Crítica: Ao expor encontro do amor com a morte, Ou Você Poderia me Beijar derruba preconceito

Thiago Carreira, Roney Facchini e Claudio Curi em Ou Você Poderia me Beijar – Foto: Ronaldo Gutierrez

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Há diversos discursos sobrepostos no palco em Ou Você Poderia me Beijar, direção de Zé Henrique de Paula, com seu Núcleo Experimental. O texto é de Neil Bartlett e da Handspring Puppet Company, que o montou com bonecos em Londres e até então inédito no Brasil.

A peça conta a história de um casal gay na África do Sul, já na terceira idade, que têm de lidar com o desagradável: com a doença terminal de um deles, eles precisam procurar uma advogada para levá-los a um cartório, com o intuito de oficializar a relação e preservar os direitos de herança do companheiro que fica.

Cena de Ou Você Poderia me Beijar, em cartaz na Barra Funda, São Paulo, até dia 27 – Foto: Ronaldo Gutierrez

Zé Henrique, diretor sensível que é, consegue revelar a história dos dois aos poucos, sobrepondo os tempos, desde o encontro intenso e jovem do casal em uma praia nos anos 1970, até a iminência do fim desta relação seis décadas depois. A atriz Clara Carvalho, no papel das mulheres que rodeiam essa trajetória, é uma espécie de condutora neutra deste fio da vida.

O diretor tem o domínio estético de sua montagem, já que também assina a cenografia enxuta e os figurinos que são uma verdadeira aula de moda recente, com assistência de Cy Teixeira.

A encenação sofisticada de Zé, mesmo com a morte por perto e o preconceito sempre à espreita, não assume ar soturno, tampouco melodramático. Vira uma tragicomédia, já que ele extrai de seu elenco, formado por Marco Antônio Pâmio, Rodrigo Caetano, Claudio Curi, Roney Facchini, Thiago Carreira, Felipe Ramos, nos papeis do casal em três distintas etapas da vida, frases espirituosas e imagens surreais e também divertidas, como a cena do mar ou a pista de dança setentista.

Roney Facchini é o grande ator desta peça, com atuação sob medida para a estética da obra. Está ali, sem truques, crível. No elenco jovem, Carreira também se sobressai com uma verdade doce em sua atuação.

Em primeiro plano, o ator Felipe Ramos em cena: o começo de uma história de amor – Foto: Ronaldo Gutierrez

Fernanda Maia embala a história com trilha que dialoga com todos os sentimentos que surgem, o mesmo faz a luz de Fran Barros, sempre personagem das peças do Núcleo Experimental.

Aos mais modernos, a montagem poderia soar um retrato museológico, já que vivemos em uma cidade em que gays já podem se casar no cartório tal qual um casal heterossexual. Mas é preciso também lembrar que, se por um lado as coisas soam avançadas, por outro, ainda são medievais. Há, nesta mesma metrópole, notícias recorrentes de casais gays espancados nas ruas simplesmente por existir, sem que o poder público tome medidas eficientes para acabar com tal absurdo.

E é por isso que Ou Você Poderia me Beijar é tão pertinente e fundamental. Ela mostra que um casal gay é apenas um casal. Tornando-o humano, simplesmente.

Ah, um detalhe precisa ser mencionado: a peça ainda tem nesta sua realização um viés de solidariedade: a temporada atual é resultado de financiamento coletivo pela internet. Prova de que ainda tem gente que acredita no teatro. E no amor. E que resiste. Ainda bem.

Ou Você Poderia me Beijar
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta e sábado, 21h; domingo, 19h. 80 min. Até 27/7/2014
Onde: Teatro do Núcleo Experimental (rua Barra Funda, 637, metrô Marechal Deodoro, São Paulo, tel. 0/xx/11 3259-0898)
Quanto: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos

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