Entrevista de Quinta – Rodrigo Audi, ator
Por Miguel Arcanjo Prado
O ator Rodrigo Audi tem fala pausada, tranquila. Gosta de pensar antes de falar.
Paulistano nascido no Belenzinho e criado na Mooca – ainda conserva uma suave presença do típico sotaque da região paulistana –, ele se prepara para estrear a peça Amor de Mãe, do autor paraense Elzemann Neves, ao lado da atriz Lulu Pavarin, com direção de Eric Lenate.
A primeira sessão será no dia 10 de janeiro de 2013, no Sesc Consolação. Vão ficar um mês em cartaz, às quintas e sextas, às 21h.
Em um bate-papo sincero em um café na avenida Paulista, próximo à sua casa – ele mora na rua Frei Caneca –, Audi falou, nesta Entrevista de Quinta, sobre sua vida e sua carreira, na qual trabalhou nove anos diretamente com Antunes Filho, um dos maiores diretores do teatro nacional. No último ano, foi ser assistente de direção do mineiro Gabriel Villela na peça Macbeth, que tinha Marcello Antony no elenco.
Sem deslumbre algum com os mitos, Audi revelou para a gente o que passa em sua cabeça.
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Por que você gosta de teatro?
Rodrigo Audi – Acho que tem a ver com o fato de o ator não ser um ser muito normal. Todo mundo é multifacetado, mas o ator precisa dar vasão a isso. Ser versões dele mesmo. Ninguém é uma coisa só. Os personagens acabam se tornando um instrumento de autoconhecimento.
Miguel Arcanjo Prado – O ator é uma pessoa que não dá conta de ser uma só?
Rodrigo Audi – Tem aquela história de que somos uma legião. A sociedade promove a cobrança de definição. Quem é você? Ah, eu sou tímido ou extrovertido… Eu passo por todos esses lugares por toda a minha vida. Com o personagem eu consigo responder de maneiras diferentes à vida.
Miguel Arcanjo Prado – Vamos falar do começo da sua história. Onde você nasceu?
Rodrigo Audi – Nasci Belenzinho e cresci na Mooca. Estou com 35 anos. Vou fazer 36 em janeiro.
Miguel Arcanjo Prado – Está numa idade boa.
Rodrigo Audi – Estou na melhor idade. Meu personagem nasce aos 30 anos e eu também nasci aos 30 anos. Foi quando minha vida começou de fato. Não sei se serviria para todo mundo, mas, quando fiz 30, eu aterrei, senti meus pés tocarem no chão pela primeira vez. A sensação de tomar as rédeas da vida vem aos 30.
Miguel Arcanjo Prado – Eu também tenho 30.
Rodrigo Audi – Não é um choque? Eu não troco isso por nada. Mas o tempo está correndo, né, cara?
Miguel Arcanjo Prado – Daqui a pouco estamos velhinhos que nem o Antunes Filho [risos]… Mas, antes disso, vamos voltar para entrevista [risos]: quem são seus pais?
Rodrigo Audi – Meu pai, Péricles Audi, é médico, e minha mãe, Sandra, foi professora de português e inglês, mas depois ficou cuidando da gente. Somos três filhos. Adriano, o mais velho, eu, do meio, e o Leandro, que nasceu um ano após de mim. Então minha mãe ficou com dois bebês e foi forçada a adotar a vida de dona de casa.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi sua infância?
Rodrigo Audi – Minha infância foi nos anos 80. É uma bênção. Era Mooca, né. Italianada e portuguesada. Vivia num prédio que tinha umas 50 crianças.
Miguel Arcanjo Prado – Você era bonzinho ou capeta?
Rodrigo Audi – Capeta. Mas no colégio era muito tímido, porque não era muito afim da galera. Já no meu prédio eu era bem capeta. Eu vivi muito os dois lados. Se bobear eu sou um louco e não sei.
Miguel Arcanjo Prado – Eu também me faço essa mesma pergunta… É melhor deixar pra lá! Mas me conta, para mim, que sou primogênito: como é ser filho do meio? Deve ser meio estranho, né?
Rodrigo Audi – Para mim, foi tranquilo. Acho que rolou preferência do meu pai pelo mais velho e da minha mãe pelo mais novo. Mas acho que nunca sofri com isso porque nunca deixei de ter carinho também. Como sou aquariano, nunca gostei de ter gente grudando em mim. Então, ser do meio foi uma forma legal de ter a liberdade de cuidar da minha vida…
Miguel Arcanjo Prado – Qual lembrança boa você tem da sua infância?
Rodrigo Audi – Meu pai me trazia livros e me levava também para ver os filmes da Disney e da Mônica num cinema de bairro bem velho. Também foi na infância que percebi o ofício do ator, vendo novela na TV. Achava fascinante. Naquela época tinha novelas bem ricas… Aos 13 anos, quase fiz um curso de teatro, mas meus pais não gostaram da ideia. Fui voltar só com 19, 20 anos.
Miguel Arcanjo Prado – E o que fez na faculdade?
Rodrigo Audi – Eu desenhava muito bem desde pequeno. Então, fiz vestibular para arquitetura na Faculdade de Belas Artes de São Paulo, onde me formei em 1999. Paralelamente, comecei a me envolver com teatro. Fiz a primeira peça, Anchieta, com direção da Denise Del Vecchio e que tinha a Maria Fernanda Cândido no elenco.
Miguel Arcanjo Prado – Já vinha da infância essa coisa de atuar?
Rodrigo Audi – Eu era o cara que inventava as brincadeiras. Uma vez inventei que iríamos fazer uma viagem pelo espaço! Pegamos todas as madeiras do prédio para montar um foguete. Outra vez, fingi que perdi a memória por um mês inteiro! [risos]
Miguel Arcanjo Prado – Aí a arquitetura não deu conta…
Rodrigo Audi – Percebi que a parte de devaneio artístico não era o dia a dia do arquiteto. Uma professora disse que seria muito tolhido na vida profissional. Nesse sentido, percebi que não seria feliz como arquiteto. Acho que entrei muito cedo na faculdade…
Miguel Arcanjo Prado – Você entrou em crise?
Rodrigo Audi – Não cheguei a entrar em crise. Paralelamente, fui fazendo teatro e me afastando da arquitetura. O teatro e a publicidade foram me puxando. Fiquei uns dois anos fazendo publicidade como ator e depois entrei no CPT. Aí tudo mudou. Foi em 2002.
Miguel Arcanjo Prado – O Antunes Filho surgiu na sua vida…
Rodrigo Audi – Entrei muito ingênuo. Tinha uns 25, 26 anos. Não tinha noção da dificuldade, da concorrência. Claro que eu conhecia ele da lenda e quando vi estava lá. Ele estava ensaiando O Canto de Gregório. Chegou a me colocar, mas depois disse que me achava muito novo. Aí, saí e fiz uma peça com a Bete Coelho, Um Número. Depois, o Emerson Danesi me comentou que o Antunes estava abrindo as sessões de filme para gente de fora, e ele estava precisando de gente para A Pedra do Reino. Fui e me chamaram, porque estavam precisando de gente com pegada de humor. Depois, ele me chamou para ficar no escritório com ele e o Emerson. Eu pensei: “caramba, eu quero atuar”. Fiquei com medo de dar certo nos bastidores e não pisar mais no palco. Mas aí eu consegui caminhar bem com as duas coisas e fui me apaixonando.
Miguel Arcanjo Prado – E como era?
Rodrigo Audi – O Antunes me dava uma liberdade muito grande, fora a convivência diária com ele, tomar café junto. Teve todos os sentimentos: amor, ódio, brigas. Passei muitos momentos importantes da vida lá e tudo se misturou. Penso que foi mais rico eu estar lá com ele no escritório do que só atuando. Tive acesso a coisas que quase ninguém tinha. Fiquei nove anos ao todo.
Miguel Arcanjo Prado – É um casamento. E qual Antunes você descobriu? Era diferente do mito?
Rodrigo Audi – Completamente. Nem penso nisso de mito. Claro que sei que ele é. Mas, para mim, é um grande amigo. Um moleque como eu. Passamos tardes dando sustos na galera, parceiros de palhaçadas. Desmistificou mesmo. Ele é muito inteligente, esperto, bem-humorado.
Miguel Arcanjo Prado – Mas tem gente que morre de medo do Antunes…
Rodrigo Audi – A galera tem muito medo dele. Sei que tem esse personagem. Eu brinco que, se ele realmente estivesse berrando e gritando sentindo aquilo, a saúde dele não aguentaria. Claro que ele brinca com o mito da lenda do bravo. O que eu vi mesmo é um cara diferente desse mito. Nesse meio tempo no escritório, fiz também Senhora dos Afogados.
Miguel Arcanjo Prado – Você esteve na época em que o Lee Taylor era o grande ator do CPT. Parecia que o CPT era o Antunes, o Lee e o resto. Como vocês conviviam com isso?
Rodrigo Audi – [Pensativo] É um formato que diretores antigos trabalham. Eu, particularmente, não acho que seja a maneira mais saudável hoje em dia. Mas era a maneira como ele trabalhava, e a gente se adequava a isso. Muita gente, claro, se incomodava, mas o Lee é um cara muito legal, muito CDF, esforçado. Então, não via ninguém lá dentro que pudesse assumir esse lugar a não ser ele. Eu mesmo passei pelo personagem Quaderna [que mais tarde foi interpretado por Lee] por três semanas e realmente era uma sensação insuportável. Eu não estava preparado. Dentro daquele formato, o Lee se encaixou completamente. A gente é muito amigo. Como tenho outros amigos que fiz nessa época, como o Eric Lenate e o Marcelo Villas Boas.
Miguel Arcanjo Prado – Esses dois últimos estão na peça No Coração do Mundo. E o Eric está ótimo.
Rodrigo Audi – Ele é um grande ator. Eu brinco com ele, quando ele me dirige, e falo para ele fazer o personagem. Porque ele é bem melhor. Ele dá risada.
Miguel Arcanjo Prado – Ele só não atende ao telefone. Porque estou numa novela para entrevistá-lo. Mas vamos ao que interessa: por que você saiu do CPT?
Rodrigo Audi – Estava chegando num momento em que estava batendo muito de frente com o Antunes, me indispondo muito. A gente ficava muito próximo. Mas foi muito legal isso também, porque pude exercer a minha sinceridade com ele, e hoje ele me respeita por causa disso.
Miguel Arcanjo Prado – O mito precisa de alguém que trate ele como gente, porque senão você morre vivo.
Rodrigo Audi – Acho que essas pessoas, de uma certa maneira, se cercam de gente que os trate como mito, mas também precisam de gente sincera, que não bajula, que esteja num outro lugar. E o Antunes tem essas pessoas e eu era uma delas. O Emerson Danesi fala que eu briguei com Antunes filho e ele não me demitiu. Isso é porque ele gosta muito de mim.
Miguel Arcanjo Prado – E por que você saiu?
Rodrigo Audi – Por mais que eu amasse, houve um desgaste, um cansaço. Precisava de respiro, de outras coisas. Eu já caí de cara em um lugar top para o teatro brasileiro. Então, acho legal e saudável fazer um novo caminho. Fui fazer o Jaguar Cibernético e depois surgiu o Gabriel Villela. Eu falei com o Antunes com muito carinho e respeito. E acho que foi aí que a gente percebeu quanto de amor existia. A gente ainda é muito amigo. Sempre vou lá no CPT.
Miguel Arcanjo Prado – Aí você foi trabalhar com o Gabriel Villela, meu conterrâneo?
Rodrigo Audi – Ele é outro grande encenador. Eu gosto de estar perto dessas pessoas. Fui fazer assistência de direção de Macbeth. Sou apaixonado pela estética do Gabriel Vilella. Eu, quando convivo, procuro acessar aquilo que eu acho que é mais humano das pessoas. E o Gabriel é uma figura muito generosa. Ele é muito respeitoso. Sempre me apresentava como diretor também em uma roda. Levou a gente para o interior de Minas, ao sítio dele, o berço dele. Ele tem personalidade forte, é exigente, mas a gente tem de aprender a lidar com isso.
Miguel Arcanjo Prado – O Gabriel Villela levou o César Augusto e você do CPT. O Antunes Filho não ficou com ódio dele [risos]?
Rodrigo Audi – Pergunta para ele [risos].
Miguel Arcanjo Prado – Como você foi parar no Jaguar Cibernético?
Rodrigo Audi – Eu fiquei sabendo que o Francisco Carlos iria fazer. Acho ele um grande artísta. Bem sensível e genial. Pedi para uma amiga apresentá-lo e falei que queria trabalhar. Ele me recebeu muito bem. Foi ótimo.
Miguel Arcanjo Prado – E agora você volta aos palcos em Amor de Mãe…
Rodrigo Audi – Estou muito tranquilo. É um momento muito especial para mim e a Lulu Pavarin. Foi uma conquista. Estou lidando de uma maneira muito calma, sem criar expectativa.
Miguel Arcanjo Prado – Aonde você quer chegar?
Rodrigo Audi – Eu quero poder produzir minhas coisas. Mas vamos caminhando, degrau a degrau. O caminho está bonito. Eu tive muita sorte e gratidão de ter passado pelo Antunes Filho e o Gabriel Villela. Sei da responsabilidade grande que é isso. Quero continuar a poder trabalhar com gente de qualidade. Tenho vontade de fazer TV, mas sem deslumbre. Tem autores e diretores que admiro, como o Luiz Fernando Carvalho, o Gilberto Braga, o Silvio de Abreu e o Manoel Carlos. E o cinema, eu estou apaixonado. É fruto do CPT. Porque o Antunes é apaixonado por cinema.
Miguel Arcanjo Prado – Você namora?
Rodrigo Audi – Agora não dá para namorar. Não dá.
Miguel Arcanjo Prado – Olha que para o amor, quando é de verdade, sempre se tem espaço.
Rodrigo Audi – É verdade… Quando chega a gente acaba abrindo espaço… Quem sabe, depois da estreia, em janeiro, eu me abro para isso?
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