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Entrevista de Quinta – Lee Taylor divide direção com Luiz Claudio Cândido e quer foco no ator

Luiz Claudio Cândido e Lee Taylor: direção a quatro mãos em LILITH S.A. – Foto: Bob Sousa

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos de BOB SOUSA

Nada mais natural que dois atores lapidados por um dos mais exigentes diretores da história do teatro brasileiro fossem também exigentes e focados no trabalho da atuação quando na direção. Lee Taylor e Luiz Claudio Cândido, que passaram pelo CPT (Centro de Pesquisa Teatral) de Antunes Filho no Sesc Consolação, dizem que o foco agora é o trabalho do ator.

Eles dirigem a quatro mãos LILITH S.A., peça que estreia na próxima segunda (24) no Espaço Beta do Sesc Consolação, em São Paulo, e que marca o reencontro dos dois com o espaço fundamental em suas respectivas formações. A montagem é a primeira peça teatral do NAC (Núcleo de Artes Cênicas) fundado por Lee há cerca de um ano.

O espetáculo mostra uma empresa à beira da falência justo quando comemora seu centenário. Na festa de comemoração, os funcionários revelam desejos mais ocultos. O texto, produzido pela equipe com colaboração dramatúrgica de Michelle Ferreira, partiu do mito de Lilith, cujas lendas dizem ter sido a primeira mulher de Adão.

No elenco, estão Camila de Maman Anzolin, Fernando Oliveira, Frann Ferraretto e Renata Becker. Fran Barros, que acaba de ganhar o Prêmio Shell de melhor iluminação por Vestido de Noiva, assina a luz. Hercules Morais faz a assistência de direção.

Numa tarde nos arredores do Sesc Consolação, Lee e Luiz conversaram com o Atores & Bastidores do R7 para esta Entrevista de Quinta. Falaram sobre o espetáculo e planos para o futuro.

Leia com toda a calma do mundo.

Amizade no teatro: Lee Taylor e Luiz Claudio Cândido fizeram artes cênicas juntos na USP – Foto: Bob Sousa

Miguel Arcanjo Prado — Como vocês se conheceram?
Luiz Claudio Cândido – A gente se conheceu no curso de graduação em Artes cênicas, na USP.
Lee Taylor – Fomos da mesma turma de graduação na ECA [Escola de Comunicações e Artes] em 2002. Chegamos a realizar alguns trabalhos juntos na época, antes da minha entrada no CPT [Centro de Pesquisa Teatral, dirigido por Antunes Filho], e agora retomamos a parceria. Já o Hercules Morais, assistente e artista pedagogo do NAC, foi participante de um dos CPTzinhos em que ministrei aulas.

Como é dirigir a quatro mãos? Vocês brigam muito?
Lee – Antes de mim, o Luiz já tinha passado pelo CPT e esse é um fator bem importante para a afinidade artística entre nós no trabalho realizado no NAC, pois além da USP, também temos o CPT como experiência em comum. Acho a proposta de uma direção compartilhada bastante desafiadora, que vai ao encontro do espírito de coletividade inerente ao teatro. No caso de LILITH S.A., todo o processo de criação de cenas partiu dos atores, a direção trabalhou para potencializar, estruturar, alinhavar, dar condições e estimular a autoria de cada integrante do elenco. Uma ou outra criação de cena partiu da direção, porém apenas para dar corpo à encenação. Acredito que múltiplas visões tornaram o trabalho mais complexo e rico de camadas. Tivemos liberdade absoluta para interferir e modificar no que fosse necessário para a obra, e isso só foi possível porque colocamos a obra e a coletividade em primeiro lugar. O embate criativo é natural, pois todos buscam contribuir com sua sensibilidade e singularidade para a criação do trabalho, mas o diálogo artístico se estabeleceu em alto nível com bastante maturidade. O grande diferencial desse trabalho e o nosso diferencial (meu e do Luiz), é usar a encenação como processo artístico-pedagógico. Em LILITH S.A. nosso trabalho está a serviço dos atores e não o contrário. Acima da encenação e dos diretores está o aprendizado dos atores ao passar por essa experiência.
Luiz – É um exercício constante, desafiador e profundamente valoroso, de olhar para si e para o outro. Não é só ir lá e dirigir e pronto. Não, você tem que se encontrar consigo mesmo e com o outro. E é deste encontro que surge algo vital para os dois: no nosso caso, tudo aquilo que está no nosso espetáculo. É necessário que você preste atenção tanto em você mesmo quanto no outro e isso, nos dias de hoje, já dá bastante trabalho. Aprender a ouvir, a ceder, a se posicionar, a respeitar as fragilidades de cada um, etc., etc. É um exercício de alteridade. Com o desenrolar do processo criativo a gente foi afinando tanto a relação um com o outro que começamos a entender até aquilo que não era dito com palavras, mas com um olhar, um movimento da cabeça, uma respiração… Ah! E tudo isso, claro, mergulhado em muito, muito trabalho diário de séria e rigorosa pesquisa teatral. Por mais incrível que possa parecer, não me lembro de ter brigado com o Lee. Tivemos muitos embates criativos nos quais cada um defendeu suas ideias, seus pontos de vistas, suas escolhas estéticas, mas briga nunca. O Lee é generoso, inteligente e sensível, qualidades fundamentais em um artista.

Lee Taylor e Luiz Claudio Cândido: embate criativo, mas sem brigas – Foto: Bob Sousa

Por que mexer com o mito da criação da humanidade?
Luiz – Para mim, vem de uma inquietação, de uma vontade de olhar mais atentamente para a humanidade em si, diante do contexto histórico atual: quais são os valores que estão nos norteando? Como estes valores regem as relações entre os seres humanos, entre estes e a natureza? O que é a humanidade hoje? Olhar para a humanidade não como algo natural, mas construído historicamente e que, portanto, pode ser modificada, reinventada.
Lee  – É uma oportunidade de problematizarmos a condição humana e olharmos com estranhamento para certos paradigmas que aparentemente estão sendo descontruídos, mas que ainda carecem de tempo para se consolidarem. Além disso, a configuração do elenco, composto por três mulheres e um homem, influenciou bastante na escolha do mito de Lilith. De alguma forma o mito se manifestou nas primeiras improvisações anteriores a escolha de Lilith como material de criação. O preponderante no espetáculo é a questão da insatisfação da mulher quando colocada em uma posição de submissão em relação ao homem. O confronto, fruto dessa tensão, é um tema extremamente contemporâneo e que merece ser discutido por uma perspectiva dialética, para isso recorremos ao universo shakespeariano.

Lee, como é voltar ao Sesc Consolação sem ser do CPT?
Lee – Eu me sinto em casa, conheço praticamente todos os funcionários, o Sesc Consolação é um espaço privilegiado em São Paulo. Fiz questão de estrear o primeiro espetáculo da primeira turma do NAC no Espaço Beta e agradeço ao Felipe Mancebo [gerente do Sesc Consolação] e a sua equipe por acreditar no trabalho.

O Antunes já cruzou contigo nos corredores, como foi?
Lee – Sempre nos cruzamos, praticamente toda semana, estou sempre no Sesc, nada mudou na nossa relação depois de um ano da minha saída do CPT. O Antunes não gosta muito de ir às estreias, por isso ele já combinou comigo que vai aparecer no decorrer da temporada.

O que vocês planejam para o NAC neste ano?
Lee – Este ano será fundamental para a consolidação do NAC como espaço de pesquisa teatral continuado em São Paulo. Em breve estarão abertas as inscrições para o processo seletivo do curso Poética do Ator. No ano passado tivemos quase 500 inscritos para 20 vagas e já temos mais de 600 interessados cadastrados pelo site do NAC aguardando a seleção da nova turma. Logo após a estreia do espetáculo divulgaremos as novidades para esse ano.

Qual é o objetivo do NAC?
Lee – Para além das palavras e das ideias bem intencionadas, o objetivo do NAC está sendo esboçado na prática e pode ser visto neste espetáculo. Tivemos a oportunidade de promover um processo que favoreceu a emancipação artística de cada um dos atores envolvidos. Se esses quatro atores não se tornarem grandes atores no futuro, pois já demonstraram essa potencialidade durante os ensaios, serão no mínimo pessoas com uma sensibilidade diferenciada e mais conscientes de si próprias. O espetáculo é um desafio para todos os envolvidos, é bastante radical e arriscado nesse sentido, pois tudo depende da sensibilidade dos atores na cena. Mas o elenco realiza cenas de grande dificuldade de maneira sublime e com muita sensibilidade. Essas últimas semanas, Luiz e eu viramos espectadores e ficamos comovidos com atuações extremamente poéticas desempenhadas por cada um dos atores. Não quero gerar expectativas, mas acredito que o público que puder conferir o espetáculo vai se surpreender com uma atuação de alto nível.

Como vocês selecionaram o elenco do espetáculo?
Luiz – Assisti o exercício final do Módulo 1 de todos os participantes do curso do NAC. Depois teci meus comentários com o Lee e fomos realizando a difícil tarefa da seleção. Difícil porque o nível dos artistas era muito bom, eles estavam muito bem preparados técnica e sensivelmente. Mas era necessária a seleção e acredito que fizemos ótimas escolhas.
Lee – Foi uma etapa bastante difícil que demandou dias de discussões entre mim, o Hercules e o Luiz. Depois de três meses de curso todos os 20 atores que ingressaram no NAC demostraram grande capacidade e interesse em participar da montagem, mas, infelizmente, por uma questão de aprofundamento do trabalho já prevíamos a escolha de poucos atores para a construção do espetáculo. Levamos em consideração toda potencialidade artística e singularidade dos envolvidos além do desempenho de cada um durante a primeira etapa do curso. Outro fator importante foi uma busca por reunir atores que pudessem se configurar como um coletivo forte e criativo. No entanto, o principal fator foi a disponibilidade do elenco em se arriscar artisticamente num trabalho que não faz concessões, no qual o foco principal é o desenvolvimento do trabalho do ator, e que, por esse motivo, exige dos atores um posicionamento crítico e artístico além de uma plena responsabilidade pela criação e um amplo compromisso com o espetáculo como um todo.

Lee, como vai o mestrado [em artes cênicas] na USP?
Lee – Restam apenas alguns meses para a conclusão da dissertação sobre pedagogia do ator que venho desenvolvendo sob orientação da professora doutora Maria Thais. Por conta da finalização do espetáculo do NAC não tenho conseguido me dedicar o quanto gostaria, mas a partir da próxima semana pretendo voltar a dar prioridade à escrita.

O que vocês pretendem no futuro?
Lee – Tenho recebido alguns convites para atuar em teatro, cinema e televisão, mas nada até agora me deu mais prazer artístico do que fazer parte desse processo que estamos desenvolvendo no NAC, por isso pretendo continuar dando prioridade a esse trabalho.
Luiz – Aqui no NAC a gente vivencia muitas coisas durante o processo de criação. É um processo artístico e pedagógico que nos transforma como artista e como Homem. Não tem como sairmos do mesmo jeito que entramos. É muito estudo, rigor, horas e horas de dedicação ao trabalho, muitas e muitas cenas criadas e abandonadas e recriadas e retomadas e muitas vozes discutindo, pensando arte coletivamente. E isso é completamente apaixonante, alegre, celebrativo. O que eu pretendo é que venham outros processos criativos no NAC tão ricos quanto o da LILITH S.A. Vida longa ao NAC!

LILITH S.A.
Quando: Segunda e terça, 20h. 60 min. Até 29/4/2014
Onde: Espaço Beta do Sesc Consolação (r. Dr. Vila Nova, 245, Vila Buarque, São Paulo, metrô Santa Cecília, tel. 0/xx/11 3234-3000)
Quanto: R$ 10 (inteira); R$ 5 (meia-entrada); e R$ 2 (comerciários e dependentes)
Classificação etária: 12 anos

Lee Taylor e Luiz Claudio Cândido: eles querem colocar o NAC no mapa teatral – Foto: Bob Sousa

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