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Espetáculo conta a história real de uma escrava lutando pela própria liberdade

Edson Cardoso em A Negra Felicidade

Edson Cardoso em cena na peça “A Negra Felicidade” – Foto: Guga Melgar/Divulgação

Por BRUNA FERREIRA*

Duas peças do diretor Moacir Chaves entram em cartaz em São Paulo nas próximas semanas. Uma é A Negra Felicidade, que faz sua estreia em São Paulo, após mais de um ano de apresentações no Rio de Janeiro. A outra é Labirinto, a primeira montagem do grupo Alfândega 88. Trazendo à tona temas como a exploração do homem pelo homem, a diversidade sexual e a emancipação da mulher, os espetáculos de forte cunho social terão sessões gratuitas na Caixa Cultural São Paulo.

A Negra Felicidade é baseada na história real de uma mãe livre que luta pela liberdade de sua filha ainda escrava, no Brasil do século XIX. O texto é todo baseado nos documentos deste processo encontrados na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Moacir conta que o espetáculo foge do realismo convencional.

— A gente toma o documento histórico como ponto de partida para uma atitude, uma reflexão, pois o que interessa é o nosso tempo. Refletimos sobre a nossa própria organização social a partir do texto histórico. Há muitos anos, fiz um espetáculo chamado A Violência da Cidade e, naquela época, fiz uma coleta de material muito grande. Também encontrei o tema no livro Visões da Liberdade, de Sidney Chalhoub.

Uma historiadora contratada pelo diretor teve a missão de transcrever a história, mas a linguagem permanece cheia de jargões do direito. O recurso é intencional para mostrar a frieza com que esse tipo de negociação era feita na época.

— A Negra Felicidade fala sobre a exploração do homem pelo homem. Nós somos um dos países com maior desigualdade social do mundo. Nos jornais da época, ao lado dos anúncios de escravos estavam os anúncios de aluguel de pessoas e trabalho. A ligação é imediata. A exploração do trabalho substitui a exploração do homem. As pessoas se identificam, pois ainda é presente. A gente não esquece do nosso sofrimento, da nossa contingência.

Peça fala sobre comercialização do homem – Foto: Guga Melgar/Divulgação

Quem também sobe aos palcos de São Paulo é Edson Cardoso. O ator baiano, de 41 anos, único negro na peça. Não sabe quem é ele? Então, talvez, você se lembre do apelido que ele usou na década de 1990, ao fazer fama no Brasil e no mundo como o dançarino do grupo É O Tchan. Jacaré atendeu à reportagem do Atores & Bastidores em pleno feriado no Rio de Janeiro, logo após dar comida ao seu primeiro filho, Rafael.

Ele conta que o texto é todo recortado pelo Sermão de Santo Antonio aos Peixes, do padre Antonio Vieira, e que a plateia tem uma função participativa. Em alguns momentos ela é o réu, em outros vira os jurados e até o juiz.

— É uma época de transição, pois o negro não podia sequer entrar no tribunal para brigar pelo seu próprio direito de liberdade. E tudo aconteceu de verdade, perto da gente, nas ruas em que passamos todos os dias no Rio de Janeiro.

Edson, o Jacaré, conta histórias reais de discriminação pelas quais passou durante a vida e reforça a ideia de que essa memória perversa da nossa história não pode ser esquecida de maneira alguma.

— Já sofri discriminação várias vezes na vida. Uma vez em São Paulo, fui a um shopping, bem no comecinho do sucesso do grupo [É O Tchan] e fui até uma loja de grife. Eu vi uma calça que achei bonita e perguntei para a vendedora que numeração ela tinha. Ela virou e me disse: “Custa R$ 100”. Não foi isso que eu perguntei, entende? Em Salvador mesmo, a polícia me parou e além dos documentos, queria a nota fiscal do carro, pois não acreditava que eu pudesse ter um carro daqueles. Nós já conseguimos muito espaço, mas não podemos deixar esquecer. O ser humano, seja negro, cego, homem, mulher precisa ser respeitado como tal.

A segunda peça de Moacir a entrar em cartaz em São Paulo é Labirinto. O espetáculo é uma comédia que reúne três textos do autor gaúcho José Joaquim de Campos Leão, mais conhecido como Qorpo Santo, que viveu de 1829 até 1883. Os textos antecipam questões de cunho social como a liberdade sexual, o direito ao prazer, a emanicipação femininas e outros.

Engajado nas duas peças, Moacir fala sobre o mito de que o brasileiro é um povo sem memória. Nas palavras do diretor teatral, tudo não passa de estruturas de poder, construídas para manter o controle de uns sobre os outros.

— Essa é uma mentira absoluta. Essa é uma prática das elites brasileiras, organizada para ser dessa maneira. Os problemas deixam de ser falados, os processos contra corrupção, por exemplo, não são levados até o fim. Tudo é feito para que seja esquecido. Veja a privataria tucana no governo Fernando Henrique Cardoso e o mensalão? Só é lembrado quando é conveniente.

Fernando Lima na comédia “Labirinto” – Foto: Giga Melgar/Divulgação

 

*Bruna Ferreira é repórter do R7. É formada em jornalismo pela Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP (Universidade de São Paulo), onde cursa mestrado.  Ela escreve interinamente neste blog até 18/2/2014, período de férias do colunista Miguel Arcanjo Prado.

 

A Negra Felicidade
Quando: 30 e 31 de janeiro; 1 e 2 de fevereiro, 19h15. Tradução em libras no dia 02/02/2014
Onde: Caixa Cultural São Paulo (Praça da Sé, 111, metrô Sé, São Paulo, tel. 0/xx/11 3321-4400)
Quanto: Grátis (retirar ingressos na bilheteria com 1h de antecedência)
Classificação etária: 14 anos

Labirinto:
Quando: 06/02/2014 a 09/02/2014, 19h15; Tradução em libras no dia 09/02/2014
Onde: Caixa Cultural São Paulo (Praça da Sé, 111, metrô Sé, São Paulo, tel. 0/xx/11 3321-4400)
Quanto: Grátis (retirar ingressos na bilheteria com 1h de antecedência)
Classificação etária: 14 anos

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