Crítica: Conselho de Classe arrebata Festival de Curitiba com olhar sobre caos do ensino público
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Enviado especial do R7 a Curitiba*
Fotos de LINA SUMIZONO/Clix
Se num passado distante algumas escolas públicas brasileiras chegaram a ser exemplos de ensino de qualidade, hoje o ensino público virou sinônimo de completo descaso e caos. Uma verdadeira balbúrdia na qual professores mal remunerados precisam enfrentar, sozinhos e desamparados pelas autoridades, o nível abissal da educação de um País que, ironicamente, teve um Paulo Freire.
A Cia. dos Atores, do Rio de Janeiro, expõe esta dura realidade de forma inventiva, mas também ferina, na peça Conselho de Classe, apresentada no Sesc da Esquina, dentro da programação da mostra oficial do 23º Festival de Teatro de Curitiba. A obra é exemplo do melhor teatro possível. Aquele que revela e questiona sua sociedade.
Com humor refinado e discurso perspicaz, a dramaturgia de Jô Bilac consegue agarrar a plateia para dentro da história. A identificação com aquele cenário de escola pública no palco é imediata, sobretudo para quem estudou a vida inteira em instituições de ensino municipais, estaduais ou federais – como é o caso deste vosso crítico teatral.
As diretoras Bel Garcia e Susana Ribeiro imprimem ritmo intenso e inteligente à encenação e conseguem levar o público para a convenção proposta. Esta mostra um grupo de professoras, todas interpretadas por atores homens, em um conselho de classe de fim de ano improvisado – já que a maioria sequer apareceu e preferiu ir à praia, culpa do verão infernal carioca, que também serve de metáfora para a panela de pressão prestes a explodir que é a própria escola.
As educadoras precisam resolver uma crise política na qual a instituição está mergulhada, após uma revolta dos alunos insuflada por uma das docentes. Um diretor provisório (um intenso Paulo Verlings), enviado pela Secretaria de Educação, precisa acalmar os ânimos naquela quadra que mais parece um campo onde a guerra fria de tempos atrás se tornou peleja real, com quase mortos e feridos.
Em sintonia, Cesar Augusto, Leonardo Netto, Marcelo Olinto e Thierry Trémouroux dão vida às professoras. Cada qual faz uma construção minuciosa de sua personagem. Todas facilmente parte da realidade de qualquer escola pública brasileira.
Está lá a professora que as décadas de magistério tiraram da sala de aula e a colocaram na biblioteca, mas que resiste bravamente em ser descartada. Também está presente aquela mais preocupada em vender seus cosméticos e bugigangas às colegas do que com o ensino. Ainda há lugar para a cética professora de educação física com leves pitadas de tirania, defensora da ordem acima de tudo e sabedora das artimanhas legais para defender sua mediocridade. E, claro, existe, acuada, a professora de artes idealista que acaba por perceber que a realidade é bem mais complexa do que lhe ensinou a cartilha da universidade.
Em Conselho de Classe, a Cia. dos Atores presta um serviço importante ao País ao levar para o holofote do palco do maior festival teatral brasileiro uma discussão que poucos gostam de fazer, sobretudo os governantes: o abismo no qual está mergulhada a educação pública brasileira, sobretudo as de níveis fundamental e médio.
Ao ver a peça, que consegue a proeza de ser leve e bem-humorada ao mesmo tempo em que é inteligentíssima em sua confrontação, o público ri de nervoso, porque está também tão descrente quanto aquelas professoras no palco.
E o que esperar de um País onde todos – população e governantes – já deram como vencida a guerra por uma educação de qualidade no ensino público. É a pergunta que fica no ar, com sabor amargo.
O que o grupo de artistas da Cia. dos Atores faz é dar um grito artístico que esfrega na cara da sociedade o mal que a resignação faz. Com mediocridade e olho para o próprio umbigo, nenhuma mudança se faz.
Conselho de Classe deveria ser vista por todos os educadores e gestores de educação do País e, mais ainda, pelos políticos corruptos que costumam roubar até a verba da merenda escolar, empurrando a nossa educação ainda mais para o fosso que parece sem fundo.
Conselho de Classe
Avaliação: Muito bom
*O jornalista Miguel Arcanjo Prado viajou a convite do Festival de Teatro de Curitiba.
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