Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial do R7 a Santos (SP)*
Nome mais apropriado não poderia haver para o espetáculo que o Núcleo Luis Ferron Brasil apresentou na Bienal Sesc de Dança, que termina nesta quinta (12) em Santos (SP): Baderna.
A palavra, exclusividade da língua portuguesa e comumente usada por conservadores a qualquer ato que se atreva a mudar a ordem instaurada, teve origem curiosa.
No século 19, a artista italiana Maria Bederna veio se apresentar no Rio e resolveu acrescentar à dança de sua companhia passos de ritmos negros, como o lundu.
Os ensaios de Baderna e sua trupe eram regados a batuques que varavam a noite, gerando incômodo aos vizinhos aristocratas, que logo diziam quando a viam passar, com ar de desdém: “Lá vem a Baderna”. Daí, seu nome passou a ser associado à ideia de confusão e desordem social.
Pois a obra de Luis Ferron quer contestar exatamente isso. Mostrando que Baderna é algo bom, criativo, inteligente, instigante.
A pesquisa da dança e da cultura afro-brasileira que tanto interessou a italiana Baderna, que pagou com o próprio nome tal corajosa aproximação, também norteia o espetáculo paulista.
Apresentado na Casa da Frontaria Azulejada, importante prédio histórico do centro de Santos, com belíssimas ruínas, a montagem ganhou força e energia com o espaço no qual se instalou.
Entre a plateia, distribuída em banquinhos mesclados a instrumentos percussivos usados pelos intérpretes, Luis Ferron, Daniela Dini, Alysson Santos, Mauricio Bade, Maurici Brasil e Teo Ponciano executaram passos das danças afros, realizando uma performance que fez referência ao mundo do Carnaval, do samba, das religiões afro-brasileiras e da televisão.
O espetáculo é bem-humorado e em alguns momentos Luis Ferron incorpora uma espécie de apresentadora drag queen que conduz a ação do grupo, com voz modificada por recursos tecnológicos.
Realiza-se um concurso de rainha de bateria e até um desfile de moda em um corredor improvisado pelo movimento rápido do público – que atreve-se até a participar.
Apesar de perder um pouco de força pela duração de 90 minutos, o que faz com que muitas coisas se repitam – um pequeno corte teria feito muito bem ao espetáculo – a montagem envolve a plateia para dentro de seu discurso.
Projeções, como o coração refletido no peito de cada integrante da plateia no poético final, ajudam a criar o clima pós-moderno que abriga o espetáculo, um dos mais interessantes apresentados nesta Bienal Sesc de Dança, que chega ao fim nesta quinta (12).
O recado de valorização da cultura afro-brasileira é dado, além da denúncia de que esta está sendo apropriada pela força (midiática) da grana que ergue e destrói coisas belas, como poeticamente descreveu Caetano Veloso. Mas faz isso sem ser chato no discurso, muito pelo contrário: Baderna é vibrante e cativa.
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da Bienal Sesc de Dança.
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