Crítica: Meu Deus! usa divino para nos por em xeque
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Ninguém espera uma visita do próprio Deus em casa. E, sobretudo, que ele saia da posição de Todo-Poderoso e nos peça ajuda. Tudo isso é ainda mais surpreendente quando não se acredita nele.
Tal enredo é a base da peça Meu Deus!, da israelense Anat Gov (1953-2012), com direção de Elias Andreato. A versão brasileira por Célia Regina Forte deixa o texto coloquial e próximo a nós.
O cenário detalhista de Antonio Junior, os figurinos de Fause Haten dialogam com o realismo proposto pela obra, assim como a iluminação de Wagner Freire serve para, sutilmente, indicar os caminhos da obra.
Em cena, Irene Ravache, de volta ao teatro após seis anos ausente, vive a psicóloga que recebe Deus em crise, papel de Dan Stulbach. Este lhe busca para fazer sua primeira sessão de terapia, já que está em conflito com sua criação.
A relação entre os dois vai se aprofundando ao longo da encenação, sobretudo diante dos embates constantes.

Conflito, dúvida e coragem: Irene Ravache, em cena com Dan Stulbach, é o centro da obra – Foto: João Caldas
Irene Ravache é o centro nevrálgico da obra. Repleta de talento, a atriz faz uma personagem crível, na medida certa e ao mesmo tempo repleta de astúcia. Com uma atuação plausível, domina a cena de forma absoluta.
No papel de Deus, Dan Stulbach acerta em alguns momentos. Porém, há certo ar de caricatura presente, sobretudo pela voz empostada ou tentavas de gracinhas para a plateia. Isso entra em confronto, em alguns momentos, com naturalidade de Irene, intensamente mergulhada na verdade de sua personagem.
Completa o elenco Pedro Carvalho, na pele do filho autista da psicóloga, em sutil participação.
Enquanto a sessão se desenrola, com Deus no divã, há um misto de temor e revolta diante das revelações.
O grande achado é o fato de a psicóloga não sucumbir ao temor; muito pelo contrário, é corajosa diante do novo paciente.
O texto de Anat é ao mesmo tempo leve e profundo em suas reflexões. Utiliza a crise de Deus para expor o desalento com os rumos da humanidade.
As falas propõem reflexão ao espectador, sobretudo quando o texto utiliza-se de passagens bíblicas, como a história de Jó, um dos momentos mais emblemáticos do diálogo daqueles dois, tão diferentes e ao mesmo tempo igualmente inquietantes.
Diante de algumas falas desconcertantes, o riso vem como refúgio para suportar tamanhas verdades. É o que, acertadamente, dá ritmo à encenação.
Meu Deus! faz o espectador sair do teatro mergulhado em reflexões filosófico-religiosas. Esta proposta inteligente é o grande mérito deste espetáculo. E o talento de Irene, é claro.
Meu Deus!
Avaliação: Bom
Quando: Quinta e sexta, 21h30; sábado, 19h e 21h30; domingo, 18h30. 80 min. Até 28/9/2014
Onde: Teatro dos Quatro (rua Marquês de São Vicente, 52, loja 265, Gávea, Rio)
Quanto: R$ 60 (quinta e sexta) e R$ 80 (sábado e domingo)
Classificação etária: 12 anos
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É a revanche da Ravache por conta dos 6 anos fora dos palcos.