Entrevista de Quinta: “Prédio e cultura podem coexistir”, diz Guilherme Marques do CIT-Ecum

Vitória da especulação imobiliária? O teatro CIT-Ecum, dirigido por Guilherme Marques em São Paulo, está com seu fim decretado para o próximo dia 30 de junho – Foto: Bob Sousa

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos de BOB SOUSA

A figura da namoradeira pensativa na janela para o pátio interno do casarão localizado em uma das ruas mais movimentadas do centro paulistano cria a ilusão de que estamos em Minas Gerais.

Quando entramos na cozinha, a sensação é ainda mais interiorana. Estão lá o filtro de barro com água fresca e o café recém-coado estão à nossa espera.

Sentado na mesa de madeira do espaçoso e iluminado cômodo está Guilherme Marques, diretor geral do CIT-Ecum (Centro Internacional de Teatro Ecum). Apesar da calma na fala, seu rosto denuncia a tensão do momento. E não é pelo resultado do Brasil na Copa do Mundo, que começa nesta quinta (12).

No próximo dia 30, se o cenário desfavorável não mudar, Marques terá de juntar sua equipe de 15 pessoas e deixar o colorido imóvel na rua da Consolação, 1623.

Após um ano e dois meses de atividades que envolveram boa parte da classe e do público teatral, com mais de mil postos indiretos de trabalho criados pela programação de qualidade capitaneada pelo diretor artístico Ruy Cortez, o lugar pode fechar suas portas por conta do interesse da proprietária de despejar os inquilinos e vender o imóvel para uma construtora.

A notícia agitou a comunidade teatral, que se mobiliza em redes sociais e até em campanhas junto ao poder público para tentar impedir o esmagamento da cultura pela especulação imobiliária.

Cidadão do mundo e mineiro de Peçanha, cidade com 17 mil habitantes, Marques conversou com exclusividade com o Atores & Bastidores do R7 sobre este complicado momento.

Leia com toda a calma do mundo.

Guilherme Marques, em frente à colorida fachada do CIT-Ecum: “Dói muito sair” – Foto – Bob Sousa

Miguel Arcanjo Prado — O CIT-Ecum vai fechar?
Guilherme Marques — O contrato finda agora, dia 30 de junho. Estamos tentando renegociar com a proprietária. A situação é delicada porque viemos na transição de um contrato antigo, que era do Teatro Coletivo, e, em um acordo com a família, o transformamos no CIT-Ecum.

Miguel Arcanjo Prado —Qual o prazo você pediu para prorrogar?
Guilherme Marques — Pelo menos mais seis meses. O ideal seria um contrato de cinco anos. Não sei se vamos conseguir reverter.

Miguel Arcanjo Prado — Vocês têm recebido muito apoio?
Guilherme Marques — Sim. Tem uma campanha forte na classe artística e até na revista teatral Antro Positivo em defesa dos teatros da cidade. Particularmente, eles a desenvolvem neste momento porque o espaço que está mais ameaçado é o CIT-Ecum.

Miguel Arcanjo Prado — Se tiverem de ir para a rua o que farão com todas as coisas do teatro?
Guilherme Marques —
É muito difícil abandonar este espaço… Já conversei com a Prefeitura que nos cedeu um depósito para deixarmos nosso acervo. É doloroso ter de desmontar uma casa com repercussão tão positiva. Dói muito. Mas eu sou do sertão, nasci na roça, tenho essa capacidade de renovação, de recriar, de buscar forças para ir atrás de um novo espaço.

Miguel Arcanjo Prado — Fervilha no teatro brasileiro a discussão sobre a especulação imobiliária. O Zé Celso e a turma do Teatro Oficina brigam com o Silvio Santos há anos. Os Fofos Encenam também quase fecharam o espaço deles e Os Satyros chegaram a anunciar que deixariam a praça Roosevelt. Como você avalia este cenário?
Guilherme Marques — Um diálogo é possível. A construtora não pode abrir o diálogo? Em vez de acabar com o teatro, não dá para anexar ao empreendimento um centro cultural? Eu entendo o lado do proprietário. Mas, é nosso papel abrir para o diálogo e trazer a comunidade para essa discussão de preservação de espaços importantes na cidade. São Paulo não pode só construir prédio, tem de ter cultura também. O movimento cultural também precisa prosperar e crescer. E isso é possível caminhar junto. Em Belo Horizonte, nós temos duas experiências interessantes: o Pedro Paulo Cava manteve o Teatro da Cidade em parceria com a construtora. E a Fundação de Educação Artística da Berenice Menegali também. Os espaços culturais coexistem maravilhosamente bem com os prédios acima deles.

Miguel Arcanjo Prado —Você vê possibilidade de isso acontecer em São Paulo?
Guilherme Marques — Sim. É preciso abrir o diálogo. Existe um movimento, Movimento dos Teatros Independentes de São Paulo, o MoTIn, que luta pela preservação dos teatros. A Erica Teodoro participa, representando o CIT-Ecum. Eles estão trabalhando muito.

 

Marques fala ao R7: “A construtora não pode abrir o diálogo? É possível coexistir prédio e cultura” – Foto: Bob Sousa

Miguel Arcanjo Prado — Quem são seus braços direitos no CIT-Ecum?
Guilherme Marques —
Gostaria de destacar o trabalho da equipe. O Rafael Esteinhauser, que é nosso diretor financeiro e tem sido um colaborador incansável. A Érica Teodoro, a nossa diretora de produção, e o Ruy Cortez, nosso diretor artístico pedagógico, são fundamentais. E o Fernando Mencarelli, que é nosso colaborador mais antigo, é nosso diretor artístico associado. A Ana Teixeira, do Rio, também é importante. Assim como a Maria Thais e o Antônio Araújo, na curadoria artística. O Antônio Araújo é mineiro também.

Miguel Arcanjo Prado — Se tiverem de fechar as portas aqui vocês vão para onde?
Guilherme Marques — É uma boa pergunta. Na verdade ainda não temos nada em vista. É difícil achar um espaço com este perfil de três salas. A programação foi pensada muito pelo perfil do espaço de ter uma programação onde pudesse ter até seis espetáculos acontecendo simultaneamente. Isso é raro. Não temos ainda um local certo em mente. Mas vamos buscá-lo se for preciso.

Miguel Arcanjo Prado — Quando fizeram o contrato vocês não pensaram que um dia ele iria acabar e vocês teriam de ir embora?
Guilherme Marques — Sim, pensamos. O Serginho, do Teatro Coletivo, tinha um contrato bem antigo. Aí começou uma conversa entre o advogado da família e levantou-se a possibilidade da venda do espaço. Mas também foi conversado, naquele momento, a possibilidade da renovação do contrato. Só que a coisa foi caminhando para outro rumo. Aí se consumou a intenção da venda do espaço.

Miguel Arcanjo Prado — Quantos vocês gastaram nas reformas?
Miguel Arcanjo Prado — Quase R$ 350 mil.

Miguel Arcanjo Prado — Vocês foram inocentes de gastar tanto dinheiro em reformar um lugar que não era de vocês e que o dono um dia pudesse pedir para vocês irem embora?
Guilherme Marques — Inocentes, não. Sabíamos do risco que estávamos correndo. Por acreditar, por sermos artistas, por queremos implementar na cidade um projeto como o CIT-Ecum, artístico e pedagógico… A nossa inocência, se houve, foi acreditar que reverteríamos a história. E isso não aconteceu.

Miguel Arcanjo Prado — Surgiu o movimento de tombamento do CIT-Ecum. Você acha que isso vai acontecer?
Guilherme Marques — Estamos muito felizes com esse movimento. Primeiro, porque começou de forma espontânea, pela Cooperativa Paulista de Teatro. Logo a revista Antro Positivo começou um movimento também. Vários artistas se propuseram a ajudar. Estamos conversando na esfera do município. Fomos ao Conselho Municipal do Patrimônio. Tem uma discussão muito interessante que é o pedido de tombamento do patrimônio imaterial, que surgiu no âmbito federal quando o Juca Ferreira, hoje secretário municipal de Cultura, foi ministro da Cultura. Estamos tendo um apoio da população, do movimento teatral, e a imprensa em geral tem nos apoiado muito, como você. A gente nunca sabe… Mas, acho que é possível reverter qualquer situação a partir da mobilização popular.

Miguel Arcanjo Prado —Existe a possibilidade de comprarem um lugar?
Guilherme Marques —
Não. Teríamos de ir para uma sala de produção. A ideia é conseguir um apoio governamental para ir para um teatro. Ou então, ir até para uma sala até reverter a situação.

Miguel Arcanjo Prado — São Paulo tem muitos espaços públicos sem utilização. Vocês gostariam de um convite do poder público para ocupar algum desses prédios ociosos?
Guilherme Marques —
Gostaríamos. Mas se tivermos autonomia para fazer o trabalho que fazemos aqui. Senão, ficamos engessados. As secretarias Municipal e Estadual de Cultura estão nos apoiando.

Um futuro para o CIT-Ecum: Guilherme Marques espera ajuda do poder público – Foto: Bob Sousa

Miguel Arcanjo Prado — Qual o objetivo do CIT-Ecum?
Guilherme Marques — Olha, Miguel, desde quando pensamos a programação com o Ruy Cortez, foi primordial esse diálogo com os coletivos teatrais. Isso foi muito importante para a casa. Isso é o Ecum desde o início. O Fórum foi pensado para isso.

Miguel Arcanjo Prado — Para quem não conhece a história de vocês, explique como chegaram aqui.

Guilherme Marques — O Fórum Mundial das Artes Cênicas surgiu em 1998, em Belo Horizonte. Levamos os grandes pensadores do teatro. Foram muitas caravanas e, desde então, ele desperta o interesse dos artistas. Em 2009, no Ano da França no Brasil, criamos um centro internacional de pesquisa em artes cênicas, que é o CIT-Ecum.

Miguel Arcanjo Prado — Vocês chegaram a São Paulo bem. O teatro fez muito barulho. E também criaram a MIT-SP, a Mostra Internacional de Teatro de São Paulo. Ela também pode acabar?
Guilherme Marques —
A MIT-SP surgiu em Belo Horizonte, após uma conversa que tive com o Antônio Araújo, do Teatro da Vertigem. Trabalhei no Festival Internacional de Teatro de Caracas, na Venezuela, em 1992, e o diretor Carlos Jimenez me perguntou como andava o “Festival da Ruth Escobar”, falando que marcou a cena latino-americana. Eu fique com isso na cabeça. Em 2008, retomei essa conversa com o Tor [Antonio Araújo], falando que São Paulo precisava de voltar a ter um festival assim. Com a mudança para São Paulo, apresentei o projeto e conseguimos de cara o apoio do Marcelo Araújo [secretário Estadual de Cultura], do Juca Ferreira [secretário Municipal de Cultura] e do Banco Itaú.

Miguel Arcanjo Prado — Mas a MIT-SP continua?
Guilherme Marques — A MIT-SP vai continuar no ano que vem. E gratuita. Quer uma informação em primeira mão?

Miguel Arcanjo Prado — Quero. Jornalista adora furo.
Guilherme Marques — A segunda edição será de 6 a 15 de março de 2015 e terá uma novidade: a única atividade que vamos cobrar ingresso vai ser o Cabaré, um bar do festival, um lugar para o encontro de artistas e público depois da peça. Ele será na Praça das Artes, no centro, estamos negociando ainda com a Prefeitura.

Miguel Arcanjo Prado — Como foi para você vir para São Paulo?
Guilherme Marques — Eu me mudei para São Paulo em 2011, a convite do Ruy Cortez. Ele foi participar das ações da escola em Belo Horizonte, e ficou encantado. Estava numa fase que perdi patrocínio em BH, com época política de transição bem difícil. Aí ele deu a ideia de trazer o projeto para São Paulo.

Miguel Arcanjo Prado — Como a cidade lhe recebeu?
Guilherme Marques —
Sou um cara de muita sorte. São Paulo me recebeu bem. Aos 53 anos, posso te afirmar que estou na melhor fase da minha vida. Porque essa idade está me oferecendo oportunidades que eu nunca tive em Belo Horizonte. E olha que fizemos muita coisa em Belo Horizonte também! Saí de casa muito cedo, aos 15 anos, de Peçanha, no Vale do Rio Doce, Minas Gerais. Então, já morei em muitos lugares. Morei na Espanha, Venezuela, Cuba, Rio, e viajei muito [risos].

Na janela lateral: esperança no CIT-Ecum – Foto: Bob Sousa

Miguel Arcanjo Prado — “Sou do mundo sou Minas Gerais…”
Guilherme Marques — É [risos]

Miguel Arcanjo Prado — Mas a namoradeira não sai da janela, e o café não sai da cozinha nem o filtro de barro…
Guilherme Marques —
O engraçado é que quando voltei para Belo Horizonte queria ir para o interior ou até voltar para Peçanha [risos]. Aí veio convite para vir São Paulo… Eu comprei um terreno ali perto do Inhotim, em Brumadinho [arredores de Belo Horizonte]. Eu estava com a ideia, ainda tenho, de construir a sede do CIT-Ecum neste terreno, com o pé na água, à beira da montanha, fazer uma cozinha grande, uma hospedaria para receber os artistas…

Miguel Arcanjo Prado — Uma Woodstock do teatro?
Guilherme Marques — Sim! Adorei isso de Woodstock do teatro [risos]. E o Bob vai ser nosso fotógrafo oficial.

Guilherme Marques, do CIT-Ecum: “Sou do sertão, tenho capacidade de renovação” – Foto: Bob Sousa

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