Crítica – Com atores negros afinados, musical sobre canção de Arlindo Cruz mostra o sabor de amar
Por Átila Moreno, no Rio*
Especial para o Atores & Bastidores
Um musical genuinamente brasileiro com forte carga da nossa cultura popular e que escolheu o samba como matéria-prima para falar dos dissabores e prazeres do amor.
Mas não é um samba qualquer. A peça Quando a Gente Ama optou por dissecar as letras da fase romântica do sambista e compositor Arlindo Cruz.
Este poderia ser só mais um musical, como tantos que estão por aí, pelos palcos afora. No entanto, com pitadas de comédia e drama, o diretor e autor João Batista conseguiu trazer entretenimento e reflexão sobre um tema que é carta carimbada e rasgada em muitos corações.
São várias histórias de gente comum e trabalhadora. Oito atores vão interpretar vários casais que frequentam uma roda de samba, com trajetórias que falam sobre separação, brigas, desencontros e encontros, declarações divertidamente apaixonadas, conquistas, recomeço, e claro, como pano de fundo, o amor.
A forma inteligente de contar tantas histórias está no roteiro que não tentar definir o amor e, sim, proporcionar ao público uma vivência e uma troca de experiência. Cada um vai sair dali de um jeito, ao se reconhecer nas diversas passagens de Quando a Gente Ama.
Isso faz com que o musical cresça, principalmente, como drama, e não só como uma forma de diversão. São divagações que expressam luz e sombra, aconchego e angústia, desilusão e esperança.
João Batista juntou um time de talentos em vários campos. O cenário simplista e sofisticado, criado por Doris Rollemberg, dá a exata dimensão que estamos percorrendo algum dos bares da Lapa ou de Santa Teresa, no Rio de Janeiro.
E quando as luzes se apagam (em conjunto com um trabalho harmônico de Renato Machado), toda aquela ambientação parece sugerir uma roda de samba, sendo vista pelas janelas de diversos prédios. Estamos ali não só como público de um bar e também como observadores distantes?
O elenco tem uma particularidade. Boa parte é formada por atores negros, algo raro nas produções teatrais inclusive cariocas. E o mesmo olhar vale para a plateia que se forma nesse espetáculo.
Mesmo com vozes tão diferentes e de potencialidades distintas (o que leva a momentos repletos de emoção como na abertura Dor de Amor), o grupo de atores consegue ter harmonia e entrega contundentes, com um banda ao fundo sempre impecável.
Cada um deles se destaca em determinado quesito. É simplesmente admirável o talento de Wladimir Pinheiro, que já apareceu em outros trabalhos como Orfeu e Milton – Nada Será como Antes.
Em Fora de Ocasião, num momento solo, Wladimir prova porque é um monstro vocal e um voraz intérprete. Ele encarna perfeitamente uma releitura musical espetacular ao cantar uma das letras mais tristes de Arlindo Cruz.
Outro peso que segura boa parte do espetáculo é Jéssica Moraes, que é a carta na manga do diretor. Jéssica participa somente dos números musicais e, mesmo assim, sua voz aveludada e intrigante é arma suficiente pra levar graça às letras mais tocantes, como em Vai Embora Tristeza. O que ela faz em Quando Falo de Amor é candura exemplar. Deixaria Alcione, que cantou a música com Arlindo Cruz, divinamente encantada.
Patrícia Costa consegue trazer habilidades tanto na dança quanto numa voz extremamente afinada e poderosa. O mesmo pode-se dizer de Edio Nunes, com seu gingado contagiante e performando um típico malandro carioca e machão.
A versatilidade de Wilma Melo é um espetáculo a parte, e ela se destaca principalmente em Casal Sem Vergonha. A atriz dança, é engraçada e é dramática na medida certa, inserindo cada elemento bastante coerente nos diversos tipos que seus personagens exigem ao longo do musical.
Cris Viana, que não faz esforço pra encarnar a típica mulher que enche os olhos de ternura e beleza, mostra um talento vocal até então desconhecido de boa parte do público, acostumado a vê-la nas novelas da Globo, como Duas Caras e Fina Estampa.
Já Milton Filho conquista o público nos momentos engraçados, mas se prejudicou em Se Eu Encontrar com Ela, em que faz um personagem bêbado, desiludido com a separação, pois o arranjo musical não combina com a voz de um típico personagem embriagado, ficando difícil para o personagem convencer o público de sua veracidade.
Já David Júnior, apesar da beleza peculiar, interpretando um típico garotão, ainda traz uma imaturidade na hora de atuar, e, às vezes, se torna figurante com relação aos demais.
Para encerrar o musical, o maior acerto for ter escolhido O Que É Amor, canção em que que Arlindo Cruz chegou a fazer uma belíssima parceria com Maria Rita. É uma reunião de vozes afinadíssimas, num momento em que nenhum dos atores decepciona, expressando tudo ali, com tanta admiração e prazer, a dor e o sabor que é amar.
*Átila Moreno é jornalista formado pelo UNI-BH e tem pós-graduação em Produção e Crítica Cultural pela PUC Minas.
Quando a Gente Ama
Avaliação: Ótimo
Quando: de quarta a domingo às 19h. 90 min. Até 22/12/2013
Onde: Teatro Sesc Ginástico (Av. Graça Aranha, nº 187 – Centro/RJ) – 2279-4030
Quanto: quarta, quinta e domingo R$ 20,00 (inteira), R$ 10,00 (meia) e R$ 5,00 (associados Sesc); sexta e sábado R$ 30,00 (inteira), R$ 15,00 (meia) e R$ 8,00 (associados Sesc);
Classificação etária: 16 anos
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essa peça vem pra Sao paulo??
Parabéns!
Eu assisti e foi simplesmente lindo. Não gostava de samba pq nunca prestei atenção nas letras. Simplesmente adorei. Assistam. Não sabem o que estão perdendo.