Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos de BOB SOUSA
Foi só a atriz Fernanda Azevedo dizer quatro linhas a mais em seu agradecimento ao Prêmio Shell de melhor atriz, nesta última semana, que parte do mundo teatral resolveu crucificá-la.
Expliquemos.
A atriz, que faz a peça Morro como um País, na qual conta as agruras do golpe militar no Brasil que ainda chegam até nós, resolveu trazer a informação no palco de que a Shell foi uma das empresas que apoiaram a ditadura. Diante da situação inesperada, o clima foi de perplexidade.
O dilema não está no que Fernanda disse, afinal, ela exerceu sua liberdade de expressão. Ele está nas reações que ela provocou.
BRUNO MACHADO: Fernanda Azevedo tem direito à incoerência
KIL ABREU: Fernanda Azevedo desafiou a fantasia e apanhou
Ainda vivemos em uma democracia, é sempre bom lembrar. Como também é importante reiterar que artistas costumam ser questionadores e apresentar novas formas de ver o mundo.
A reação contrária a Fernanda surgiu em parte da classe artística, sobretudo nas redes sociais, aproveitando a impunidade das relações virtuais. E que bom que todos têm o direito democrático de manifestar-se.
Muitos tomaram as dores da Shell e criticaram Fernanda com veemência. A transformaram em um pária. Diante da fúria de alguns, até parecia que a atriz havia cometido um crime. Como ela pôde se rebelar contra uma grande empresa que lhe honrou com um prêmio?
Houve até quem baixasse o nível da discussão, afirmando que ela foi à festa, comeu e bebeu champanhe, para depois criticar. Como um cachorro que não reconhece o dono e morde a mão que lhe dá de comer.
Leia entrevista exclusiva com Fernanda Azevedo
Veja a cobertura completa do Prêmio Shell de Teatro de SP
Diante de tudo isso fica a questão: será que o fato de uma multinacional do petróleo oferecer alguns quitutes e bebidas à classe teatral é o suficiente para toda esta defesa passional? Ou o ataque explícito à atriz é um pedido de “me premiem, por favor, que não faço a desfeita”.
Não custa nada lembrar que uma grande empresa oferecer comes e bebes em uma premiação nada mais é do que uma ação de marketing. Tudo em troco de fotografar os artistas com seu logo atrás. Como foi feito com Fernanda e todos que estavam na Estação São Paulo na última terça (18). Isso não é beneficência. O preço sai até barato diante da propaganda espontânea.
BRUNO MACHADO: Fernanda Azevedo tem direito à incoerência
KIL ABREU: Fernanda Azevedo desafiou a fantasia e apanhou
No afã contra a colega, houve até quem dissesse que Fernanda não poderia criticar o Shell, já que levou os R$ 8.000 do prêmio. Mais um argumento falacioso. Afinal, se o júri acha que ela mereceu e resolveu concedê-la, ela tem direito de ir, receber e falar mal do prêmio se assim desejar.
Convenhamos, R$ 8.000 é uma quantia infinitesimal diante da receita da Shell, que é de quase US$ 500 bilhões, com lucro anual de mais de US$ 30 bilhões nos mais de 140 países onde atua, o que a coloca entre as três maiores empresas do mundo. E todo esse lucro, não custa nada reforçar, é feito com o suor de muita gente que parte do teatro prefere esquecer, enquanto artistas como Fernanda ainda insistem em lembrar.
Leia entrevista exclusiva com Fernanda Azevedo
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Ps1. No fatídico 1968, a polêmica se deu porque os artistas do teatro paulista resolveram devolver os prêmios Saci ao jornal O Estado de S. Paulo, por este defender a censura em um editorial. Uma importante atriz encabeçou a lista do protesto. Seu nome era Cacilda Becker.
Ps2. O mesmo jornal publicou, nesta semana, que a MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo), cuja primeira edição neste mês foi sucesso de público, deveria repensar a gratuidade dos ingressos, sugerindo explicitamente que o evento tenha entrada paga na próxima edição. Pela lógica apresentada, se lotou demais não é bom. A saída seria cobrar ingresso e tirar o povo da parada. Para que gente que não pode pagar precisa de espetáculo internacional? E esqueçamos todos que parte da conta da MITsp foi paga com dinheiro público. Assim, a solução apresentada nada mais é do que a revogação do direito a um bem cultural por parte de todos os cidadãos que o financiaram. Salvo a distância, revogação de direitos civis é algo que foi mote 50 anos atrás neste País com apoio de parte da sociedade e de empresas beneficiadas, como Fernanda Azevedo bem lembrou em seu discurso.
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