Por Miguel Arcanjo Prado
O curitibano Felipe Hirsch resolveu sair da posição confortável de grande diretor de teatro para se arriscar na televisão. Citando referências que vão de Paulo Leminski a Maiakovski, ele é o comandante da primeira série produzida pela MTV Brasil, A Menina sem Qualidades, adaptação feita por ele, Marcelo Backes e Renata Melo para o romance escrito pela alemã Juli Zeh.
O programa, que tem parceria com a produtora Quanta, foi apresentado à imprensa nesta segunda (20) e tem estreia marcada para a próxima segunda-feira (27), às 23h. Os 12 episódios serão exibidos em quatro semanas.
A série não tem medo de tabus. Já no primeiro capítulo, exibe beijo na boca lésbico entre a protagonista e sua namorada. Com cenas de sexo, de violência e de uso de cigarro, álcool e drogas, foi classificada para acima dos 16 anos. Isto evidencia a proposta da MTV em conquistar um público mais adulto.
Apesar de tratar da vida complicada de uma adolescente no ensino médio, a série tem temática que mais parece ser o retrato de uma garota urbana próxima aos 30, tamanha a densidade de sua protagonista, Ana, interpretada com competência por Bianca Comparato.
Com cara de menina, mas com 27 anos, Bianca consegue mesclar com perfeição a fragilidade e a força que sua personagem tem. É uma mulher forte, mas ainda adolescente.
A atriz conta que a cena mais complicada foi na qual sua personagem tira a virgindade de um colega, que acabou ficando de “uma forma atrapalhada mesmo, bem adolescente”.
— A Ana tem muita maturidade. Me preparei a vida inteira para este papel. Tudo foi um grande desafio. Não houve cena “simplesinha”.
Diferentes do mundo
O diretor de programação da MTV, Zico Góes, diz que A Menina sem Qualidades “é uma série para várias idades”.
— Não estamos só com adolescentes. A gente se propõe a fazer uma programação mais abrangente.
O executivo garante que a série com pegada de cinema “se encaixa na estratégia de programação da emissora” que deseja “fazer projetos diferentes do que todo mundo faz”.
A inovação pode permitir à emissora, segundo Góes, vender o projeto a outros canais, sobretudo após a cota de produções nacionais para a TV paga. Apesar da vontade, Góes diz que as MTVs mundo afora, com produções cada vez mais comerciais e focadas na audiência, não estão em sua mira, mas, sim, canais como a rede HBO.
— Não sei se A Menina sem Qualidades cabe na ‘família MTV’.
A diretora da MTV Brasil, Helena Bagnoli, classifica a série como “um conteúdo mais sofisticado do que se encontra na TV aberta”. E afirmou que a emissora pretende continuar trilhando o caminho da teledramaturgia. Segundo a executiva, a MTV vai exibir uma série produzida pela Rio Filmes já no segundo semestre. E não descartou um novo projeto para Hirsch no canal.
— Quem sabe no ano que vem Hirsch não esteja com a gente em outro projeto?
Argentinos na tela
A série também chama a atenção por ter dois atores argentinos entre seus protagonistas. Ambos foram garimpados em filmes que fizeram sucesso no país vizinho: Javier Drolas, de Medianeras, e Inés Efron, de XXY.
Inés conta que aceitou o convite na base da confiança no trabalho de Hirsch, de quem já ouvia falar.
— Foi uma aventura. E fiquei impressionada com o modo de fazer aqui no Brasil, que é muito improvisado.
Drolas afirma que o intercâmbio de atores na série reflete “a situação atual de imigração entre os povos latinos”.
Bianca Comparato também ressalta de forma positiva o trabalho com os hermanos.
— Acho que uma proposta como esta abre mais oportunidades de trabalho entre artistas brasileiros e argentinos. Mais intercâmbio latino-americano. Aprendi muito com meus colegas argentinos, sobretudo a potência da sutileza e do simples.
Gente de teatro
Para fazer A Menina sem Qualidades, a MTV Brasil abriu seleção de elenco que contou com 9.000 inscritos, dos quais 60 fizeram testes com Hirsch e 15 ficaram na produção, compondo o núcleo jovem da série e participações pontuais.
Gente como a talentosa Luna Martinelli, que, apesar da pouca idade, segura o papel de mãe da protagonista. Na sessão para a imprensa e convidados, a aparição da atriz, segura e carismática, como a mãe bêbada que recebe a filha e seu coleguinha em casa, gerou reação positiva na plateia. Martinelli foi indicada a atriz revelação em 2012 pelo R7, por seu trabalho na peça Limpe Todo o Sangue Antes que Manche o Carpete, da Cia. dos Inquietos.
Outro egresso dos palcos é José Sampaio, vindo do grupo teatral Os Satyros, que também se destaca no segundo episódio, como o amigo roqueiro da protagonista. A série ainda tem participações de estrelas do teatro paulistano, como Laerte Késsimos, que já integrou o Satyros e hoje faz parte do Núcleo Experimental, e Marcos Felipe, o protagonista da peça da Cia. Mugunzá Luis Antonio – Gabriela.
Público “noiado”
O diretor Felipe Hirsch afirma que sua série “tem capacidade de gerar paixão” e espera que isso aconteça com seus telespectadores.
Com cenas construídas com poucos planos e tomadas longas, com poéticos planos-sequências, ele sabe que vai na contramão da linguagem frenética da teledramaturgia brasileira atual, contaminada pela velocidade da internet e pela linguagem dos videoclipes difundidos pela própria MTV.
Questionado pelo R7 sobre a proposta visual incomum em tempos atuais, o diretor diz que ser diferente é realmente o objetivo.
— No momento em que todos vão para essa linguagem clipada, criada por ela mesma, a MTV vai para o outro lado. Independentemente do impacto todo da velocidade, temos de ficar atentos em relação ao olhar e à respiração. A gente exige tudo com muita luz, tudo muito frenético, muito “noiado”. Mas, existe outra maneira de se concentrar em algo. E isso tem a ver com apurar nossos sentidos. Tem a ver com o tempo. Com escutar o tempo. Isso é muito importante.
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