Por Átila Moreno, no Rio
Especial para o Atores & Bastidores*
“Quando eu converso com os patrões, eu não tenho opinião própria”. A frase forte é proferida pelo personagem Vitor do Vale (Rogério Bandeira), o motorista de uma família em O Patrão Cordial, peça em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro.
A montagem, dirigida por Sérgio de Carvalho, da Companhia do Latão, descasca a relação entre chefe e subordinado. Por mais que história se passe no Vale do Paraíba, da Serra da Mantiqueira (SP), no início dos anos 1970, ela ainda discute temas que até hoje, infelizmente, estão encravados na sociedade.
Cornélio, numa atuação torrencial de Ney Piacentini, é um fazendeiro que administra não só seus negócios, mas também a vida de vários empregados, que vivem em condições pra lá de precárias, no meio rural.
Nesse processo, uma dicotomia deixa se transparecer. Durante o dia, o patrão trata seus subordinados como trastes, mas, quando bebe à noite, traz outra personalidade. Vive de maneira afável com os demais. Não é à toa que o nome Cornélio pode muito bem fazer referência ao coronelismo.
Para construir essa dualidade, Sérgio de Carvalho vai se inspirar em fontes como Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), sobre a cordialidade brasileira, e também em O Senhor Puntila e seu Criado Matti, do dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956).
Como animais domesticados, e em constante tensão, os próprios empregados se dividem em uma vida dupla. Seus papéis sociais são aos poucos dissociados diante da forte onipresença do patrão. Será que tudo é um produto do meio? De certa forma, O Patrão Cordial flexiona muitas teorias sociológicas a respeito do tema.
A peça instiga uma reflexão profunda sobre até que ponto o ser humano se anula na sua condição de empregado. Será que realmente o trabalho dignifica e enobrece o homem?
As relações entre dominador e subordinado também ultrapassam a esfera do ambiente braçal. Cornélio nutre comandar a vida da própria filha, vivida por Helena Albergaria, que transita muito bem entre a vertente cômica, musical e dramática.
Dividida em engatar um romance com o motorista, ela está de casamento arranjado com um burguês pra lá de afetado, interpretado pelo ótimo Ricardo Monastero. Seu lado mais engraçado ajuda, por muitas vezes, a dar um equilíbrio nos momentos mais dramáticos da trama.
Texto e atuações funcionam bem no decorrer dos 100 minutos de peça, sem intervalos, por sinal. Por mais que seja demasiadamente longa, O Patrão Cordial opta pela distração jocosa e perspicaz, com cenas musicais e uma constante mudança de cenário, feita pelos próprios atores. Mas não se engane, talvez seja só uma arma para questionar a autonomia disfarçada de obediência, exercida por quem está na posição de empregado.
*Átila Moreno é jornalista.
O Patrão Cordial
Avaliação: Bom
Quando: de quarta a domingo, às 19h. 100 minutos. Até 28/07/2013
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB (Rua Primeiro de Março, 66. Teatro III, Centro, Rio de Janeiro, tel. 0/xx/11 3808-2020)
Quanto: R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia-entrada)
Classificação etária: 12 anos
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