Crítica: Cia. Auroras perde em não assumir humor

As Desgraçadas: trio feminino vive com ódio debaixo do mesmo teto no Cacilda Becker – Foto: Ding Musa
Por Miguel Arcanjo Prado
Em tempos de ascensão da chamada classe C, direitos trabalhistas para as domésticas, colunistas de jornal reclamando de pobres em aeroportos e até dondocas da alta sociedade paulistana criando lista de e-mail para discutir o “terrorismo das empregadas”, a montagem As Desgraçadas, da Cia. Auroras, tinha tudo para ser um êxito.
Inspirado no clássico As Criadas, de Jean Genet (1910-1986), o texto do dramaturgo Felipe Sant’Angelo conta a história de ódio entre três mulheres sob o mesmo teto familiar: a patroa, a babá e a arrumadeira. Na obra, a qualquer momento as relações cordiais podem ruir.
O grande destaque da montagem mora no casamento que o artista Ding Musa conseguiu fazer entre cenário e iluminação, criando 380 lâmpadas incandescentes que ambientam a história. Trata-se de uma verdadeira instalação artística digna de estar exposta nas melhores galerias.
Ainda na parte técnica, a trilha original de Bill Saramiolo e os figurinos de Mira Andrade estão também corretíssimos. E dialogam com o todo estético de forma satisfatória.
Mas, passado o inebrio do cenário-luz, voltemos à história, à direção e às atrizes responsáveis por contá-la.
O enredo é simples – sem nenhuma conotação negativa para isso, que fique bem claro: a patroa, rica, é abandonada pelo marido. Infeliz, desconta seu infortúnio humilhando as funcionárias, a babá devota ao lar que lhe dá sustento, e a arrumadeira de ar debochado e com um grito de liberdade entalado na garganta.
A peça tem todos os elementos para ser uma ótima comédia, daquelas que provocam o riso desenfreado enquanto também aguçam a inteligência do espectador. E, claro, criam filas enormes na bilheteria. Contudo, parece ter faltado à trupe feminina coragem para assumir tal condição, faltou entendimento de que provocar gargalhada não é pecado. Nem coisa feia.
Há na obra uma pretensão cult que não deixa a comédia surgir. O riso até vem, no começo, abafado e constrangido, diante do suposto peso de tudo, e logo vai embora. Falta leveza, falta deboche. Falta tempo de comédia.
Beatriz Morelli dirige o trio de atrizes no palco: Giu Rocha, a faxineira, Lurdes; Rita Batata, a babá, Graça; e Mariana Leme, a patroa, dona Carmem.
Giu Rocha parece não entender sua personagem – uma boa atriz com talento para comédia faria misérias. Afinal, Lurdes é a peça-chave da história. É quem dá faz desabar os dominós da fajuta relação trabalhista-afetiva. Mas, infelizmente, falta viço e cumplicidade com o público.
Rita Batata se sai melhor como a babá interiorana. Ela consegue construir nuances do comportamento doentio desta, que será explícito no fim da obra. Ela tem mais verdade, cativa mais.
Já Mariana Leme escolhe o perigoso caminho da caricatura da rica de novela, vazia e fútil. E não sai disso.
Entretanto, também há propostas interessantes, como quando a direção opta por fazer recortes na encenação para apresentar os delírios de cada personagem, construindo um simples e apropriado momento no qual as máscaras sociais que elas utilizam caem por terra.
Em As Desgraçadas, a Cia. Auroras tropeça por não ter percebido a grande possibilidade de comunicação direta com o público contemporâneo que tinha nas mãos. O humor é algo direto, claro, e não adianta escondê-lo atrás de subterfúgios de ares intelectuais. Porque o bom humor já é por si só inteligente.
As Desgraçadas
Avaliação: Regular
Onde: Sexta e sábado, 21h, domingo, 19h. 60 min. Até 25/8/2013 (Atenção: não haverá espetáculo no dia 23/8/2013)
Onde: Teatro Cacilda Becker (r. Tito, 295, Lapa, São Paulo, tel. 0/xx/11 3864 4513)
Classificação etária: 10 anos
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380 lâmpadas incandescentes? Então essa peça deveria ser indicada na categoria Cenário e Iluminação!