A poesia do sotaque peruano de Marba Goicochea
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos de EDUARDO ENOMOTO
Numa cidade feita de gente de toda parte do Brasil e do mundo, cada qual carregando o seu sotaque, sua cultura, a fala da atriz peruana Marba Goicochea é a cara de São Paulo.
O teatro paulistano, que afirma sempre por aí ter pretensões de dialogar com a diversidade a seu entorno, precisa saber que artistas como ela são fundamentais.
Por isso, a ausência de Marba Goicochea nos palcos empobrece a arte e a cidade.
Marba fez sucesso em peças como El Truco, com Os Satyros, em 2007, e Máquina de Dar Certo, com a Cia. Bruta de Arte, dirigida por Roberto Audio, em 2012.
Sempre utilizando sua figura ímpar como potência poética.
Marba veio de Lima, no Peru, já faz mais de dez anos. Até pouco tempo atrás, morava na praça Roosevelt, reduto do teatro paulistano, onde tem amigos por todos os lados.
Agora, está na vizinha rua Avanhandava, onde há menos barulho de skates e bares, permitindo um sono melhor. Afinal, ela acorda cedo para dar suas aulas de espanhol.
A atriz é doce. Tem uma energia do bem. Que encanta e comove. Passar um tempo ao lado de Marba mexe com a gente.
É com essa doçura que ela posa para o fotógrafo Eduardo Enomoto no Memorial da América Latina. Tímida, vai ouvindo as dicas. Aprende rápido. Faz bonito.
Depois, debaixo de uma sombra, tenta, com o português mais lindo do mundo, explicar sua ausência nos palcos. Diz não foi uma decisão só sua. Foram circunstâncias da vida. E também de oportunidades que não chegaram. Mas vão chegar.
Seu retorno foi no último festival Satyrianas, no fim de 2013, na peça Escola de Tiranos, dirigida por Fransérgio Araújo, com a pesquisa Teatro Selvagem da Cia. Ópera Ritual.
Mesmo no horário das 4h da madrugada houve fila e disputa por entradas. Muitos saíram falando que o grande charme era a menina que falava castelhano.
Por mais que ela seja tímida, sempre é assim quando ela é colocada sob os holofotes.
Marba gosta de trabalhar em processos colaborativos. Onde possa propor algo como artista. Assim será na performance Estylhaço Black!_Obra-Player, uma série de intervenções no espaço urbano, misturando realidade e ficção a partir de junho. A direção é de Pedro Paulo Rocha, filho do cineasta baiano Glauber Rocha, um dos maiores nomes do cinema brasileiro.
Enquanto outras oportunidades não vêm no teatro, no cinema e na TV, ela aproveita o tempo livre para estudar.
Já é formada em cinema e TV no curso de Ciências da Comunicação da Universidad de Lima. E também se formou em musicoterapia no Brasil. E acaba de trancar o oitavo semestre de psicologia para investir no curso de licenciatura em português e espanhol.
Revela que quer melhorar a língua falada de seu cotidiano brasileiro e ainda obter titulação para continuar suas aulas de espanhol em escolas também – Marba é professora requisitada na cidade, reverenciada por alunos que vão de empresários a crianças.
Se a língua máterna caminha junto de seu português, o sotaque sempre foi um fantasma. Que conseguiu assustá-la muitas vezes.
Marba já escutou que precisava perder seu sotaque a qualquer custo. Senão, não teria trabalho. Mas – ainda bem – ouviu de gente mais sensível que seu sotaque trata-se, justamente, de seu bem mais precioso, seu diferencial expressivo.
Num mundo tão pasteurizado pela televisão, que uniformiza tudo e todos, é fundamental que o teatro abra espaço para a resistência de distintos sons. Sons que são realidade na metrópole cosmopolita.
Marba sabe que precisa enfrentar o preconceito por falar diferente dos demais. Mas, pelo menos, já desistiu de se tornar igual a todo mundo. O que faz muito bem.
“Fico triste que ainda exista este tipo de preconceito, porque queria trabalhar muito mais. Já cheguei a pensar: será que eu devo mesmo perder o sotaque? Amo atuar. Ficar longe da minha profissão é muito duro. É triste. Quem é contra o sotaque internacional, também vai ser contra o sotaque baiano, mineiro… É um preconceito retrógrado nesta época de tanto intercâmbio mundial. Falar que eu preciso perder o sotaque é o mesmo que dizer que o brasileiro precisa se adaptar ao inglês americano para conquistar algum lugar no mundo. Por que tem de perder o sotaque? Se ele é justamente a nossa riqueza? É a diferença que deixa a vida mais bonita”, diz.
Marba está coberta de razão.
Agradecimento: Memorial da América Latina (Marília Balbi); Carmem San Diego (maquiagem); Finéias (cabelo) e Otto Barros.
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