Entrevista de Quinta – “Antunes Filho continua meu mestre”, diz Lee Taylor após saída do CPT
Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Eduardo Enomoto
Após quase uma década trabalhando diretamente com o diretor Antunes Filho, no Centro de Pesquisa Teatral, o CPT do Sesc Consolação, em São Paulo, o ator goiano Lee Taylor resolveu que era chegada a hora de seguir seu próprio caminho.
Logo após o anúncio de sua saída do CPT, notícia que causou burburinho nos meios teatrais, Lee assumiu a coordenação do NAC, o Núcleo de Artes Cênicas do Centro da Cultura Judaica, inaugurado no mês passado.
Foi lá que ele se encontrou com Atores & Bastidores do R7 para esta Entrevista de Quinta.
Com a fala calma que lhe é característica, Lee esclareceu a polêmica sobre sua saída do CPT, onde fez história como protagonista das peças A Pedra do Reino (2006), Senhora dos Afogados (2008) e Policarpo Quaresma (2010), entre outras. Ele ainda contou como ficou a relação com Antunes, revelou os trabalhos no cinema e declarou com qual diretor pretende trabalhar.
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Por que você resolveu sair do CPT?
Lee Taylor – Exclusivamente por uma questão financeira.
Como surgiu o convite para fazer o NAC?
Surgiu algumas semanas após a minha saída do CPT. Em um jantar informal a diretora executiva do Centro da Cultura Judaica, Yael Steiner, ao saber da minha saída, perguntou se eu teria interesse em enviar um projeto de artes cênicas para a instituição. Fiz o projeto do NAC, alguns dias depois ela aprovou sem nenhuma restrição. A Yael é a maior entusiasta do projeto, sempre aberta a novas propostas, procurando atender às nossas necessidades com muita disposição.
Qual linha você vai adotar como coordenador do projeto?
A linha da emancipação do indivíduo e consequentemente do artista, que procurará se lapidar nas experiências propostas no decorrer do curso. Vou colocar em prática a pesquisa que tenho realizado a respeito da arte do ator e de uma pedagogia para o ator.
Como é a abordagem?
É uma abordagem que buscará dar consciência ao sujeito, potencializando suas virtudes e não procurando formatá-lo em uma ou outra técnica de ator. O objetivo é dar condições para que o indivíduo alcance meios para desenvolver a sua própria técnica, pois entendo que quanto mais singular for sua poética, mais legítima ela será. Portanto, o curso terá uma abordagem múltipla que buscará diálogos individuais, sempre na tentativa de compartilhar experiências por meio de reflexões e práticas ligadas às necessidades artísticas de cada um. Com o tempo, as individualidades se articularão como grupo.
Você terá liberdade artística no NAC?
Na minha visão liberdade e artístico são uma coisa só. Não acredito em nada que se diga artístico sem a premissa da liberdade.
Como Antunes Filho reagiu à sua saída do CPT?
Tivemos uma boa conversa. Apesar de não ser da vontade de ambos, ele entendeu o motivo. Nos falamos praticamente todos os dias. Eu ainda estou dando de duas a três aulas por semana no CPT.
Você acha que já era hora de dar os passos com suas próprias pernas e abandonar o mestre? Como foi este momento na sua cabeça?
Eu não o abandonei, ele continua e continuará sempre sendo meu mestre. Mas a condição de discípulo, no sentido da dependência, é temporária. O verdadeiro mérito do mestre é habilitar o discípulo a fazer o seu próprio caminho. Nesse sentido, depois de quase dez anos de trabalho, penso que esse momento uma hora ou outra iria chegar. Talvez seja a etapa mais importante do aprendizado que se configura nessa relação.
O que você pretende fazer no NAC?
Além do curso semestral gratuito para atores, teremos uma programação mensal também gratuita e em breve a produção de espetáculos profissionais. O curso será dividido em dois módulos. Módulo 1: Formação, três meses com atividades de segunda à quinta, das 18h às 22h. E Módulo 2: Montagem, no qual se produzirá um espetáculo, que visa compartilhar com o público a experiência vivenciada no NAC. Para a programação regular criamos a Mise en scène. São experimentações cênicas que acontecem uma vez por mês nos fins de semana, sempre às 17h30. A cada três meses troca-se a experimentação. Começamos com uma leitura que vai até junho. A partir de julho, a próxima Mise en scène será uma dança com a performer e dançarina de butoh Emilie Sugai. O primeiro espetáculo profissional provavelmente deverá acontecer em 2014.
Você vai trabalhar com parceiros no NAC?
O teatro é uma arte de natureza coletiva, já tenho sido procurado e venho procurando parcerias. Só temos a ganhar com propostas que fortaleçam a coletividade desde que não sejam em detrimento do indivíduo. Venho articulando uma parceria com artistas poloneses que me procuraram e pretendo ter uma relação de proximidade com os grupos latino-americanos, além de obviamente manter diálogos estreitos com os grupos e coletivos de São Paulo.
Você vai ser um coordenador bravo e forte como o Antunes? Qual será seu estilo à frente do núcleo?
Serei como o bambu, que enverga, mas não quebra.
Como está sua carreira acadêmica?
Estou na pós-graduação em Artes Cênicas na ECA/USP. Farei a qualificação de mestrado em breve, tenho mais um ano para apresentar a dissertação. Minha orientadora, Maria Thais, tem sido uma grande aliada nessa árdua tarefa de escrever sobre a pedagogia do Antunes.
Você é um ótimo ator. Vai continuar nos palcos?
Pretendo continuar meu trabalho como ator com a mesma frequência e com o mesmo comprometimento. Acredito que o trabalho de pesquisa acadêmica e a pedagogia teatral são complementares ao meu trabalho como ator.
Você tem vontade de ser dirigido por qual diretor no teatro?
Tenho uma grande admiração pelos trabalhos dirigidos pelo Eric Lenate. Vejo uma enorme potencialidade criativa em suas encenações. Inclusive, ele será o diretor da primeira montagem com os participantes do curso no NAC.
Como vai sua carreira no cinema?
No ano passado fiz dois filmes, Riocorrente do Paulo Sacramento e A Pele do Cordeiro do Paulo Moreli. Fiz também um curta-documentário, sobre o trabalho do ator, com a Cássia Kiss e o Yoshi Oida, direção da Laís Bodanzky. Tenho recebido alguns convites, mas com o mestrado e os trabalhos em teatro não tenho conseguido conciliar.
E TV? Ainda diz não ao veículo?
Não é o meu foco.
Você vai ser o Antunes Filho do futuro?
O Antunes é único.
Curta nossa página no Facebook!
Leia também:
Fique por dentro do que rola no mundo teatral
Esta entrevista está realmente sensacional. As respostas de Lee foram inteligentíssimas. Claramente, ele é um motivo de orgulho para Antunes Filho, a quem dá o devido reconhecimento, ao mesmo tempo que mostra que tem perfeita capacidade de desenvolvimento de um trabalho próprio. Que pessoa talentosa!