Por Miguel Arcanjo Prado
A partir de 14 de janeiro de 2014, terça-feira será dia de arte no Terminal Parque Dom Pedro II, localizado no coração do centro paulistano, sempre às 20h.
E a grande responsável por esta boa nova é a Trupe Sinhá Zózima, que fez o Melhor Espetáculo de 2013 na opinião dos internautas do R7, Dentro É Lugar Longe.
Além da peça aclamada, o grupo dirigido por Anderson Mauricio promete outras montagens e até um cinema. Tudo, é claro, tendo um ônibus como cenário para 28 passageiros-espectadores, marca registrada da companhia.
A ocupação artística começa em 14 de janeiro, mês no qual será apresentada a obra Cordel do Amor sem Fim. Já em fevereiro, acontece Cinebus – 1ª Mostra Teatro e Cinema em Movimento, com curadoria de Luciana Ramin. Em março, volta ao cartaz Dentro É Lugar Longe, que tem dramaturgia de Rudinei Borges e direção de Anderson Mauricio.
Para encerrar a festa em clima de alegria, no mês de abril terá a obra Embarcando com Humor, projeto que reunirá a Cia. Asfalto de Poesia, Trupe Temdona, Ciclistas Bonequeiros e Cleide Amorim.
Anderson Mauricio conversou com o Atores & Bastidores do R7 sobre o projeto audacioso, a companhia e sua paixão por teatro dentro de um ônibus, o que diz ser a sua missão.
Leia com toda a calma do mundo:
Miguel Arcanjo Prado – Vocês, da Trupe Sinhá Zózima, vão ocupar o Terminal Parque Dom Pedro II, em São Paulo? Como será isso?
Anderson Mauricio – A Trupe Sinhá Zózima está desenvolvendo projetos no Terminal Parque Dom Pedro II e Expresso Tiradentes desde 2009, quando realizamos o projeto Arte Expressa – 1ª Mostra de Teatro no Ônibus, em parceria com 12 grupos de teatro. E através de uma pesquisa com o público constatamos que 75% dos entrevistados nunca tinham tido contato com nenhuma expressão artística, e os outros 25%, a metade teve contato com teatro uma ou duas vezes há mais de 20 ou 30 anos, ou seja, na infância.
É um número grande!
Pois é. Essa constatação e contato com trabalhadores/passageiros de ônibus vêm direcionando nossa prática. No biênio 2012/2013 realizamos o projeto Plantar no Ferro Frio do Ônibus o Ninho – Residência Artística por um o Teatro do Encontro sem Fronteiras, contemplado pela Lei de fomento ao teatro da cidade de São Paulo. Mas é com o projeto Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro! Que vislumbramos criar uma ação continuada com os passageiros, que poderão se programar durante o ano de 2014 para assistir uma ação artística dentro do nosso ônibus, sempre às 20h. Essa regularidade é fundamental para uma formação de público, para um conhecimento profundo da vida que pulsa neste espaço.
E a história de que o ônibus de vocês estava sem garagem? Resolveram?
Essa novela é longa e existe desde quando iniciamos nossa proposta de pesquisa. Ter um ônibus urbano, combustível, motoristas, garagem e manutenção são labutas constantes. Como também ter verba para realizar nossos projetos artísticos. Mas essa é nossa luta!!! Desde 2007 já tivemos vários parceiros e agradecemos todos pela confiança e tempo que tivemos de parceria que as vezes durou três, dois, um ano ou três meses. Estamos lidando com empresários, com uma lógica capitalista e que quando percebem o investimento, ou quando a mudanças estruturais das empresas a primeira coisa que se corta são ações como as da Trupe Sinhá Zózima. Mas resistiremos sempre! Conseguimos mais um prazo com a empresa atual e hoje temos algumas propostas para guardar o ônibus que acabamos de financiar, pois é a única forma de dar continuidade na pesquisa da Trupe, vamos torcer para que tudo dê certo em 2014.
Por que vocês gostam de fazer peça dentro do ônibus?
Nossa, Miguel, eu até me emociono em responder esta questão. Bom, eu moro há 30 anos no extremo leste da cidade de São Paulo (divisa com os bairros Vila Itaim e Jardim Romano), onde a população sofre décadas e décadas com enchentes, onde não há uma praça se quer, onde não há áreas de lazer e espaços para desenvolvimento artístico. Fui estudar teatro na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, viajava cinco horas por dia para fazer teatro, e de tanto estudar teatro dentro do ônibus no transporte público e de estar sendo questionado constantemente pela minha mestre Lídia Zózima sobre as possibilidades de expressão do humano, me veio o ônibus como possibilidade de transformação, como identidade e revelação do meu ser neste mundo cruel em que vivemos. É com o ônibus que buscamos promover este encontro com o humano dentro deste espaço que deixa o público tão imerso nas ações artísticas, tão intimistas, tão próximas e que carrega consigo a rua por onde passa. É tão inovador, instigante, desafiador e revelador fazer teatro neste espaço.
Suas peças sempre tem uma poesia única que dialoga com a cidade…
O ônibus transporta memórias de trabalhadores como meu pai, que perambulam no escuro, que não vêm o sol do seu bairro por dias e dias a fio. Pois saem de casa para trabalhar ás 4h30 da manhã e voltam às sete da noite. Meu bairro, minha cidade, meu país é construído diariamente por pessoas que deixam suas vidas dentro do transporte público. Tenho o teatro no ônibus como missão.
Como surgiu a Trupe Sinhá Zózima?
A Trupe Sinhá Zózima surgiu do encontro com seis atores que se formavam no final 2006 na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, assim como surgiu muitos e muitos grupos de teatro. Surgiu do encontro com professores e mestres que sempre nos incentivou. Mas, principalmente, surgiu da possibilidade de pesquisar o ônibus urbano como espaço cênico, na busca por um teatro do encontro sem fronteiras.
Quem integra a companhia hoje em dia?
Os que estão desde 2007 sou eu, a Tatiane Lustoza e a Priscila Reis. Mas a Trupe contou e conta com a parceria de tantos artistas como: Luciana Ramin, Junior Docini, Leonardo Cônego, Cleide Amorim, Tatiana Nunes Muniz, Maria Alencar, Alessandra Della Santa, Christiane Forcinito, Danilo Dantas, Deborah Erê, Paula Venâncio, Roberta Giotto, Cláudia Barral, Rudinei Borges, Guilherme Kramer, Adalberto Lima, Roberta Forte, Thais Polimeni, Otávio Dias, Danilo Peres, Lídia Zózima, Sérgio de Azevedo, Andrea Cavinato, Pedro Moura, Alexandre Lindo. Nossa tem muita gente ainda…
O que vocês acharam de Dentro É Lugar longe ser eleito o melhor espetáculo de 2013 pelos internautas do R7?
É uma honra, de verdade. Às vezes sofremos muito preconceito com a nossa pesquisa, com a quantidade de público que atingimos por espetáculo. Alguns falam: “só 32 duas pessoas por apresentação?” Uma votação como essa é prova que estamos na memória de muitas pessoas, que muitos torcem pelo nosso trabalho. E que estamos atingindo no Terminal Parque Dom Pedro II o imaginário poético de 200 mil pessoas que se deslocam por toda a cidade de São Paulo, e não apenas de 32 como muitos pensam. Estamos fazendo parte de um momento histórico do teatro de grupo paulistano e temos muito orgulho disso. Existem grupos de teatro como os Pombas Urbanas que transformaram um galpão na Cidade Tiradentes, a Brava Companhia que transformou o Sacolão das Artes, os Satyros que transformou a praça Roosevelt. São grupos como outros tantos que encontram espaço para transformar a cidade onde moramos.
Interessante você falar isso de o espetáculo ficar no imaginário. Muitas vezes não vemos uma peça, mas ela de alguma forma fica no imaginário da gente…
Sim, Miguel. Eu não assisti nenhum dos espetáculos da Trilogia Bíblica do Teatro da Vertigem na década de 90, eu era criança, mas eles semearam o imaginário poético do teatro paulistano, do teatro brasileiro. Desbravar e transformar estes espaços, em lugares de poesia… É para quem tem coragem! E como diz o texto de Rudinei Borges na peça Dentro É Lugar Longe: “E coragem é coisa rara. Porque coragem, vos digo, coragem não é braveza. Coragem é danação. E danação é ter peito e pé para deixar rastros fundos no mundo”. Fico louco quando as pessoas não tem a dimensão do que estamos fazendo, do que a arte pode fazer para uma sociedade.
Qual a avaliação do ano de 2013 para o grupo? Qual a expectativa para 2014?
Puxa, 2013 estamos encerrando com chave de ouro! Estreamos o Dentro É Lugar Longe, peça que toca o coração das pessoas, que traz a história de vida como pedra preciosa que devemos contar, celebrar, cultivar. Ainda mais nestes tempos onde os encontros e as conversas estão cada vez mais raros e tecnológicos. Tenho muito carinho e tenho certeza que ainda vamos fazer muitas apresentações. Viajamos pelo Circuito Cultural Paulista com o Cordel do Amor sem Fim que já completa mais de 450 apresentações desde 2007, fomos para seis cidades, em seis ônibus diferentes. Foi uma conquista, uma experiência inesquecível, lançamos o livro Teatro no Ônibus – Pesquisa Cênica da Trupe Sinhá Zózima– de Rudinei Borges e o belíssimo Documentário da Luciana Ramin Plantar no Ferro Frio do Ônibus o Ninho. Muitas conquistas. E para 2014 estamos iniciando este projeto ousado Toda Terça Tem Trabalho, Tem Também Teatro! espero que consigamos verba para concretizá-lo até o fim, com ações não só da Trupe Sinhá Zózima, mas também estamos convidando grupos que de algo forma possam contribuir para essa pesquisa do ônibus como espaço de democratização e descentralização do acesso as artes.
Qual é a cara do teatro feito pela Trupe Sinhá Zózima?
É uma pergunta tão difícil, pois sempre estamos nos transformando e o diálogo com teóricos como Paulo Freire, Gaston Bachelard, Michel de Certeau, Martin Buber e com passageiros do transporte público sempre nos direcionam e dão forma ao nosso teatro. Buscamos nos aproximar das pessoas, das suas sensações, das suas histórias de vida, da vazão ao imaginário poético, a memória antiga atrofiada pela dureza dos tempos. Buscamos quebrar com a lógica que o teatro é feito para poucos, que o teatro é a arquitetura cênica. Não, o teatro é o encontro do artista com o povo! É aí que mora o fenômeno teatral. O ônibus como símbolo do popular aproxima e favorece estes encontros, assim como a rua, mas com características diferentes. O Rudinei Borges define o teatro da Trupe Sinhá Zózima de uma forma que gosto muito, ele diz: “é a procura por uma estética do simples, marcada pela presença arrebatadora do ator em cena e da cidade que se move, em luzes, dentro do ônibus. Não consigo desvincular desta estética a força da palavra e a força da imagem que se circunscreve no espaço do ônibus. Há mesmo uma procura por tornar o espaço um ninho ou sala de casa de avó, casa do interior do Brasil. É uma estética da saudade”. É o que buscamos com o nosso ônibus: a casa antiga que deixamos de vivê-la todos os dias. E como escreve Gaston Bachelard “(…) a casa é o ninho do homem no mundo”.
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