Marba Goicochea, a musa peruana com sangue de Greta Garbo em terras brasileiras
Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Eduardo Enomoto
A atriz Marba Goicochea é doce. Tem fala calma, seja em castelhano ou em português. Foi eleita Musa do Teatro R7 em outubro, por seu destaque na peça Máquina de Dar Certo, que volta ao cartaz nesta sexta (23), no Teatro Cacilda Becker, em São Paulo.
O que Marba não sabe é que se tornou musa desde o primeiro instante em que pisou num palco, depois de vencer a incontrolável timidez. Não poderia ser diferente.
Marba tem sangue de diva. Vem da mesma linhagem musa sueca do cinema Greta Garbo, cujo nome era Greta Lovisa Gustafsson, tia-avó de sua avó materna, Nilda Gustafsson, que imigrou da Suécia para o Peru, em meados do século 20.
Sabe da importância dessa ascendência. “Para mim, é um orgulho ter Greta Garbo na família. É minha musa, assim como Verónica Pacheco, minha prima que conseguiu superar um atraso mental e se tornar uma grande pintora”.
De sangue feito de mistura forte, Marba guarda mistérios no olhar e na fala. Sua beleza vem daí, mulher a ser decifrada.
Sonho de ser escritoraSeu nome real é Marva, mas por conta da pronúncia dos brasileiros, resolveu aportuguesar para Marba. É o mesmo nome de sua mãe. E seu irmão, Jorge, tem o nome de seu pai. Um costume peruano. Assim, em casa, sempre foi Marbita.
Nasceu no Peru, em Callao, cidade militar nos arredores de Lima. Seu pai é da marinha. A mãe, cardiologista. Desde os oito anos, Marba só queria escrever. Tinha sonho de virar escritora.
Tentava cursos artísticos nas férias, mas sofria com a timidez. Cresceu e resolveu fazer faculdade de cinema e TV. De tanto andar com uma amiga atriz, foi para o Club de Teatro de Lima, mas não praticava. Preferia observar. “Até o último momento, fugi de atuar. Tinha vergonha, por mais que fosse meu sonho. Achava que não dava”.
Aventura no BrasilEnquanto navegava nos rumos da indecisão, o irmão se formou em engenharia mecatrônica e conseguiu emprego no Brasil, onde se apaixonou por uma brasileira e foi viver no interior de Minas. Ao fim da universidade, em 2002, Marba ganhou de presente da mãe a viagem até a pequena Itajubá.
Gostava de comer açaí com leite em pó na praça: “Me encantava”. Se fartou de comida mineira enquanto descobria uma vida de novos sabores e ritmos.
Soube da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Resolveu que tinha de ir. Em pouco tempo, ficou amiga da turma que organizava o evento. “Era a primeira vez que andava sozinha pelo mundo. Gostava de ir à pizzaria e comprar um vinho”.
Teatro na praça RooseveltA três dias de voltar ao Peru, foi ver a peça De Profundis, da Cia. Os Satyros, na então tenebrosa praça Roosevelt que apenas começava a ser agitada pelo teatro do grupo de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez.
“Alguém me apresentou ao Ivam, e ele me ofereceu um estágio”, recorda. Retornou ao Peru, contou a decisão à mãe, que lhe deu todo o apoio necessário. Voltou e alugou apartamento em São Paulo.
Desde então, se misturou à turma do teatro, cursou musicoterapia, fez muitos amigos e também se sentiu muito sozinha.
Em 2005, quando fazia o Núcleo Experimental dos Satyros, conheceu o ator e diretor Roberto Audio, que acreditou em seu talento. “Ele entrou para dirigir o núcleo em 2006, no lugar do Alberto Guzik. Ele me tocou de um modo que não sei explicar”.
Em 2007, foi a grande revelação do espetáculo El Truco, escrito por Audio e que fez temporada marcante no Espaço dos Satyros 2. Fazia Amapola, a passional atriz estrangeira que não conseguia decorar o texto.
“Não tinha ideia de que era engraçada. Sempre fui calma. Nunca fui de falar palavrões. A peça me fez tirar um novo lado. Aprendi que ser ridículo pode ser muito divertido. Então, perdi o medo”, afirma.
Apesar da autoconfiança conquistada, confessa: “Não tem um dia que não fique nervosa antes de subir no palco. Sempre estou com uma coisa na barriga, sabe? Mas depois que começa, vai!”.
Com o convite do diretor Rodolfo García Vázquez para fazer coro na peça Divinas Palavras, precisou se dividir entre as duas montagens. Foi neste frenesi que conheceu o grande amor: o ator Diogo Moura, seu companheiro há cinco anos, com quem mora em um dos prédios da Roosevelt.
Criação da Cia. Bruta de ArteA turma da peça El Truco deu tão certo que virou grupo próprio em 2008: a Cia. Bruta de Arte. A primeira peça foi Cine Belvedere. Em 2012, veio Máquina de Dar Certo.
Nela, além de dançar com sensual ar de mistério, Marba enternece a plateia na cena em que dá a receita de ceviche, prato típico do Peru, em seu idioma natal.
“É um modo de voltar às minhas raízes. Minha mãe e minha avó são minhas rainhas e de meu irmão. Tudo que sou devo a elas”, conclui.
Musa peruana em terras brasileirasMesmo carregando o Peru no peito e no palco, ela confessa que a paixão pelo Brasil cresce a cada dia. “Certa vez, num ensaio, alguém começou a tocar um instrumento. Em poucos segundos, a iniciativa de um contagiou a todos, que se uniram àquele som. É esse tipo de espontaneidade que me faz amar o Brasil”.
Sobre o sotaque, diz que aprendeu a aceitá-lo. “Há pessoas que têm facilidade de perder. Eu não tenho; me esforço, fiz até fonoaudiologia. O sotaque por um lado me diferencia, mas por outro me limita”.
Resolveu que sofrer não adianta. “Eu tive a sorte de achar um grupo que me respeita e que sabe se encontrar nas diferenças de cada um. É claro que às vezes gostaria de poder também falar como uma brasileira… Mas não se pode ter tudo na vida. Esta sou eu. Não sou perfeita.”
E quem disse que precisa ser?
Máquina de Dar Certo
Avaliação: Ótimo
Quando: Sexta e sábado, 21h, domingo, 19h. 70 min. Até 16/12/2012
Onde: Teatro Cacilda Becker (rua Tito, 295, Lapa, São Paulo, tel. 0/xx/11 3864-4513)
Quanto: R$ 10
Classificação: 10 anos
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