Domingou: Vamos queimar todos os críticos!
“A crítica é uma opinião mais franca do que em geral a que as pessoas dão. Essa é uma experiência que tive várias vezes. Via um espetáculo que era fraco, todo mundo metia o pau, eu escrevia e o autor tinha um choque porque só eu tinha escrito que o espetáculo era fraco. Porque todo mundo que vai, abraça, diz que é uma maravilha, que gostou”
Decio de Almeida Prado (1917 – 2000), crítico teatral, no livro A Crítica Cúmplice, de Ana Bernstein
Por Miguel Arcanjo Prado*
Deixar alguém colocar o dedo na ferida é tarefa para poucos corajosos. E, sobreviver a isso com dignidade, é ainda privilégio de um grupo bem menor.
Porque vivemos no mundo onde se espera a fofura e os fartos elogios de todos – nem que sejam fabricados. Que o diga Caetano Veloso, Chico Buarque e Roberto Carlos em sua vergonhosa cruzada contra os biógrafos livres e tentativa de imposição de censura prévia a um trabalho de pesquisa isenta.
E no meio do fuzilamento está o crítico, seja ele teatral ou de qualquer outra área. É atacado com pedras malcriadas simplesmente por expor uma opinião que difere destes tempos de bonança e hipocrisia.
Tal comportamento de ataque feito um cão raivoso não demonstra respeito ao pensamento diferente e ao diálogo real – na teoria é tudo bem mais fácil. Atacar quem não aplaudiu é comportamento tacanho. Obtuso.
Ora bolas, artista que deseja escutar apenas elogios, deveria convidar a avó para assistir à montagem e depois pedir à pobre coitada que datilografe um texto para ser pregado no mural do teatro. Assim, os confrontos verborrágicos recorrentes seriam evitados.
A situação é muito simples: se o grupo de artistas não tem disposição em ver publicada uma crítica sincera e não vendida, basta não convidar críticos verdadeiros para apreciar seu trabalho. Este deve ser feito apenas para o circuito de amigos, familiares ou gente interesseira.
Porque, após o convite feito, não adianta depois demonizar a sinceridade do crítico. Porque esta é bem mais difícil de engolir do que a hipocrisia com a qual estamos acostumados, mas, por isso mesmo, é mais necessária do que nunca. Quem não está disposto a isto que mande logo os críticos para a fogueira.
*Miguel Arcanjo Prado é jornalista e defende a liberdade de expressão. A coluna Domingou, uma crônica semanal, é publicada todo domingo no blog Atores & Bastidores do R7.
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Curioso é que a maioria da classe teatral concorda – em tese – com o seu texto, mas na hora em que recebe uma crítica fica indignada. Aliás, de um modo geral, a crítica é até generosa com o teatro brasileiro. Já a crítica de cinema tem muita má vontade com o cinema nacional. Impressionante.
Paulo, ótima sua colocação. Decio de Almeida Prado, nosso primeiro grande crítico teatral, falava justamente isso que você observou. Que a crítica teatral no Brasil é “cúmplice” dos artistas, por sua dedicação à arte com tão pouco espaço na mídia. Ficar indignado é direito de todos. O que não é interessante é sair por aí atacando publicamente os críticos. É desrespeitoso com o trabalho de alguém que foi convidado a ver a obra pelo próprio grupo de artistas ou por seus assessores de imprensa. Um forte abraço e obrigado pela leitura tão atenta do blog!
O papel do crítico é legítimo e deve retroalimentar tantos artistas quanto público. Peter Brook diz: “A arte sem a crítica estaria ameaçada de perigos maiores”. Por isso, independentemente de qualquer ação raivosa, continue a exercer a crítica com sua responsabilidade, dignidade e amor ao teatro. Parabéns pelo texto corajoso.
Sérgio, muito obrigado pelo retorno. Saber que tenho um leitor de seu quilate me deixa lisonjeado! Aquele abraço!
Se me permite filosofar um pouco por aqui, creio que seja, em tese, da natureza do ser humano digerir mal as críticas. E usei a expressão “em tese” porque, com o passar dos anos e a somatória de experiência vividas, vamos adquirindo compreensão para absorver o que é algo que pode nos fazer evoluir e a crítica, quando positiva, é um poderoso instrumento de mudança. Tenho percebido o aumento da intolerância por conta das redes sociais e a dificuldade de alguns de lidar com o “não”. É como se as pessoas estivessem viciadas em “sim”: querem ser aduladas, mimadas, massageadas em seu ego. Se é certo que certos críticos poderiam adotar textos menos ácidos, também é verdadeiro que a função precípua do crítico é observar, interpretar e, por fim, emitir seu julgamento acerca da obra apresentada. E a crítica, se recebida com corações abertos, pode ser uma mola propulsora para que o artista batalhe mais, pesquise mais e futuramente apresente até algo brilhante, uma vez que impelido pelo desejo de melhora.
Miguelito, só discordo quanto às datilógrafas bem comportadas. Elas não são hipócritas. São elegantes.:)Tenho de defender a categoria porque eu mesmo sou diplomado pelo SENAC em Datilografia – Velocidade. E ainda cursei Etiqueta Social. Tentar ser agradável socialmente não é ser hipócrita. Hipocrisia é a dissimulação, é o “fingir ser” para manter uma situação de aparente harmonia ou a falsidade de seguir uma norma quando não se acredita nela.
No mais, texto contundente, Miguel! Você estava inspirado. A indignação também pode ser uma alavanca. Nesse caso, fez jorrar um belo e muito bem articulado texto.