Crítica: Maravilhoso maltrata imagem do Rio de Janeiro com personagens caricatos
Por Miguel Arcanjo Prado*
Enviado especial do R7 ao Festival de Curitiba
Foto de Emi Hoshi/Clix
Em 2012, o Teatro Inominável do Rio de Janeiro causou frisson na crítica teatral brasileira ao apresentar o espetáculo Sinfonia Sonho na mostra Fringe do Festival de Curitiba, com dramaturgia e direção do jovem Diogo Liberano.
A boa impressão foi tamanha que Liberano voltou em 2013 dentro da mostra oficial do maior evento das artes cênicas brasileiras, com um espetáculo de título ambicioso: Maravilhoso.
Com dramaturgia de Liberano e direção de Inez Viana, a montagem tenta ser uma espécie de antítese do Rio que é vendido nos comerciais e novelas da Globo.
Tal qual o cinema já fez com êxito, em longas como Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, Liberano expõe as mazelas de sua cidade de forma crua e, muitas vezes, ressentida.
O Rio que ele apresenta é turvo, soturno e mergulhado em corrupção. Um lugar praticamente impossível de se viver – daí a morte ser sempre algo à espreita – e bem diferente da alcunha de Cidade Maravilhosa.
Condizente com a proposta do texto, Luiz Henrique Sá criou um cenário frio e metálico, cheio de estruturas vazias. Assim, os bem cortados figurinos de Flávio de Souza ajudam a preencher de viço o palco, apesar da forte predominância do cinza, e a luz de Paulo César Medeiros inebria a tragédia na medida certa.
O enredo é uma tragédia que gira em torno de uma escola de samba às vésperas do Carnaval – nada mais carioca, basta lembrar-se de Orfeu Negro, de Tom e Vinicius.
Apesar da postura crítica em relação ao reducionismo que a propaganda faz do Rio, o espetáculo incorre no erro de transformar em caricaturas a maioria dos cinco personagens no palco: o inescrupuloso bicheiro gay que preside a escola (Marcio Machado), o amante “hétero” e capacho deste (Paulo Verlings), que larga a mulher religiosa (Carolina Pismel) pelo dinheiro do patrão. Ainda tem o jornalista Miguel, sempre com bloquinho e gravador a mãos e que sonha em denunciar a teia de corrupção (Felipe Abib) em seu jornal. Para completar, o repórter é ex-marido da rica fútil (Debora Lamm), filha de pai corrupto e que só quer usar sua influência e fortuna para ser destaque no mais imponente carro alegórico da escola.
Há momentos tensos e outros divertidos. A plateia, sempre necessitada de rir, chega a gargalhar em muitos deles, sobretudo naqueles que parecem extraídos do humorístico Zorra Total, protagonizados pelo bicheiro gay.
O elenco é irregular e faltou à direção pulso para conduzi-los a uma unidade harmoniosa. Enquanto Debora Lamm usa com dosagem precisa a veia cômica que tem, Marcio Machado constrói seu personagem gay pelo pior caminho: o do excesso de caricatura. O extremo é tamanho que expõe o ator e tira qualquer credibilidade de seu personagem, apesar de garantir a gargalhada na plateia mediana.
Paulo Verlings, por sua vez, vai bem como o protagonista comprado pelo dinheiro sujo, sabendo dosar seus rompantes de raiva com os momentos de introspecção. É quem mais se destaca. Percebe-se no ator real tentativa de construção inteligente de seu personagem. Ajuda o fato de seu personagem ser o melhor, o único com comportamento mais próximo do humano, onde reside o bem e o mal.
O jornalista aguerrido de Felipe Abib vai no que o texto pede – um personagem correto que sirva para mocinho da história. Carolina Pismel também faz a sofredora mocinha, que perde tudo para o mal até encontrar o grande amor no fim. Para estes dois, não há muito o que fazer a não ser seguir o script.
Há o acerto e a coragem na provocação que é bater nas estruturas de uma cidade que todos dizem continuar linda, mas Diogo Liberano escorrega em soluções fáceis. O jovem dramaturgo caiu na tentação de recorrer a fórmulas já vistas para resolver os problemas de seus personagens. O didatismo na reta final do espetáculo, por exemplo, menospreza a inteligência da plateia, quando se explica várias vezes por que o carro alegórico pegou fogo no meio do desfile. E a última cena parece saída do céu da novela A Viagem.
Apesar dos pesares, Maravilhoso cumpre ao que veio: cutucar a ferida de uma cidade que vende para o mundo um ideário eterno de felicidade, mesmo que por trás das fantasias coloridas haja lágrimas e sangue escorrendo. Mas, assim como a cidade onde se ambienta, Maravilhoso não é aquilo que se pinta.
Maravilhoso
Avaliação: Regular
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Curitiba.
Curta nossa página no Facebook!
Veja a cobertura completa do R7 do Festival de Curitiba
Leia também:
Fique por dentro do que rola no mundo teatral
Descubra tudo o que as misses aprontam
Tudo que você quer ler está em um só lugar. Veja só!
Citando o seu próprio texto: “Ainda tem o jornalista Miguel, sempre com bloquinho e gravador a mãos e que sonha em denunciar a teia de corrupção (Felipe Abib) em seu jornal”. Esse Miguel se parece com você. Será que você foi inspiração para esse personagem ou mera coincidência do personagem ser Miguel e possuir essas características?