Ator se chicoteia em peça do Festival de Curitiba e dispara: “Faço teatro para sofrer e ser feliz”
Por Miguel Arcanjo Prado*
Enviado especial do R7 ao Festival de Curitiba
Fotos de Daniel Isolani/Clix
O público que foi ver a peça Wunderbar, do grupo O Estábulo de Luxo, no Festival de Curitiba, ficou com uma cena na cabeça: aquela em que o ator Stéfano Belo se chicoteia sem dó alguma, até provocar hematomas reais em seu braço.
Tudo é feito em nome da arte, é claro. A cena causou frisson no TUC (Teatro Universitário de Curitiba) e colocou a entrega desmedida do talentoso intérprete como uma das mais contundentes do festival. Virou personalidade do Fringe, a mostra paralela do evento.
Tal fama o faz sonhar em apresentar a peça no Espaço dos Satyros, reduto do teatro alternativo na praça Roosevelt, no centro paulistano.
Artista cigano
Nascido em São Luiz do Maranhão, ele se considera baiano, já que foi criado em Salvador, onde morou dos dois aos 16 anos, quando se mudou para Curitiba. “Coloca que eu sou um artista cigano”, ordena à reportagem.
Na capital paranaense se entrou de corpo e alma ao teatro. Fez aulas com Ivam Cabral na época em que o grupo hoje paulistano Os Satyros tinha sede no Paraná. Sobre o processo de Wunderbar, diz que foi “corporal, físico e energético”.
Postura de diva
Já quando questionado sobre o gato que ele interpreta, que chega a ronronar nas pernas do público, diz que tudo foi vindo espontaneamente nos ensaios com o diretor Ricardo Nolasco.
– Assumi uma postura de diva no processo. Eu sou um provocador. E ser isso dói quase sempre. Muitas vezes, quem provoca se torna vilão.
Dublagem e chicote vagabundo
Outra cena em que Stéfano se destaca é quando faz uma dublagem perfeita.
Ele conta que sua mãe foi ver a adorou. E diz que dublar é um passatempo que vem de longo tempo. E a familiaridade com o inglês vem de ter sido professor do idioma. Conta que quando está no palco não teme nada. Ele sofre e é feliz sendo artista.
– O teatro tem esta coisa de você ser amado em cena e depois ninguém liga para você. Isso tem a ver com o sadomasoquismo. Daí surgiu a ideia de me chicotear.
Sabedor do impacto que sua figura provoca em cena, diz que “acredita na linguagem da performance como elemento transformador”.
– É preciso colocar em cena corpos de padrões diferentes. Isso também é uma forma de provocar.
Ele revela que, no primeiro dia da peça, o “chicote vagabundo de seis reais” que compraram para sua cena se rompeu logo na primeira chibatada.
Diante do imprevisto, ele precisou alterar a marcação original e, para manter o impacto da cena, deu violentos tapas no próprio rosto.
– Fiquei louco e comecei a me estapear. Doeu muito.
Conta que a densidade da peça mexe muito com ele e que durante o processo teve muitos momentos difíceis, “de pensar no brilho da cena e depois de se ver sozinho diante do espelho do camarim”.
– É algo decadente. Eu nunca termino a peça bem. Mas eu faço teatro porque é um prazer intenso, mas é também muito dolorido. Faço teatro para sofrer e ser feliz. Olha que frase maravilhosa!
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Curitiba.
Veja a cobertura completa do R7 do Festival de Curitiba
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Desculpe-me mas, embora reconheça a dedicação do ator, acho o sofrimento desnecessário. Ficar marcado com chicotadas? O que é isso? Definitivamente não! Isso é autolesão. É preferível que o ator faça uma cena com uma fala profundamente autodepreciativa a se chicotear, pois depois que acaba a peça, ele se livra das palavras depreciativas que ele falou enquanto encarnava o personagem.