texto e na interpretação.
A proposta de Shapiro não trasbordaria um clássico realismo, só que, os personagens se mantêm lineares, limitando-se à função simbólico-dramatúrgica, unilaterais, longe de transitar conflitos internos ou por toda a riqueza interpretativa que propõe o método Stanislavski para trabalhar a interpretação do drama como gênero.
A encenação inclui a ideia do ator espectador, ou seja, quem não está em cena assiste às cenas que vão acontecendo. Este recurso além de ter ficado tímido, por momentos, a plateia não sabe qual é a função dos atores nos balcões laterais superiores, porque se dá a sensação que alguma coisa vai a acontecer, mas com o tempo percebe-se que são só os atore assistindo aos colegas e roubando a atenção da cena que acontece no “cenário”.
O programa contém a seguinte informação: o romance homônimo, publicado em 1862 por Turgueniev, tornou conhecido o termo niilismo. Nihil significa nada. Para os niilistas não há sentido na existência humana. Por isso, desprezam a moral, as verdades absolutas, as instituições, o Estado e a família.
De cara com o termo parece um mote mais que interessante para trabalhar o homem contemporâneo na sua relação com essas instituições. Todavia, no espetáculo não se problematiza a complexidade que teria na atualidade o niilismo, se é que seria possível sua existência no contexto capitalista atual.
O discurso do texto poderia se entender como defensor do conservadorismo imperante naquela época de pré-socialismo. Aparenta dar uma espécie de lição aos jovens que viam nessa corrente filosófica uma saída de solução à situação que se estava vivendo. A fábula fecha indiretamente em como poderia ser “inconsequente” a defesa de uma ideia tão radical como aquela.
Isso se pode entender nos conflitos que se levantam do romance quando, o protagonista, se apaixona pela jovem, mas não se permite que a relação aconteça, ou quando finalmente retorna, doente, à casa de seus pais, onde terá fim inútil com toda sua causa.
No programa, Shapiro conclui que sua obra “tem a capacidade de retirar o espectador do estado em que se encontra, dormente e inerte, para colocar sua alma em estado dinâmico”. Não custa nada lembrar que o diretor italiano Eugenio Barba disse: “Não se trata de sermos missionários ou artistas originais, trata-se de sermos realistas. Nosso oficio é a possibilidade de mudar a nós mesmos e, assim, mudar a sociedade. Não é preciso perguntar: o que significa o teatro para o povo? Essa pergunta é demagógica e estéril. Temos que nos perguntar: o que significa o teatro para mim? A resposta, transformada em ação, sem compromissos nem precauções, será a revolução no teatro”.
Esta nova montagem da mundana companhia, insiste com as mesmas fórmulas, como assinatura própria, que vem tendo desde O Idiota (leia a crítica da peça), o espetáculo anterior.
Tomam, mais uma vez, uma novela erudita de um autor russo e tentam convertê-la em dramaturgia teatral dramática. Aí soma-se a desnecessária duração extensa da peça – uma espécie de exultação da resistência dos atores (tudo bem que Pais e Filhos não chega perto das sete horas de O Idiota). Outro rasgo característico é o realismo imperante na encenação.
Algumas interpretações se destacam, não todas pelo virtuosismo, senão pelo fato de propor outra qualidade ao tom forçado, o que o faz inverossímil, que se vê em muitos momentos. Pode-se ver nas interpretações um apelo à declamação pomposa utilizada como sinônimo de “teatro stanislavskiano”, o que mostra que faltou aprofundamento no método, talvez a distancia idiomática do diretor russo não lhe permitiu detectar essa ideia superficial.
Sergio Siviero, o protagonista, é um claro exemplo de falta de fé cênica. Problema grande, porque ele é, em grande medida, quem leva a linha de ação.
Entre os que conseguem uma interpretação diferenciada, capturando por isso a atenção do espectador, estão a indiscutível Luah Guimarães, Sylvia Prado, Fredy Allan e Donizeti Mazonas.
Cibele Forjaz, a encenadora de O Idiota, já tinha encontrado a dificuldade da heterogeneidade interpretativa e decidiram assumi-la como “possibilidade de conjugação, sobreposição de vozes interpretativas à natureza polifônica do romance”, como comenta Lúcia Romano no programa.
Cenário, figurino e iluminação
A cenografia é basicamente um tapete de fios longos brancos e uns bancos de jardim funcionais às varias disposições das cenas. O minimalismo cenográfico reforça por sua vez, também, a intenção do investimento na historia e nas interpretações.
Dialogam muito bem com a cenografia elementos cênicos mínimos, que dão a ideia se a ação acontece no jardim, se é de dia ou noite. Esses códigos também se estabelecem pela trilha sonora, quase imperceptível, mas precisa ao ponto de se ouvir pássaros ou grilos.
Os figurinos são justos, rememoram à época, mas nada neles tampouco tenta desvirtuar a atenção do espectador do foco escolhido. Mantendo-se na austera função simbólica de cada personagem com a utilização de cores neutras, também mantém um principio de limpeza minimalista.
Teatro feito para os próprios artistas
Em conclusão, o espetáculo Pais e Filhos dá a sensação de ser um teatro de atores feito também para artistas, que podem ter a sensibilidade artística para perceber que o maior desafio está em resgatar os elementos tradicionais do teatro clássico burguês hoje. Fazer como se fazia antes.
Quem pensa em um publico mais plural ou mesmo na formação de um potencial publico teatral que não assiste ao teatro, duvidaria na funcionalidade desta peça.
Se já se torna dificultoso se manter atento na sua totalidade, para quem já tem costumes teatrais, imagine quem escolhe esta peça para ir ao teatro pela primeira vez.
O desafio deveria ser em manter o teatro vivo, ou seja, contextualizado e não setorizado, desmistificando o direcionamento elitista das artes. Assim se garantiria não só a democratização da cultura, como uma longa vida ao teatro, que deveria ser o interesse comum de todos que trabalham e acompanham tal arte.
Leia a entrevista do R7 com Adolf Shapiro!
Pais e Filhos
Avaliação: Regular
Quando: Quinta, sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h. 165 min. Até 11/11/2012
Onde: Sesc Pompeia (rua Clélia, 93, Água Branca, São Paulo, SP. Tel.: 0/xx/11/3871-7700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Classificação: 16 anos
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