Por Alexandre Mate*
Especial para o Atores & Bastidores
Muitas são as hipóteses sobre as causas quanto à existência de artistas e obras geniais. De um modo ou de outro, e buscando as mais diferenciadas explicações, quase todos tentam explicar os motivos da genialidade dos artistas.
Evidentemente, é muito difícil explicar isso, mas pode-se buscar algumas aproximações com relação ao tema. Dessa forma, e já no sentido de ampliar os horizontes a esse respeito, poder-se-ia perguntar: o que existe em comum entre os geniais Federico Garcia Lorca, Juan Miró, Louis Buñel, Miguel de Cervantes, Paco de Lucía, Pablo Picasso, Pedro Almodóvar, Penélope Cruz, Plácido Domingo… Pois é, são todos espanhóis.
Em determinados momentos da história, decorrente do entrecruzamento entre poder econômico; estímulo, por parte do Estado, ao ato criador; desenvolvimento de potências individuais e formas de agrupamento/organização de sujeitos com capacidades sensíveis acaba gerando uma produção artística que atinge níveis de qualidade absolutos.
Momentos em que homens e mulheres artistas, juntos e lutando em prol de sua arte e de sua sobrevivência, conquistam resultados extremamente significativos. Dentre esses momentos, e especificamente com relação ao teatro, é preciso destacar, a Espanha do século 17. Neste período, e oficialmente de 1608 (com a publicação da primeira parte de D. Quixote, de Miguel de Cervantes) a 1680 (morte do grande dramaturgo Calderón de La Barca), desenvolveu-se o chamado de Siglo de Oro (Século de Ouro).
O século 17 foi um período de grande prosperidade econômica. A produção teatral produziu obras excepcionais. Um dos grandes destaques do período foi o dramaturgo Lope de Vega (1562-1635), que afirmava ser a essencialidade do teatro: um ator, um espectador e uma grande paixão que os envolvesse.
Apesar de o teatro estruturalmente ser uma linguagem artística complexa (interpretação, inserção de música, luz, cenários…), Lope de Vega tinha razão! A paixão pelo teatro tomou conta da Espanha daquele período histórico!
Apesar de a Espanha ser extremamente católica, obras sacras e profanas, criadas por autores anônimos, foram produzidas no período. Assim, as obras ligadas à tradição católica foram chamadas de Autos Sacramentales; e, em oposição a estas, desenvolveu-se o teatro profano que atingiu um plano de liberdade poucas vezes alcançado.
Os autores ligados a esse teatro criaram a Comédia Nacional e Popular, dividida em três atos, ou em três jornadas: que mesclavam características formais e temáticas tanto do teatro profano quando do religioso. Para se ter uma ideia, segundo as fontes documentais, em teatro a produção foi tão intensa que o número de obras ultrapassa a casa de 32 mil peças, escritas nos mais diversos gêneros.
Páginas e mais páginas poderiam ser escritas sobre o assunto, mas, desta vez, gostaria de destacar os tipos de companhias populares formadas para levar o teatro a toda a Espanha durante o chamado Siglo de Oro. Claro que existia o teatro das cortes, mas homens e mulheres, apaixonados pelo teatro montaram companhias ambulantes e em espaços improvisados, chamados de Corral ou Corrales, a febre teatral invadiu a Espanha.
As companhias populares de teatro, populares e mambembes, eram conhecidas como: Bululu: designação dada ao ator que andava sozinho, perambulando por toda parte, declamando textos curtos e pedindo esmola em um chapéu; Naque: designação dada a dois atores que andavam juntos e apresentavam entremezes (trata-se de comédias curtas cuja conotação corresponde a “manjar servido entre dois pratos principais” ou “entretenimento intercalado em um ato público”).
Cangarilla: nome dado às companhias formadas por quatro homens – que representavam inclusive as personagens femininas – em peças curtas; Carambaleo ou Cambaleo: nome dado às companhias formadas por cinco homens e uma mulher que representavam peças em troca de coisas. Do repertório regular dessas companhias constavam dois autos e quatro entremezes (comédias curtas). É preciso fazer uma observação: sobre esse gênero, encontra-se atualmente em cartaz no Rio de Janeiro, escrito por Newton Moreno, o espetáculo Jacinta, protagonizado por Andrea Beltrão.
Garnacha: nome dado às companhias compostas por seis homens, uma prima-donna e um rapazote para o papel de ingênua. Essas companhias ficavam nos locais de apresentação uma semana inteira e fazia parte do seu repertório: quatro peças, três autos e três entremezes; Bogiganga: nome dado às companhias formadas por sete homens, duas mulheres e um rapazote com repertório variado.
Farândula: nome dado às companhias formadas por dezesseis atores e quatorze figurantes. O repertório dessas companhias era composto por aproximadamente cinquenta peças, sem grandes preparações anteriores. Isto é, apesar de o repertório ser grande, o elenco poderia apresentar qualquer uma das peças, de acordo com interesses ou pedidos dos espectadores. Folla: nome dado aos espetáculos que apresentavam exclusivamente entremezes.
Para finalizar, e voltando ao começo deste texto, o que os citados Federico Garcia Lorca, Juan Miró, Louis Buñel, Miguel de Cervantes, Paco de Lucía, Pablo Picasso, Pedro Almodóvar, Penélope Cruz, Plácido Domingo teriam a ver com a explosão das artes e da linguagem teatral do Siglo de Oro? A Espanha é um país coloridíssimo, sensual, sanguíneo, dolente, arrebatador… A arte é parte intrínseca dos processos de formação, dos chamados modo de ser, estar e de ver a vida. A arte contamina o nosso cotidiano, e, de diferentes maneiras, tende a aprimorar a sensibilidade, a expressão, o comportamento.
Grande parte do que somos, devemos àqueles que vieram antes de nós e de seus legados: a arte, se divulgada, é absolutamente responsável pelo que temos de melhor.
*Alexandre Mate é professor do Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador de teatro. Ele escreve no blog sempre no dia 1º.
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