Entrevista de Quinta: Daniel Gaggini leva Tarantino a Heliópolis e roda mundo com filme sobre Satyros
Por Miguel Arcanjo Prado
O ator, diretor e cineasta paulistano Daniel Gaggini tem uma missão e tento pela frente. Transpor a obra cinematográfica Cães de Aluguel, de Quentin Tarantino, para o teatro. Mas com direito a uma charme especial.
A empreitada contará com atores da comunidade de Heliópolis, em São Paulo, que vão misturar a realidade que vivem com a obra.
O projeto teve inscrições de 115 atores. Destes, 30 fizeram aulas de capacitação teatral. Daí, 16 foram aprovados no processo de imersão, recebendo bolsas de R$ 500. Ao final, dez foram selecionados para a montagem, que deve estrear em 18 de outubro, no bairro, com entrada gratuita. O nome será Vira-Latas de Aluguel.
Além disso, Gaggini também está presente nos cinemas, com o longa-metragem Satyrianas – 78 horas em 78 minutos, que dirigiu com Fausto Noro e o Otávio Pacheco. O longa roda festivais mundo afora e agora estreia comercialmente no Brasil, misturando ficção e realidade para contar a história do festival teatral de primavera organizado pelo grupo Os Satyros, do qual Gaggini fez parte nos anos 1990.
Gaggini também é curador e produtor do Cine Favela, que exibe filmes gratuitos em Heliópolis. Ele conversou com o Atores & Bastidores do R7 sobre seus projetos. Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – De onde veio a ideia de transformar o filme de Tarantino em uma peça com atores de Heliópolis?
Daniel Gaggini – Eu assisti ao filme em 1993, quando estava com os Satyros em Portugal.
Ah, então você é da fase pobre e porralouca dos Satyros na Europa?
Sim, eu sou um Dinosatyros! [risos]
Mas vamos voltar à ideia de fazer peça com o filme…
Eu fiquei superimpressionado com o filme e pensei que um dia queria montá-lo no teatro. Daí, corte seco, 20 anos se passaram e eu falei: “meu Deus, eu tenho de ter um propósito, ter algo para dizer”. Não queria só pegar um filme do Tarantino e montar uma peça. Eu trabalho em Heliópolis desde 2009, com o projeto Cine Favela, e pensei: “poxa, está aqui”. Fiz uma sessão em 2012 de vários filmes clássicos e a comunidade se identificou muito com Cães de Aluguel.
E você quis trabalhar com gente da comunidade?
Em vez de montar uma peça eu montei o projeto de capacitação teatral. No mês passado, trabalhamos com 16 jovens. A gente não vai transpor o filme para o teatro. Ele é apenas um ponto de partida para o nosso espetáculo. O enredo é o mesmo, mas com as cores de Heliópolis.
E onde vão se apresentar?
Vamos encenar nas ruas e vamos interagir com a comunidade, vamos usar um bar, um galpão, a rua. Vai ser lindo e vai envolver todo mundo.
Quem patrocina o projeto?
O Instituto Pepsi Co. financiou todo o projeto por meio do ProAC estadual. Eles se encantaram com o projeto de capacitação e foram patrocinadores exclusivos.
Como foi selecionar os atores na comunidade? Ficou com pena de não poder selecionar todo mundo?
Doeu muito fazer a seleção. Iam ficar só nove, mas eu coloquei mais um e são dez. Eu trabalho em comunidade há muito tempo. Veio tanta gente que não conhecia. Há muitos talentos! Tenho um rapaz, James Calegari, que é da Orquestra Sinfônica de Heliópolis, e toca mais de 80 instrumentos. Tem a Klaviany Cozy, uma atriz da Cia. de Teatro de Heliópolis, que também é ótima. E tem até jornalista no meio desses selecionados. É uma mistura muito grande e gostosa. Eles escreveram o texto, eu fui só coordenador de dramaturgia. Estão dando os toques de lá e o linguajar da comunidade. É uma peça genuinamente de Heliópolis.
E o filme Satyrianas [leia a crítica]?
Eu divido o filme com outros dois diretores, o Fausto Noro e o Otávio Pacheco. O filme vai passar agora no Festival de Inverno no Uruguai e estreamos em 30 de agosto nos cinemas de São Paulo, co distribuição da Vitrine Filmes. O filme estreou no Festival do Rio, no ano passado, e o jornal O Globo nos deu Prêmio Especial. Em São Paulo, foi um dos cinco filmes mais votados em mais de 400 da Mostra Internacional. Agora, paralelamente ao lançamento no Brasil, vamos também participar dos festivais internacionais.
Como foi o reencontro com os Satyros pelo filme?
Foi uma das maiores emoções da minha vida. Eu entrei nos Satyros em 1990 e fiquei até 1995. Eu fiquei quatro anos com eles na Europa. Vivi este momento mágico. Eu fui com 16 anos! Eu andava com autorização para fazer uma peça proibida para menores de 18! [risos]
E mais de 20 anos depois você faz o filme sobre o festival deles…
O filme foi uma possibilidade de um reencontro nosso. Foi uma forma de eu retribuir tudo que eles fizeram para minha visão artística, tanto o Ivam Cabral quanto o Rodolfo García Vázquez [fundadores dos Satyros]. Foi uma loucura, porque levei a ideia para os outros dois diretores uma semana antes de as Satyrianas acontecer! Foi um filme feito com a cara e a coragem. E isso tem muito a ver com o que o Satyros me ensinou.
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Como não sou do meio, não entendo muito o que ocorre no teatro dos Satyros, para ser uma peça proibida para menores de 18 anos.
De qualquer forma, o momento engraçado foi quando o Daniel disse que é um “Dinosatyro”. A utilização desse neologismo se adequa ao perfil de quem trabalhou/trabalha nesse grupo teatral.