O encontro de Sophie Calle e Bas Jan Arder; o encontro do artista com o material
Por Thadeo Ibarra*
Especial para o Atores & Bastidores
A performance tem aberto uma perspectiva muito interessante nas artes cênicas. O teatro tem bebido de suas influências e cada vez mais vemos peças que nos tiram o fôlego, surpreendendo pela sua estrutura e relação com o público.
Em uma reflexão de começo de ano, pensando em falar sobre como os artistas lidam com o material sensível e a inspiração, lembrei de duas figuras que propõem, com sua vida e obra, um mergulho vertical.
Nutro uma paixão especial por uma performer francesa chamada Sophie Calle. Sophie tem um trabalho consolidado e uma biografia interessante. Esteve em São Paulo em 2009, no Sesc Pompeia, com a exposição Cuide de Você, que consistia em apresentar 107 interpretações femininas de um e-mail que recebeu de término de relacionamento.
Dentre as intérpretes podemos encontrar mulheres de diversas profissões: há juíza, psicanalista, jornalista, policial, atrizes, bailarinas, performers, e até uma papagaio-fêmea. Todas dando sua contribuição: interpretando e respondendo por ela. Nomes como Jeanne Moreau, Laurie Anderson, Miranda Richardson, Yolande Moreau, Peaches e Miss Kittin têm sua contribuição registrada em vídeo.
Nesse projeto, a performer assume uma função articuladora, disponibiliza a sua intimidade publicamente e coleta o que surge do encontro de outras mulheres com seu e-mail de término. Resultado: um vasto material sensível levantado e uma sensação de que as dores individuais também podem adquirir uma dimensão coletiva, em outras palavras – não são tão individuais assim.
Não há quem não tenha passado pelo fim de um relacionamento. A dor de Sophie termina por transcender o âmbito da perfomer e, inclusive, das 107 mulheres que tem seu “depoimento sensível” recolhido; ela nos atinge a todos. A intimidade de Sophie se torna universal.
Ao receber o e-mail de término, Sophie não sabia como respondê-lo, isso moveu seu processo criativo. Não é que ela não se interessasse, internamente, em dar conta da resposta, mas procurou externamente soluções para fazer isso, transformou a dor em arte.
Sophie nos mostra que o “dar conta” pode levar o próprio processo artístico, que o “dar conta” merece ter uma dimensão externa e que, mesmo assim, o e-mail recebido pode ficar sem resposta, afinal, responder nem sempre é o mais importante. Em arte, não “dar conta” também pode interessar.
2012 foi um ano bacana, recebemos a Bienal de São Paulo e, com ela, a visita da obra de ninguém menos que Bas Jan Arder.
Na sala escura que abrigavam as obras do performer, encontrávamos um corpo simplesmente em queda de um telhado, de uma árvore. Um corpo que oscila ao vento como as plantas. O momento que antecede o choro. Tudo alí nos lembrava a finitude da vida, o risco e a iminência.
Não se assuste com a informação, mas ele desapareceu no Atlântico em 1975 quando tentava atravessá-lo em um pequeno barco, o nome da performance era In Search of The Miraculous.
Bas Jan Arder e Sophie Calle me fazem pensar na timidez (para não dizer preguiça) que mergulhamos nos materiais artísticos, suas obras e biografias são um belo tapa na cara.
Não que seja necessário desaparecer no meio do oceano para fazer uma peça de teatro, mas se o Material for o Atlântico, por que não?
*Thadeo Ibarra é ator.
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