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Coluna do Miguel Arcanjo nº 186: Niemeyer e eu

Desenho de Oscar Niemeyer para a Igrejinha da Pampulha, construída nos anos 40 em Belo Horizonte: “Conseguia intuir de alguma forma que Niemeyer havia conseguido sintetizar no concreto aquilo que eu era”

Por Miguel Arcanjo Prado*

Sou filho da cidade que serviu de laboratório para as curvas sensuais da arquitetura revolucionária de Oscar Niemeyer, que nos deixou pouco antes de completar 105 anos.

Em Belo Horizonte, onde construiu a Pampulha na década de 40, a pedido do então prefeito Juscelino Kubitscheck, o mestre sempre foi reverenciado como um inconfidente. Digno de destaque tal qual um Tiradentes no ensino escolar.

Pequeno, aprendi a admirar as obras do nosso grande arquiteto. Meu primeiro contato consciente com sua arte foi por meio das curvas da Igreja de São Francisco de Assis, que nós belo-horizontinos chamamos, carinhosamente, de Igrejinha da Pampulha.

Tinha oito anos e foi Tia Eliana, minha professora na segunda série primária, quem a apresentou. Contou sua história, mostrou suas curvas e disse que ela foi embrionária de tudo o que viria depois, sobretudo Brasília.

Lembro-me que ao chegar em casa, após essa aula, passei horas a fio, na mesa da cozinha, tentando reproduzir os contornos suaves da igreja, tamanho o impacto que ela causou em mim. Mesmo com a inocência de uma criança, conseguia intuir de alguma forma que Niemeyer havia conseguido sintetizar no concreto aquilo que eu era.

Meu estado de encantamento foi tão grande que passei boa parte da infância desenhando a Igrejinha da Pampulha. Cadernos, agendas, rascunhos e pedaços de papel a abrigaram de forma generosa. Durante um tempo, mais para frente, até cheguei a pensar que poderia ser arquiteto, não fosse o talento ainda mais concreto para o jornalismo.

No dia em que Oscar Niemeyer morreu eu fiquei triste. Porque o sentia alguém muito próximo a mim. Um amigo querido de infância. Alguém que traduziu minha mineiridade barroca em curvas suaves como as das montanhas da minha terra.

Corri para a janela de casa e olhei para o Memorial da América Latina. Coincidência do destino, quis Deus que morasse de frente às construções projetadas por ele num sentimento tão lindo de integração latino-americana. Percebi que Niemeyer me ensinou que a liberdade tem forma. E ela é solta, livre, suave e cheia de sensualidade. Tal qual a gente que, em meio a um mundo tão conturbado, luta diariamente para encontrar beleza nesta vida. Obrigado, Niemeyer.

*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e ainda gosta de desenhar.

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