Entrevista de Quinta: Carlos Canhameiro, do Les Commediens Tropicales, quer público e pagamento do FIT Rio Preto: “Teatro não é o primo pobre”
Por Miguel Arcanjo Prado
Esta sexta-feira (2) é uma data especial para a Cia. Les Commediens Tropicales. O grupo, surgido em Campinas há dez anos, abre um espaço na rua Dom José de Barros, 288, no centro de São Paulo para apresentar três peças ao público, no projeto Laboratório Permanente de Plágio (veja serviço completo ao fim da entrevista).
Serão três montagens originais de outros grupos da cidade, que ganham nova versão sob o olhar da trupe encabeçada por Carlos Canhameiro.
O lugar fica na rua Dom José de Barros, 288, no segundo andar de uma antigo cinema do centro paulistano (veja o serviço das peças no fim da entrevista).
O ator e diretor conversou com o Atores & Bastidores do R7 nesta Entrevista de Quinta.
Falou sobre o novo projeto, o espaço emprestado e ainda revelou se o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto fez o pagamento ao grupo pelas apresentações da edição de 2012, atrasado em mais de um ano.
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Como vocês conseguiram este espaço no centro de São Paulo?
Carlos Canhameiro – Este é um espaço emprestado. A gente está ocupando o segundo andar de um cinema antigo do centro, um lugar que estava desativado. Nosso amigo Giscard Luccas nos contou sobre este espaço, porque ele trabalha lá. Deixamos as nossas coisas por quatro anos neste andar e agora vamos abusar mais. Tipo aquele cunhado que você deixa ficar na sua casa e depois convida pessoas para trepar no quarto [risos].
Então, não é uma sede própria?
Não é um sede própria. Só estamos ocupando este espaço emprestado. Não temos uma relação comercial. Apenas conseguimos abrir este lugar para trazer o público.
Vocês são de Campinas, mas estão há quanto tempo em São Paulo?
Estamos há oito anos em São Paulo, porque a gente começou como um grupo de faculdade, na Unicamp, em 2003, há dez anos. Aí, fizemos um espetáculo de formatura, Galvez Imperador do Acre, com direção do Marcio Aurelio. Estreamos no Centro Cultural São Paulo, em 2005. Como a repercussão foi boa, resolvemos vir para cá.
Como surgiu este nome?
Este nome está no livro do Marcio Souza, Galvez Imperador do Acre. A obra conta uma passagem sobre uma companhia de ópera francesa que veio se apresentar no Pará, mas parte dos músicos morreu de doenças tropicais após serem presos. Aí, o maestro refundou depois a companhia com músicos brasileiros e deu este brilhante nome, que mistura francês e espanhol: Les Commediens Tropicales. Achamos interessante e resolvemos dar este nome ao nosso grupo. O problema é que ninguém consegue falar direito o nome [risos]. A gente usa mais a sigla LCT.
Vocês são quantos?
Hoje somos sete artistas, mas também temos uns namorados, que usam a gente como porto.
Todos são de Campinas?
São Paulo é muito cruel. Por isso, perdemos integrantes ao vir para cá, mas chegaram outros.
Vocês vieram morar na cidade por conta do trabalho de teatro?
Eu sou de Campinas, mas tem gente de outros lugares no Brasil, e que se mudaram para cá por isso. Mas, hoje, também temos integrantes que sempre moraram em São Paulo.
Como você vê o cenário para teatro de grupo em SP?
São Paulo é a pior melhor opção. O dinheiro circula aqui. Só que gera uma espécie de diáspora. Porque as pessoas querem sair do interior e vir para cá. É um caminho superlotado. É uma cidade cheia de referências e trocas, mas também é uma ilha.
Como vocês sobrevivem?
A gente sobrevive trabalhando em muitas coisas. Todo mundo da companhia tem pelo menos três trabalhos. A LCT existe unicamente devido a editais. Se a gente não ganha editais, a gente faz de graça mesmo, mas sem ganhar. Mas os editais só sustentam a companhia, não a vida pessoa dos artistas. Temos tido muita sorte em ganhar pelo menos um edital por ano.
Falando em editais, a peça Concílio da Destruição [leia crítica do R7] era uma critica a essa forma de se fazer teatro?
O Concílio é uma autocrítica à arte. A gente não lidou especificamente com o teatro, mas quisemos falar da mercantilização da arte. Quem diz que aquilo vale tanto. Nós temos vivido um sistema terrível de valorização da obra de arte. Não se pensa se é bom ou ruim, mas quanto vale. A questão é por que aquilo vale tanto e outra coisa não?
O teatro é o primo pobre no mercado da arte?
A dança ainda é bem pior do que o teatro… Com a poesia, coitados, situação é mais desgraçada ainda. Em São Paulo, o teatro não é primo pobre. Se você pensar que a lei de fomento municipal dá mais dinheiro do que o Estado, isso não coloca o teatro na cidade de São Paulo como o primo pobre. Mas também não é o primo rico.
Você acha que há muita competição e desunião no meio teatral?
Eu acho que a classe é até mais unida do que a de outras linhas artísticas. Posso até estar errado, mas minha percepção é que o teatro, por exemplo, é mais unido que a música. Há embates ideológicos fortes, é claro. Teatro político versus comercial, alternativo versus mainstream… Isso se dá porque em São Paulo circula muito mais dinheiro. Mas claro que eu acho que tem muito a melhorar, sobretudo em termos de pensamento político. A Lei de Fomento ao Teatro é algo que reflete uma união.
Por que fazer agora peças de outros grupos?
Temos apreço muito forte por alguns de São Paulo. Sempre pensamos: ai, a gente queria fazer esta peça. A gente entendeu que fazer a peça de outro grupo ajude a aprimorar nosso trabalho. Escolhemos três trabalhos de outros grupos paulistanos que dialogam com nossa forma de arte: Corra como um Coelho, da Cia. dos Outros, Quem não Sabe Mais Quem É, O Que É e Onde Está, Precisa se Mexer, da Cia. São Jorge de Variedades, e Petróleo, que envolve artistas do Tablado de Arruar. São diferentes de nossa estética, aí é o ponto instigante. As pessoas agora têm de vir assistir. Estamos nos esmerando para que seja o melhor possível. Quem já viu a original poderá fazer a comparação, mas quem não viu poderá ver uma boa peça do teatro.
Para encerrar, a pergunta que não quer calar: o FIT de São José do Rio Preto pagou vocês pela apresentação no ano passado [leia reportagem sobre a dívida do festival]?
Não. Quando saiu sua matéria no R7 o secretário de Cultura [Alexandre Costa] me ligou e falou que assim que o festival terminasse, iria entrar em contato conosco e nos pagariam, mas ninguém fez isso até agora. Pelo jeito, será preciso entrar com uma ação judicial para receber. É uma decepção! É uma pena que isso aconteça com um festival tão importante no Brasil. Quantos e-mails e telefonemas foram mandados, e eles só ligam para a gente porque saiu sua matéria. E o pior: eles dizem que já tinha sendo pago, quando isso é mentira. É terrível, porque somos fãs do festival e sabemos o quanto é difícil ter dinheiro para a Cultura, mas a gente precisa falar, porque não podemos pagar do nosso bolso para fazer uma apresentação. O que era para ser uma experiência bacana, acaba se tornando esta situação tão desagradável.
Laboratório Pemanente de Plágio da Cia. Les Commediens Tropicales
Corra como um Coelho
De 2 a 24 de agosto – sexta-feira e sábado às 20h30; 60 min., 14 anos, grátis
Elenco: Carlos Canhameiro, Daniel Gonzalez, Michele Navarro, Paula Mirhan, Rodrigo Bianchini e Tetembua Dandara. Direção: Carol Bianchi, Pedro Cameron e Tomás Decina
Quem Não Sabe Mais Quem É, O Que É e Onde Está, Precisa se Mexer
De 1º a 23 de fevereiro de 2014 – sábados ao meio-dia e domingos às 15 horas, 90 min, 16 anos, grátis
Elenco: Carlos Canhameiro, Daniel Gonzalez, Michele Navarro, Paula Mirhan, Rodrigo Bianchini e Tetembua Dandara. Direção: Georgette Fadel e Paula Klein.
Onde: Sede Cia. LCT (r. Dom José de Barros, 288, Metrôs República ou Anhangabaú, tel. 0/xx/11 98350-1067); 40 lugares. Os ingressos são distribuídos uma hora antes na bilheteria da Galeria Olido – Av. São João, 473, centro, São Paulo.
Petróleo
De 8 a 29 de novembro de 2013 – sexta-feira e sábado às 20h30, 70 min., 14 anos, grátis. Haverá uma apresentação extra no dia 2//11/2013, quinta-feira, às 20h30
Elenco: Carlos Canhameiro, Daniel Gonzalez, Michele Navarro, Paula Mirhan, Rodrigo Bianchini e Tetembua Dandara. Direção: Alexandre Dal Farra e Clayton Mariano.
Onde: Oficina Cultural Oswald de Andrade (r. Três Rios, 363, Bom Retiro, São Paulo, tel. 0/xx/11 3222-2662). Os ingressos serão distribuídos no local 30 min. antes do começo da peça.
Veja o site do grupo Les Commediens Tropicales!
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Essa questão do FIT de São José do Rio Preto deveria ser mais tratada na mídia. Parabenizo a você por não deixá-la esquecida. Porque realmente as pessoas e os grupos se programam, gastam com as apresentações e deveria haver uma organização melhor da parte financeira do evento. Se for para ficar sem pagar os artistas, é até mais sensato então que o FIT acabe de vez. Será lamentável, mas, se a situação for recorrente, é o mais adequado a se fazer.
Olá. A divulgação do espetáculo “Petróleo” está errada. Eu liguei para o grupo e me disseram que o espetáculo começará no dia 08 (e não no dia 1º como a matéria diz) de Novembro, na Oswald de Andrade (e não na “sede” da Cia. LCT). Quase fui para lá hoje à toa.
Enrique, foi esta data que o grupo passou, quando fizemos a entrevista. Que bom que você descobriu a tempo. Um forte abraço!