Por Miguel Arcanjo Prado
Fotos de Eduardo Enomoto
Esio Magalhães, 39, tem um jeito mineiro, com pitadas amazônicas, o que deixa tudo que ele diz encorpado automaticamente de singeleza e de profundidade.
O ator e palhaço Zabobrim está em cartaz em São Paulo com o espetáculo WWW para Freedom, no CIT-Ecum (veja o serviço ao fim da entrevista), a movimentada sala que tem chamado a atenção na cidade por uma programação de farta qualidade. No monólogo, ele atua e dirige, além de ter escrito o texto com Tiche Vianna.
Esio é nome forte do teatro brasileiro. Nascido em Belo Horizonte, morou em Rondônia, estudou em São Paulo e fincou raízes em Barão Geraldo, distrito de Campinas (SP), onde criou ao lado de Tiche Vianna, sua companheira no teatro e na vida, o Barracão Teatro, trupe que tem 15 anos de história.
Pai do adolescente Miguel, de 16 anos, Ésio esteve na sede do R7 e da Record, na Barra Funda, em São Paulo, para esta Entrevista de Quinta.
Com discurso articulado e inteligente, falou sobre a carreira, a vida, suas posições políticas e afirmou, sem pestanejar: “Quero mudar o mundo”.
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Quer dizer que você é de BH?
Esio Magalhães – Isso mesmo, uai. Nasci em Belo Horizonte, em 17 de janeiro de 1974.
Você é meu conterrâneo.
Sou. Nasci no bairro Nova Floresta. E você?
Eu sou do Jardim Europa, em Venda Nova.
Que bacana. Somos dois mineiros, então. Mas eu saí de BH criança. Fui com minha família para Rondônia, em 1982.
Que interessante! Por quê?
Meu pai queria ser fazendeiro, mas não deu muito certo. Acabou tendo lanchonete em Porto Velho [risos].
Imagino que Rondônia era uma aventura para uma criança…
Meu pai sempre foi aventureiro. Meu avô teve fazenda em Minas. E meu pai quis ir desbravar o Norte. Para mim foi uma delícia. Lembro de uma sensação muito grande de liberdade. Em BH eu tinha uma vida muito regrada. Em Rondônia, não. Tinha o rio Madeira, a floresta, mato, bicho. E um povo caboclo, índio. Morávamos ao lado da Funai [Fundação Nacional do Índio].
Você tem irmãos?
Sim, sou o segundo dos quatro filhos dos meus pais, o Ésio Gomes, que já partiu, e da Vilma Magalhães. Tenho o nome do meu pai e o sobrenome da minha mãe.
Mas você cansou da floresta uma hora…
Pois é. Em 1989 voltei para Belo Horizonte para terminar o ensino médio. Minha irmã mais velha, a Dulce, já estava lá estudando. Aí, passei no vestibular de letras da PUC-Minas e no TU, o Teatro Universitário da UFMG. Acabei fazendo letras um semestre e ficando só no TU, que funcionava na rua Carongola, no bairro Santo Antônio.
Eu sei onde é. Eu fiz oficina de circo lá na adolescência. O TU tem muita história, sobretudo na época da ditadura… Mas você já queria ser ator?
Isso começou lá em Rondônia, na escola, sabe como é. Nas aulas, sempre inventava de fazer teatro. Mas eu gostava muito de matemática também. Meu professor de matemática, o Chicão, me chamava de Giga, porque dizia que eu era baixinho, mas um gigante na matemática. Por pouco, não fui para as ciências exatas.
Eu sempre acho que quem é bom em ciências exatas costuma dar um bom ator [risos]. E você terminou no teatro…
Pois é. Aí, um dia, ainda na escola, em BH, vi uma placa: “Faça teatro”. Resolvi me matricular e fiz o curso do NET [Núcelo de Estudos Teatrais]. Foi aí que tive contato com o humor. Fazia coisa séria e todo mundo ria de mim. Vi que representaria tipos que não eram bem o herói da história, eu era baixinho, careca..
Você já estava carquinha nesta época?
Ainda não. Foi aos 21 que a coisa começou a desandar [risos].
E o que você fez quando viu que não seria o galã?
Percebi que podia falar coisas importantes e pertinentes com a comédia. Saquei que não seria o galã nem o herói. Mas, eu queria estar em um lugar importante, não num papel secundário. E consegui achar o lugar do pequeno no humor. A comédia me trouxe possibilidades.
Foi nessa época que você conheceu a arte do circo?
Foi lá no TU. Um grupo de circo argentino, La Pista 4, veio dar oficina. Eu vi que o caminho do palhaço, pelo qual sempre fui apaixonado, era meu caminho. Descobri que o palhaço me dava uma liberdade muito grande. Entrava em contato com o ridículo e me liberava para construir relações com o outro. Para jogar. Porque a vida é um jogo o tempo todo. É um grande improviso.
E como você veio parar em São Paulo?
Descobri a EAD (Escola de Arte Dramática da USP) em uma pesquisa para o grêmio do TU e resolvi tentar o vestibular. Passei de cara e resolvi largar o TU e me mudar para São Paulo. Cheguei aqui em 1992.
Você foi morar onde?
Eu fui morar no Crusp [moradia estudantil dentro da Cidade Universitária]. Comia do bandejão.
Sei bem o que é comer no bandejão [risos]. Que coisa gostosa essa vida estudantil, né?
É bom demais. Fiquei quatro anos no Crusp. Morei com o Jeferson De, que hoje virou um grande cineasta. Somos amigos até hoje.
Você também é da turma da Georgette Fadel na EAD, né?
Sou, sim. Eu trabalhei com a Georgette, a Cristina Rocha, que hoje está nos Fofos, e com o Manoel Bolsinhas, que está na Cia. São Jorge de Variedades. Começamos a pesquisar o palhaço e montamos o espetáculo Todos os Dentes de Dantes. Viajamos o Rio e Minas com essa peça, fazendo teatro de rua na cara, a coragem e nossos instrumentos musicais.
E você vivia de quê?
Eu dava aulas, fazia bicos, figuração, tudo isso que estudante de teatro faz para sobreviver. Até que começamos a trabalhar para a Prefeitura de São Paulo e a Prefeitura de Diadema. Aí começamos a nos organizar mais. Fazíamos teatro e circo nas escolas e nas periferias.
E como eram recebidos?
No começo, o público era muito avesso. Sabe, aquela coisa: o que estes estudantes da USP querem vir fazer aqui neste fim de mundo? Mas, com o circo, a gente se aproximou muito dessas pessoas. O palhaço abre a guarda das pessoas. Isso é algo tão bacana que o circo faz. No fim, eu andava de skate com os manos das quebradas.
E como surgiu a Tiche Vianna na sua vida?
Eu a conheci dando uma palestra sobre comédia dell’arte em Pirassununga. Resolvi ir atrás dela. A convidamos para dirigir um trabalho na EAD, A Lenda do Amor Entristecido, que era uma versão comédia dell’arte de Romeu e Julieta. Depois, formou-se um grupo de trabalho com a Tiche…
E aí vocês se apaixonaram?
Foi. Começamos a namorar, e ela logo engravidou do Miguel. Começamos a namorar em 1996 e o Miguel, nosso filho, nasceu em 12 de maio de 1997.
Aí chegou a hora de encarar a vida com seriedade…
Pois é. E foi uma loucura, porque o Miguel nasceu de oito meses, após um acidente de carro que a Tiche sofreu. Foi um acidente que envolveu 20 carros na rodovia dos Bandeirantes, a Tiche ficou em coma e só viu o Miguel quando ele estava com 45 dias. Foi uma loucura!
Ela nasceu de novo junto com o filho.
Foi isso mesmo. Quando ela melhorou, resolvemos fazer nossa vida em Campinas, porque a Tiche estava dando aulas na Unicamp [Universidade Estadual de Campinas]. Nos mudamos e fundamos o Barracão Teatro em 1998, pouco antes de o Miguel fazer um ano. A primeira peça foi Ninguém, que era sobre o amor. O Barracão começou comigo, Tiche, Marcelo Pinta, Adriana Valverde e Claudia Zuccherato. Queríamos pesquisar o ator enquanto veículo da expressão teatral, máscaras e comédia dell’arte.
E seu lado palhaço?
No mesmo ano de fundação do Barracão, entrei também para o Doutores da Alegria, onde fiquei até 2002. Foi lá que surgiu o meu palhaço,o Zabobrim. No começo era Dr. Abobrinha, mas as crianças confundiam com o personagem do Pacoal da Conceição no Castelo Rá-Tim-Bum. Aí ficou Zabobrim. Quer saber o nome completo dele?
Quero.
É Zabobrim Macambria Bira Bora Borges Júnior de Alencar.
Nossa, que pomposo [risos]. E é o Zabobrim quem protagoniza a peça WWW para Freedom?
Sim, é ele. O CIT-Ecum nos convidou para fazer esta temporada e achei o máximo. Porque queremos celebrar nossos 15 anos apresentando nosso repertório aqui em São Paulo, ainda estamos tentando trazer mais peças. Esta mostra o palhaço que vai para a guerra. Tem a ver com a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. No meio da guerra, ele faz uma operação não-militar em busca da liberdade.
As peças do Barracão sempre têm um viés político muito forte, como em Diário Baldio, que eu adoro, também, mas sem ser didático ou chato. Qual é sua posição política?
É difícil falar que sou de esquerda, pensando na esquerda que está aí hoje, mas eu sou de esquerda, sim, em meus princípios. Sou contra a miséria, contra a guerra, a favor de uma maior dose de humanidade. O homem conseguiu tantas coisas mas não conseguiu ainda defrontar-se consigo mesmo. Seria ótimo se eu tivesse uma solução para o mundo, mas não tenho. Não gosto do discurso direto porque ele é muito simplista. Agora, tudo está muito mais diluído do que no tempo da ditadura.
Sim, aquele teatro político de catequese de esquerda não faz mais sentido algum hoje em dia. Acho que vocês vão num caminho bem melhor. E onde está a revolução de hoje?
Olha, Miguel, hoje, o sentido revolucionário não está mais em explosões terroristas. É preciso fazer explosões de afeto.
Então, você é o palhaço revolucionário do amor?
O palhaço faz uma revolução onde quer que vá. Seja no hospital, na rua, no teatro. Ele entra em um local hostil e conflitante e revoluciona as relações. A alegria passa a ser potência de vida. Eu quero fazer esta revolução. Estamos num mundo enfermo. Eu quero mudar o mundo, sim! E querer mudar o mundo, não é ser o grande líder, mas, cada vez mais, olhar para seu entorno. Poder fazer da vida uma coisa boa. Vou fazer 40 anos e não tenho medo. Não quero ser um cara de 40 querendo ser um palhaço adolescente. O palhaço tem sua beleza a cada época, de acordo com a energia de seu tempo. Me vejo, mais para frente, um palhaço velho, mas que com seu nariz e sorriso, toca a mais trágica humanidade.
WWW para Freedom
Quando: Sexta e sábado, 21h; domingo, 20h. Até 9/6/2013
Onde: CIT-Ecum (r. Consolação, 1623, Metrô Paulista, São Paulo, tel. 0/xx/11 3255-5922)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Classificação etária: 12 anos
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