Entrevista de Quinta, no banheiro, com Zé Celso: “Transformei medo em espetáculo”, diz diretor
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos BOB SOUSA
O sol começa a cair quando Bob Sousa e eu chegamos ao Teat(r)o Oficina, no número 520 da rua Jaceguai, no Bixiga, para entrevistar e fotografar José Celso Martinez Corrêa, um dos maiores diretores teatrais do Brasil e do mundo. Ele ainda não está.
Otto Barros, diretor de cena do grupo, nos convida a entrar. Acomodamo-nos na arquibancada criada por Lina Bo Bardi, para quem a nova peça é dedicada por conta do centenário de nascimento da arquiteta. Uma porta se abre. Ainda não é o Zé, mas a atriz Nash Laila, que logo vai para o fundo do teatro e se deita no chão. Esperamos.
Pouco depois, aparece Beto Mettig, assessor do grupo, com o aviso urgente: Zé não virá mais ao Oficina nos ver. O convite agora é irmos ao seu encontro, em seu apartamento, no Paraíso, onde ele nos aguarda. Corremos para lá.
Zé Celso desce no elevador até o hall para nos receber. Dá abraços e beijos. Conta que o lê o blog e nos diz: “Até que enfim o teatro tem vocês, gente que gosta de teatro”. Ficamos lisonjeados. O elevador chega no seu andar, e ele nos convida a entrar no apartamento.
Mineiramente, peço licença. Logo, Zé nos conduz, enquanto diz: “Separei um lugar incrível para fazermos a entrevista”. Abre a porta de seu banheiro. E começa a dirigir: “Miguel, você se senta aí, na privada. E eu fico aqui, nesta cadeira. Bob fique à vontade para fazer as fotos”.
No bate-papo, repleto de inteligência e visão minuciosa de tudo ao redor, Zé Celso falou, sobretudo, de sua nova peça, Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada, ou apenas Cacilda 5, que estreia neste sábado (26) — veja serviço ao fim da entrevista — com mais um capítulo da odisseia do Oficina sobre Cacilda Becker (1921-1969).
A montagem faz do embate entre as atrizes Cacilda Becker e Tônia Carrero no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) uma alegoria do teatro brasileiro, aproveitando para dar sua visão artística a temas atualíssimos, que vão desde a ambição da especulação imobiliária, que coloca abaixo o pouco de poesia que restou em São Paulo, entulhando a Selva de Pedra com mais espigões, até a tão falada temporada paulistana de The Old Woman – A Velha, peça de Bob Wilson com Mikhail Baryshnikov e Willem Dafoe.
Nada fica distante do olhar atento de Zé Celso, reconhecido no mundo como um dos gênios do teatro. E o melhor: ele é nosso e faz da cultura brasileira seu principal material artístico. Aos 77 anos, está à frente do Oficina desde 1958.
Zé Celso deu também seus pitacos em outros temas. Falou da recente Copa do Mundo, do avião que caiu na Ucrânia e da sangrenta guerra entre Israel e Palestina. Além de revelar em quem pretende votar para presidente na próxima eleição e qual peça deseja montar em breve.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Como está Cacilda 5?
José Celso Martinez Corrêa — Estava tudo um caos, mas aí tive uma inspiração. Esta peça foi uma loucura, porque tivemos só um mês e meio para ensaiar. Então, nesta terça-feira, chegamos ao ensaio geral e estava todo mundo sem o texto, ninguém tinha decorado direito. Aí, percebi que estava com medo, apavorado. E a pior coisa que existe é o medo. Foi aí que entendi que devíamos assumir tudo isso. Então, transformei o espetáculo no show do vexame. Porque entendi que o obstáculo maior para o artista é a paranoia. Resolvi radicalizar mesmo: a peça é um grande ensaio.
Miguel Arcanjo Prado — Como é a peça?
José Celso Martinez Corrêa — Os artistas estão se preparando para um ensaio de Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello, no novo TBC, que eu chamei de Teatro Berrini de Comédia. Sabe esses teatros chiques que estão por aí?…. Então, é como se fosse uma dessas superproduções. Tipo um Bob Wilson… Aí, o teatro é invadido pelos Coros de Pega Fogo das ruas do mundo. Os personagens do TBC têm desejo de atuação, querem exercer poder da presença… Eles estão em busca da própria encenação da peça. Com a chegada da Tônia Carrero, as coisas mudam; Cacilda vai vê-la ali, linda e também apaixonada pelo teatro, e ainda como o novo amor de Adolfo Celi. É uma barra. É quando Cacilda sai do TBC e vai para os novos caminhos da sua odisseia…
Miguel Arcanjo Prado — Como está o elenco?
José Celso Martinez Corrêa — O elenco está ótimo, eles têm uma força descomunal! A Camila Mota e a Sylvia Prado vão fazer a Cacilda novamente, são duas atrizes excelentes, estão fazendo cenas incríveis. Eu me emociono sempre quando vejo.
Miguel Arcanjo Prado — O que você acha do Bob Wilson?
José Celso Martinez Corrêa — Eu gosto do Bob Wilson, mas o que ele é na verdade é um artista plástico do teatro, ele faz quadros. Eu sou do te-ato.
Miguel Arcanjo Prado — E o que vai acontecer com o “Teatro Berrini de Comédia” da peça?
José Celso Martinez Corrêa — E esse teatro será invadido pelos Pega Fogo das Ruas, junto do público. O Marcelo Drummond está fantástico como o diretor que fará testes com os atores. Esse teatro comercial que é feito por aí… Eu mesmo fiz uma novela na Globo para ver o que era [Cordel Encantado, em 2011]. Não gostei da experiência! Fiquei pensando que com todo aquele aparato técnico eles poderiam fazer coisas incríveis! Mas, não, fazem aquela coisas… Nesta cena vamos usar o janelão, que fica do lado oeste do Oficina, que dá para a rua da Abolição. Vai ter uma névoa… Os personagens, os artistas do antigo TBC, o coro de Pega Fogo das Ruas vão todos se misturar, numa quebra de classes. Vamos mostrar a Cacilda no momento em que veio a Tônia Carrero para competir com ela. A Tônia será a atriz Joana Medeiros, que também está fantástica. Imagina isso, a Cacilda viu de repente a figura da Tônia ao lado dela e precisou reagir. O Roderick Himeros fará o Adolfo Celli, que vai se apaixonar pela Tônia. Ele está ótimo também, numa construção muito linda.
Miguel Arcanjo Prado — Vocês dedicam a peça a Lina Bo Bardi?
José Celso Martinez Corrêa — Sim! Isso é muito importante de ser dito. A peça celebra o centenário da Lina [arquiteta que criou a sede do Tea(r)o Oficina e também criou o prédio do Masp]. A Lina dizia que o Oficina-Terreiro era o “Chão de Terreiro com as Galerias do Teatro Scala de Milano, dando para as catacumbas di Silvio Santos”. Vamos iluminar o público por trás, com grandes holofotes, para concretizar a visão dela.
Miguel Arcanjo Prado — Você gosta de estreia?
José Celso Martinez Corrêa — Estreia é o pior público que existe! Vamos estrear um grande ensaio, que vai ir crescendo, junto ao público, até atingir a beleza, com a multidão. Os meninos falaram de chamar todo mundo. Eu não sei o que vai ser. A peça vai ser um grande ensaio com o público. Ela vai mudando a cada apresentação.
Miguel Arcanjo Prado — O que você achou da Copa do Mundo no Brasil?
José Celso Martinez Corrêa — A Copa trouxe o humor de volta, tinha uma leveza no ar. Pelo menos até o 7 a 1 na semifinal. Eu achei a Copa ótima. Acho um absurdo quererem dizer que a Copa deu errado, tentarem jogar a culpa na Dilma. É claro que o 7 a 1 é inesquecível, mas faz parte do esporte e foi uma espécie de revelação de Exu. Porque os alemães bateram o tambor lá na Bahia… Eles entraram usando vermelho e preto no campo. Isso foi um sinal. Agora, temos o Dunga de técnico outra vez. O Brasil precisa mesmo é de um técnico estrangeiro, que venha para cá e mergulhe na nossa antropofagia. Que faça o que aconteceu com o TBC, que trouxe diretores estrangeiros para mergulharem na nossa cultura antropofágica oswaldiana. Porque hoje falta aquela malemolência do nosso futebol. E isso foi trazido pelos negros, esse modo de jogar com arte. E é preciso dizer que quem começou a valorizar essa herança africana no nosso futebol foi Nelson Rodrigues e sua família. Antes, era um prazer ver um jogo de futebol. Era lindo. Hoje, é aquela coisa fria, truncada, uma dureza… A gente tem de redescobrir aquele futebol que era um verdadeiro espetáculo. Até porque o futebol é o verdadeiro espetáculo do mundo. O Cristiano Ronaldo no chão, fazendo aquelas caras…
Miguel Arcanjo Prado — E o que você achou da abertura da Copa?
José Celso Martinez Corrêa — Aquilo foi um horror! Uma vergonha! O Brasil que tem as escolas de samba, o Boi-Bumbá, aquela festa linda em Parintins, lá na Amazônia, apresentar aquela pobreza, aquela coisa sem graça. No encerramento, até que melhorou um pouquinho, porque trouxeram um pouco do Carnaval e da escola de samba, mas não chegou perto da riqueza gigante da cultura brasileira. A cultura popular brasileira é genial, é única, é exuberante!
Miguel Arcanjo Prado — E a vaia que a Dilma levou?
José Celso Martinez Corrêa — Eu acho que a Dilma deveria ter assumido aquela vaia, e não ficar retraída, com medo. Quando ela aparecia na TV dava para ver a bílis no rosto dela. Toda travada. Aquela outra, não, a Angela Merkel, da Alemanha, ela até sorria. Tudo bem que ela estava ganhando, mas ela estava muito mais leve. Agora, a Dilma estava com muito medo. Ela precisa parar com isso! Eu adoraria dirigir a Dilma! Ela deveria ter recebido a vaia de braços abertos, com gozo. Ainda mais por ser uma vaia daquela arquibancada, que é a elite branca, nervosa porque ela governou para a outra classe mais pobre. Então, ela deveria ter recebido aquela vaia como um elogio. É vaia que temos? Então, podem me vaiar! [abre os braços, sorrindo]
Miguel Arcanjo Prado — Em quem você vai votar nas eleições para presidente?
José Celso Martinez Corrêa — Eu vou votar na Dilma. Não porque seja do PT, porque não sou de partido nenhum. Mas, porque o PT ainda mantém um diálogo com o social, com a cultura. O PSDB não faz isso. É um horror a relação que os tucanos têm com a cultura e com o teatro. E a água em São Paulo que está acabando? Eu não tomo mais essa água do volume morto. Nós vamos ficar sem água! Isso parecia uma coisa distante, mas é agora!
Miguel Arcanjo Prado — E como anda a questão do terreno no entorno do Oficina que ainda pertence ao Grupo Silvio Santos?
José Celso Martinez Corrêa — O Juca Ferreira [secretário municipal de Cultura de São Paulo] está fazendo um bom trabalho. Para mim, a reabertura do Cine Belas Artes no último fim de semana foi um grande marco, com aquela gente toda em frente, abraçando o cinema. Foi lindo, eu me emocionei muito. O novo Plano Diretor de São Paulo prevê a criação de um corredor cultural no Bixiga, um enorme caminho da cultura que vai passa pelo Oficina, o TBC, a Vai-Vai. Espero que haja a troca do terreno, parece que vão conseguir um para o Grupo Silvio Santos perto do SBT, naquela região da rodovia Anhenguera, que é linda, mas não vai ser preservada, o que é uma pena. O do entorno do Oficina ficaria para a cultura. Mas a gente nunca tem certeza do que vai acontecer… A especulação imobiliária é o Creonte dos dias de hoje, tanto que fiz um Creonte especulador na peça, que está sendo feito brilhantemente pelo Marcelo Drummond. A especulação é o grande mal do mundo de hoje! Está um absurdo. Muitos grupos teatrais estão sofrendo com isso. Mas isso também fez com que os teatros que são vítimas da especulação se juntassem. Somos dez grupos unidos nesta guerra. Estamos caminhando juntos nisso. E isso é lindo, é igual à união que houve na França nos anos 1920 que reergueu o teatro francês. O terreno no entorno do Oficina tem de ser da cultura!
Miguel Arcanjo Prado — Como você vê a Guerra entre Israel e Palestina?
José Celso Martinez Corrêa — Acho um horror o que está acontecendo agora na Palestina. Aquilo é um verdadeiro massacre dos palestinos. Aquilo parece Guerra de Troia, um massacre de um povo, matando todo mundo, não deixando vivos nem crianças, mulheres e velhos, para não deixar rastro, para não sobrar nenhum. E ainda eu fico horrorizado ao ver declarações absurdas de autoridades israelenses defendendo o massacre da população palestina, dizendo que tem de matar mesmo. O horror! E esse avião agora que foi abatido na Ucrânia cheio de passageiros, daquele jeito? As coisas estão terríveis…
Miguel Arcanjo Prado — Você tem algum novo projeto de espetáculo em mente?
José Celso Martinez Corrêa — Quero fazer Senhora dos Afogados, do Nelson Rodrigues, que tem a família Drummond, um sobrenome mineiro como você.
Cacilda!!!!! A Rainha Decapitada (Cacilda 5)
Quando: Sábado e domingo, 19h. De 26/7/2014 a 14/9/2014
Onde: Teat(r)o Oficina (r. Jaceguai, 520, Bixiga, São Paulo, tel. 0/xx/11 3106-2818)
Quanto: R$ 30 (inteira); R$ 15 (meia-entrada) e R$ 5 (moradores do Bixiga com comprovante de residência)
Classificação etária: 14 anos
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Acho o zé celso bárbaro…a entrevista estava otima…
Grande Zé !!!!
Eu fui pesquisar, super curioso e abismado, que novela ele participou: foi a Cordel Encantado, das seis, de 2011. Ele fez uma participação como um profeta nos primeiros capitulos da novela.
Tenho de admitir que não era muito fã do Zé Celso, porém gostei da resposta dele sobre a situação na Palestina. Oro para que aquele horror acabe o quanto antes.