Crítica: Em Iepe, Trupe Temdona faz crítica social com humor e conquista o público
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
O destino não explica tudo, sobretudo o motivo de alguém se afundar na pobreza enquanto outro leva ma vida deitado em berço esplêndido.
Sempre, há muita coisa por detrás. Seja do poder ou do fracasso. Ninguém chega a estes lugares apenas com mérito próprio.
E justamente descortinar este tipo de reflexão de forma simples, mas nada inocente, é o grande mérito do espetáculo Iepe, com a Trupe Temdona, formada em 2013 com artistas saídos da Fundação das Artes de São Caetano do Sul, no ABC Paulista.
O texto é assinado por Luís Alberto Abreu. É instigante e competente ao contar a saga de Iepe, um beberrão camponês que, por ironia da vida, um dia se vê no papel de barão. E que será completamente influenciado por esta nova realidade.
O texto tem visão política e social aguçada. Apesar de em certos momentos reforçar estereótipos, em outros os desconstroi, como o imaginário do pobre bom e do rico ruim. Muito pelo contrário, na peça a esperteza e a maldade não é atributo de nenhuma classe social.
O espectador, intelectualizado ou não, embarca na história, que é contada pelos aguerridos artistas de forma épica com pitadas de teatro narrativo.
O R7 assistiu à primeira sessão de rua da montagem, realizada na calçada em frente ao Centro Livre de Artes Cênicas de São Bernardo do Campo, no último sábado (2). Vários transeuntes pararam para acompanhar o desenrolar da história, atraídos pelo carisma dos atores no palco, ou melhor, no passeio.
O diretor Pedro Alcântara imprime ritmo intenso à encenação, na qual os artistas trocam de personagens de forma convincente e rápida. Também é um achado o uso de teatro de bonecos, que encanta sobretudo as crianças, quebrando barreiras entre o teatro de rua, de palco e o de bonecos.
Outro destaque é a utilização de uma tenda-cenário que funciona de camarim para as trocas e também como caixa ressonante de efeitos sonoros executados pelos próprios atores fora de cena. O que dá à peça um ar cartoon.
O elenco é formado por André Félix, Thais Irentti, Rodrigo Sampaio e Rosane Rodrigues. Eles dão conta de mais de uma dezena de personagens.
As atuações em alguns momentos se aproximam do registro do teatro infantil, com certo exagero de caretas. Mas, o público parece gostar.
Entretanto, uma coisa é clara: os atores estão presentes na obra. Félix ganha a simpatia para seu Iepe, quase sempre bêbado — talvez devesse relaxar um pouco mais, sobretudo as mãos. Irentti, como a exagerada mulher rabugenta de Iepe, também conquista risadas. Mas o destaque no elenco fica com Sampaio, que mostra versatilidade ao assumir variados personagens e bom tempo cômico de improvisação. Já Rosanne Rodrigues, apesar de evidente dedicação, precisa estar mais atenta ao tom monocórdico com que diz as falas.
O grande recado de Iepe está mesmo em seu texto, que em certos momentos pode até soar como as montagem do antigo CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) da década de 1960.
Traz uma urgência em despertar a classe trabalhadora para a opressão em que esta vive e tirar de suas costas a culpa pelo fracasso cotidiano. Sabiamente, descortina todo um sistema viciado e de ares aparentemente imutáveis. Afinal, nada é tão simples assim.
Humor inteligente é uma delícia! Com crítica social, então, é a maravilha do teatro!