Bienal Sesc de Dança em Santos é marcada por “performances cabeça” e pegada “egotrip”
Por Miguel Arcanjo Prado
Enviado especial do R7 a Santos (SP)*
O grande público que esperava ver coreografias executadas com precisão e bailarinos de corpos perfeitos fazendo estripulias com o corpo não encontrou lugar na Bienal Sesc de Dança, realizada na cidade de Santos, no litoral paulista, entre 5 e 12 de setembro último.
O evento priorizou trabalhos de pegada mais intelectualizada e bem mais próximos da performance do que da dança tradicional. O que se viu, em grande parte das apresentações, foram “performances cabeça” e de pegada “egotrip”.
O Sesc Santos não informou o balanço de público até o fechamento desta reportagem.
Luiz Ernesto Figueiredo, o Neto, gerente do Sesc Santos, afirma ao R7 que “os objetivos foram atingidos”. Segundo ele, que não quis revelar números, houve 15% de crescimento de público em espetáculos fechados em relação à edição de 2011.
— Isso mostra nossos acertos. O público está entendendo cada vez mais o movimento da dança. Acho que gostar ou não gostar faz parte do processo democrático.
O festival pretende continuar na mesma linha nas próximas edições, segundo Neto.
— A dança convencional não é nossa proposta. O movimento do corpo é que é nosso objetivo. Não tem pecado nenhum fazer a dança tradicional, mas nosso conceito é outro. O Sesc continua com a proposta do movimento. Propor, provocar e discutir está dentro do nosso contexto.
Público de artistas
Com uma programação focada na “dança cabeça” o festival não foi tão abraçado pelo público santista como acontece como Mirada, o festival bienal teatral realizado também no Sesc Santos.
A maioria das apresentações negou o caráter espetacular da dança – houve até quem brincasse com isso, como a montagem carioca Exhibition, que deixou a plateia a ver navios no saguão do teatro.
Entre os mais queridos do público que conversou com a reportagem, estiveram A Projetista, com a mineira Dudude, e os belgas O Que o Corpo Não Lembra, que abriu a Bienal, e Têtes a Têtes, dedicado ao público infantil.
No geral, a programação teve forte olhar para a Europa, virando as costas para os movimentos populares de dança brasileira. Houve raras exceções, como a montagem paulista Baderna, também uma das peças apontadas pelo público como destaque com sua brasilidade evidente.
Houve também polêmicas, como a falha técnica nas caixas de som do espetáculo A Sagração da Primavera, do francês Xavier Le Roy, que resolveu fazer pronunciamento à plateia antes de o espetáculo começar. E também o piauiense De Repente Fica Tudo Preto de Gente, que chocou o público santista com a nudez explícita dos bailarinos, que se esfregavam e sujavam as pessoas com suas peles cobertas de óleo e carvão.
A funcionária pública de Santos Áurea Maria Vieira, que correu dos bailarinos neste último para não se sujar, disse que ficou satisfeita com a provocação.
— Achei diferente de tudo o que eu já vi. Gostei, sim!
Pegada “egotrip”
Apesar desta proposta de diálogo com a cidade de Santos ser a premissa, o que a reportagem percebeu, muitas vezes, foi que parte das apresentações era assistida pelos próprios artistas integrantes do festival, que se aplaudiam mutuamente.
Incluindo aí espetáculos apresentados ao ar livre, como a sessão de Vácuo I, Impostor, da paulistana Key Zetta e Cia. A obra foi encenada na areia da praia do Gonzaga e, mesmo assim, não reuniu grande público local. A grande maioria era de membros do festival e de funcionários do próprio Sesc.
Dois homens bêbados chegaram a atrapalhar a apresentação, dizendo que os bailarinos, que caminhavam pela areia em tempo letárgico, pareciam “defuntos” e “espíritos malditos”. Logo, foram convidados a se retirar do local pela segurança do Sesc Santos.
A pegada “egotrip” foi sentida também no blog oficial do festival, que escolheu os “dez top gatos do evento”. Um dos textos, sobre um bailarino que apareceu de toalha em uma performance, diz: “um moço bonito desses te aparece de toalha, saído do banho, dá até uma umidade na mais exigente das bacurinhas” [sic]. Quem quiser pode ler o texto completo.
Uruguaios fazem sucesso
Mais do que dialogar com a cidade, a Bienal Sesc de Dança serviu também de lugar de troca entre os artistas participantes.
A trupe uruguaia Compañia de Danza Periférico, de Montevidéu, fez sucesso no evento. Sobretudo os bailarinos.
Além da investigação que eles fazem sobre o tango, todos queriam saber também sobre o presidente José Mujica, famoso mundialmente pelo governo de esquerda que descriminalizou o uso da maconha e legalizou o casamento gay naquele país.
O bailarino Sebastián Niz conta ao R7 que “realmente houve uma mudança no Uruguai”.
— Melhorou muito o apoio à cultura no governo de Mujica. Mas ainda há muitas coisas a se fazer. Porque o custo de vida no Uruguai está muito duro para nós.
O bailarino afirma estar encantado com o Brasil.
— O que eu gosto no Brasil é que é um país cosmopolita e latino ao mesmo tempo. É muito diferente do Uruguai, mas não me sinto um estranho por aqui.
Anibal Domíguez, também bailarino uruguaio, fez questão de elogiar a equipe do festival, dizendo que “todos foram muito bem tratados” e que “tudo é de primeira qualidade”. Revela que esta foi a terceira vez que o grupo se apresenta no Brasil – eles já estiveram no Rio e em Salvador. E declara que pretendem voltar o mais breve possível.
— Aqui no Brasil, as pessoas são felizes. Por isso, os uruguaios se sentem muito bem por aqui [risos].
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da Bienal Sesc de Dança.
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parabéns pelo texto. “a proposta de diálogo com a cidade de Santos ser a premissa, o que a reportagem percebeu, muitas vezes, foi que parte das apresentações era assistida pelos próprios artistas integrantes do festival, que se aplaudiam mutuamente” Foi exatamente isso. A ousadia da curadoria será revertida em perda de público, essa auditoria em aumento de público em 15%, não é público, são os participantes… abraço