Crítica: Em Hamlet, The Wooster Group transforma fantasmas em fardo pesado para o público carregar
Por Miguel Arcanjo Prado
Hamlet é um dos textos mais encenados e conhecidos do dramaturgo inglês William Shakespeare. E costuma ser também o sonho de grande parte dos atores levá-lo ao palco. É algo tão comum que virou uma espécie de lugar-comum teatral.
E esta ironia casa com a proposta de Hamlet do norte-americano The Wooster Group, expoente do teatro experimental dirigido por Elizabeth LeCompte, que detesta dar definições teóricas para o trabalho que faz.
Eles resolveram não fazer uma nova montagem do texto clássico, mas reproduzir no palco uma outra já feita em Nova York em 1964 e filmada pelo cineasta Richard Burton.
A montagem do Wooster faz ressuscitar a encenação do passado, como se abrisse as portas do mundo dos mortos e libertasse os fantasmas no palco – alguns personagens exibidos no vídeo até aparecem e desparecem, numa intromissão da trupe na fita original. É notável o talento do protagonista, o ator Scott Shepherd, que dá brilho extra à obra com sua ironia e segurança no palco.
Tal tentativa de recriar um tempo que já se foi contrasta com o farto uso de moderníssima parafernália tecnológica, que faz lembrar o recente teatro feito pelo grupo paulistano Os Satyros. LeCompte e seus meninos abusam da desconstrução ao recriarem algo já feito.
Na sessão vista pelo R7 boa parte da plateia interessada pelo trabalho do Wooster era composta por estudantes de teatro. Não é de se espantar. Afinal, a montagem parece um exercício para os coleguinhas artistas verem do que para um público mais amplo.
Ao tentar recriar uma peça a partir de um registro audiovisual (a peça original é exibida em um telão ao fundo no palco e em diversos monitores para que os atores consiga fazer uma reprodução fiel, utilizando fones de ouvidos com o áudio original), o grupo norte-americano nada mais faz do que uma proposta soberba, uma espécie de masturbação cênica.
Há a premissa louvável de recuperar a vivacidade do teatro que foi tirada ao ser transmitido para um registro cinematográfico – a gravação original, feita com 17 câmeras, chegou a ser transmitida na época para mais de 2.000 cinemas norte-americanos diretamente da Broadway. Em vez do “filme-teatro” dos anos 60, tem-se o “teatro-filme” do século 21.
Contudo, por mais ironia que possa existir na forma como o espetáculo é apresentado – e ela é explicitada pelo elenco a todo momento –, tudo também soa como uma demonstração (ególatra?) de poder fazer.
Diante disso, boa parte do espectador comum se sente de fora daquela brincadeira. É como se fosse chamado pelo vizinho para ver como ele sabe fazer estripulias com sua bola nova. Sem jamais receber o passe.
Ver Hamlet do Wooster é sentir que a trupe afirma para si mesma que ela é capaz e consegue ser competente em sua criação artística de doses matemáticas. Se tal postura pode ter até algum sentido para quem estuda ou faz teatro, para o público comum que chega ao teatro do Sesc Pompeia soa enfadonha.
No começo, é até interessante ver os atores do Wooster Group tentando reproduzir as marcações dos fantasmas da Broadway de quase 50 anos atrás. É fato que têm técnica primorosa e é evidente ensaio exaustivo. Tudo isso é louvável.
Mas, com o passar das duas horas e meia da montagem, todo esse frenesi cênico-matemático-tecnológico acaba virando um pesado e fatigante fardo.
Hamlet – The Wooster Group
Avaliação: Regular
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todo ator gosta de virar hamlet, isso nao é novidade. mas é fato que o wagner moura se achou. outro dia disse no jornal que depois de hamlet nao ve outro personagem à sua altura. pode? sobre essa montagem, eu nao vi, mas nao acho que deva ter sido bom atores tentando imitar um filme. so de pensar me dá uma preguiiiica!
Metalinguagem é o que há.