Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos BOB SOUSA
O Brasil descobre o talento de Laila Garin [a pronúncia correta é Garran]. A baiana, filha de uma brasileira e de um francês, conquista o público ao encarnar Elis Regina no espetáculo Elis, a Musical, que volta para São Paulo em mais duas sessões nos próximos dias 30 e 31 de agosto no Espaço das Américas, após temporada de sucesso no Teatro Alfa.
Laila recebe Bob Sousa e eu para esta Entrevista de Quinta no apart hotel onde está morando, na região da avenida Paulista, em São Paulo, cidade que faz parte de sua história, como revela depois.
De repente, a porta do elevador se abre e sua voz se impõe no ar. Chega ao saguão falando ao telefone. Parece que todo mundo quer falar com Laila.
No último sábado (16), Laila fez parte do melhor momento do programa Criança Esperança, na Globo, cantando, tal qual Elis, ao lado de Ney Matogrosso e de colegas de espetáculos musicais, a Canção da América. O Brasil inteiro ficou boquiaberto com o que viu e ouviu.
Durante a conversa com o Atores & Bastidores do R7, entre uma mordia e outra na maçã, falou de forma pausada, dando peso a cada palavra. Tal qual aquela cantora Pimentinha que o Brasil perdeu tão cedo e jamais se conformou.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado — Laila, a Elis é muito forte, marcante, como você faz para não virar a Elis diante deste sucesso todo?
Laila Garin — Pela própria abordagem da peça… Ninguém nunca quis que imitasse Elis. Meu trabalho não é imitação; mesmo. Acho que as pessoas entendem como uma homenagem, por mais que lembrem coisas relacionadas a Elis. Tem a parte da saudade de Elis, mas também tem muito de memórias pessoais, de coisa que as pessoas viveram.
Miguel Arcanjo Prado — É que cada um tem a sua Elis…
Laila Garin — Isso. A peça, contando a história da Elis, acaba contando a história da música e do País. São memórias que transcendem a Elis. E é o que a Elis fazia. As pessoas não são tão loucas por Elis só porque ela tem uma voz maravilhosa e ponto. Mas, porque o que ela faz cantando toca as pessoas em suas questões mais pessoais, até porque ela faz isso de uma forma pessoal também.
Miguel Arcanjo Prado — Tem quem pense que você é a Elis reencarnada?
Laila Garin — Eu não tenho como controlar a cabeça das pessoas, mas sinto que o público, quando vem falar comigo, ressalta minhas características como artista. E acho que vai depender também das coisas que vou fazer depois de Elis. Tem muita gente assistindo, graças a Deus. É teatro, não é TV, mas com essa peça a gente conseguiu atingir o máximo de espectadores. É grandioso demais. Mas também tinha gente que me conhecia de outros trabalhos. Eu não me confundo com Elis; de jeito nenhum! [risos]
Miguel Arcanjo Prado — Conheci você no palco do Teatro Itália, fazendo Eu Te Amo Mesmo Assim. Para mim foi uma aparição como foi a de Marisa Monte, fiquei impressionado com sua voz. Como você lida com o fato de um dia estar lá no Teatro Itália, em uma peça pequena, e agora estar neste turbilhão que é o musical, encabeçando uma superprodução, com você na proa de um navio?
Laila Garin — Eu acho que, primeiro, eu não tenho 20 anos de idade. Nem 18. Não sou deslumbrada. Segundo, que esta visão de que agora estou no navio é real porque é uma produção grande, é um navio gigante. Mas continua sendo teatro, é coletivo. Tenho os colegas em cena, preciso do cara da luz, do som, do Dennis [Carvalho, diretor]. Tem um trabalho danado. Essa visão de glamour é mais de fora. Tenho um dia a dia de atleta tendo que cuidar do que como, do que durmo. É uma trabalheira danada!
Miguel Arcanjo Prado — Quando você começou no teatro?
Laila Garin — Comecei cedo. A primeira vez que subi no palco tinha cinco anos. E a partir dos 11 eu nunca parei. Tenho uma visão do artesanato do teatro. E Elis foi construído em cada detalhe. Não é de uma hora para outra que as coisas acontecessem. Elis é um grande passo na minha carreira, nunca recebi e fui indicada para tantos prêmios [ela levou o Prêmio Shell de Melhor Atriz e está indicada ao Prêmio APCA na mesma categoria].
Miguel Arcanjo Prado — Você nunca tinha sentado no sofá do Jô Soares…
Laila Garin — Exatamente. Mas o meu trabalho veio num crescendo, que foi escolhido. Passei sete anos em São Paulo, dos quais cinco fiz teatro de pesquisa. Levava nove meses ensaiando uma peça para 80 espectadores, com o Cacá Carvalho, na Casa Laboratório. Depois, fui para o Rio de Janeiro trabalhar com o João Falcão, fazer Eu te Amo, que você viu. Por mais que fosse pequeno, era para fazer uma temporada e a gente fez sete, com uma repercussão qualitativa intensa. Depois veio o Gonzagão, que teve uma repercussão maior ainda. Você viu também, né?
Miguel Arcanjo Prado — Vi lá no Festival de Curitiba… Queria te perguntar uma coisa: você acha que hoje fazem falta artistas que se coloquem politicamente e façam uma obra mais emblemática, que consiga ir além da voz, que transcenda?
Laila Garin — Eu acho. Mas estamos também em outro contexto. O momento político não é tão claro. Na época da Elis, os inimigos eram mais claros, vivíamos em uma ditadura e a gente precisava de liberdade de expressão. Talvez a gente tenha algumas músicas ou cantores que tomem algum partido. Você tem um hip hop, um rap que tem claramente um discurso social. Mas a Elis não era compositora… E a Elis também foi acusada de várias coisas, de ser muito fria, de ser muito técnica, de estar de um lado, até porque ela já era a cantora desde cedo. Para mim faz falta as vísceras mesmo. Não acho que tem de ficar sabendo da vida pessoal das pessoas, mas quando falo de cantar colocando de si é um engajamento artístico, de alma, de víscera. Às vezes parece que está tudo muito blasé e não tem muita diferença de um cantor para o outro.
Miguel Arcanjo Prado — É verdade.
Laila Garin — Minhas referencias estão todas na geração da Elis praticamente. Por mais que tenham algumas atuais que eu goste muito: eu adoro Renata Rosa [cantora paulistana] e Mayra Andrade [cantora cabo-verdiana]. Eu adoro cantores pop também, mas acho que esse diferencial, assim, está em poucos.
Miguel Arcanjo Prado — Para onde vai o musical?
Laila Garin — Depois de São Paulo, vamos fazer turnê por algumas capitais, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre e Curitiba.
Miguel Arcanjo Prado — E Salvador?
Laila Garin — Eu estou torcendo, estão organizando aí… Para mim vai ser muito especial ir para Salvador.
Miguel Arcanjo Prado — Você morou na França?
Laila Garin — Meu pai é francês, e eu passei cinco meses na França antes de vir para São Paulo em 2003. Então, passei sete anos aqui e depois fui para o Rio em 2010.
Miguel Arcanjo Prado — Você sofreu em São Paulo?
Laila Garin — Aqui eu aprendi a ser uma pessoa melhor. Além de ser filha única, a Bahia tem essa coisa de ser mãe. Na Bahia eu tinha um trabalho reconhecido dentro da classe teatral. Em São Paulo você exercita um anonimato que faz você pensar qual é o seu valor independentemente do reconhecimento e da aprovação do outro. Você tira de você mesmo. Talvez isso volte à sua pergunta primeira. Eu tive essa escola. Primeiro fui para Paris, que apesar de ser bem menor que São Paulo, foi uma porrada. Depois, São Paulo. Tive de chegar, dizer: “oi, sou fulana de tal”. Eu vim fazer o musical Grease e pensei que iria conhecer todo mundo do teatro. E nada disso, só fiquei conhecendo o povo do musical.
Miguel Arcanjo Prado — O teatro de São Paulo tem muito disso, de turmas que não se misturam, tem o teatro da praça Roosevelt, o da pesquisa, o musical, o comercial…
Laila Garin — Exatamente. É tão grande e o mercado é tão diverso que conheci primeiro só o povo do musical. Depois passei cinco anos fazendo pesquisa e neguinho do musical nem sabia que eu estava aqui. Foi aqui que eu comecei a ter um pouquinho mais de autonomia. Eu gosto muito de São Paulo.
Miguel Arcanjo Prado — E o Rio?
Laila Garin — O Rio foi solar, foi bem mágico. E pela magia da cidade e pela magia de João Falcão. Fui trabalhar com ele. Eu ia fazer Carmen Miranda com ele e o projeto acabou não acontecendo e fiquei com essa frustração. Também queria ter feito o filme A Máquina e não rolou…. Porque ele é dessa área música e teatro, que sempre acreditei. Estava com um projeto para fazer em Marselha e surgiu o Eu te Amo Mesmo Assim, mas ninguém sabia direito como iria ser. Só sabia que tinha de estrear tal dia. Eu falei: “vocês estão loucos?” Mas eu topei e me mudei para o Rio.
Miguel Arcanjo Prado — Laila, você canta muito bem, faz tempo que não surge no Brasil uma cantora que canta [risos]. E você canta. Não pensa em investir nisso?
Laila Garin — Obrigada [tímida]. O teatro sempre teve em primeiro plano, mas fiz muita coisa como cantora na Bahia. Em São Paulo a coisa não foi muito pra frente. No Rio, fiz um disco, fiz um Som Brasil…A gente está vendo isso agora. Eu sempre cantei atrás de um personagem. Foram estilos muito diversos, do canto lírico ao samba. Estou tentando entender que música pode me traduzir mais.
Miguel Arcanjo Prado — Achar seu recado artístico?
Laila Garin — Recado pode parecer pretensioso, que eu tenho alguma coisa para dizer. Eu não tenho. Tenho perguntas.
Miguel Arcanjo Prado — Já tem compositor mandando música?
Laila Garin — Tem gente que manda coisas… [pensativa] Eu não vou deixar de ser atriz. Estou pesquisando algumas coisas de música, mas o teatro é meu lugar também. Elis tem ainda uma vida longa, depois da turnê nacional a gente vai voltar par ao Rio. Tem de ver como vai isso… Tem coisa aí pela frente…
Miguel Arcanjo Prado — A cena mais importante sua no musical é a da entrevista final de Elis. É ali que você se coloca como grande atriz. Como é fazer esta cena?
Laila Garin — Essa cena foi especial. O Nelson [Motta, autor] e o Dennis [Carvalho, diretor] foram generosos e abertos. Eles aceitaram e a gente fez junto. A gente foi fechando, mexeu um pouquinho no texto, entraram algumas coisas que eu também pude escolher, isso é importante para aproximar, coisas que eu acredito também e que representam a Elis. Isso é delicado. E foi lindo. Algumas pessoas aqui em São Paulo falaram que o musical era chapa branca, que fica muito leve no final, mas é uma citação de um show que a Elis fez com o Daniel Filho. Quando a Elis morreu muita gente ficou falando da autópsia e das questões das drogas, mais do que da perda daquela pessoa e daquela artista que deixaria um buraco imenso. Ficou mais com essa coisa mórbida, que é natural, porque a gente quer ver o corpo estendido no chão, mas já que a gente tem essa natureza ruim, é bom estimular outras coisas do espírito. O Caio Fernando Abreu escreveu na época, lembrando que era a Elis, a artista, que estava indo embora. A peça não tem a coisa realista, do copo de uísque e tudo mais, mas pelo menos tem a tentativa de mostrar o sofrimento, a dor. Tem essas camadas.
Miguel Arcanjo Prado — Laila, por que você é artista?
Laila Garin — Por que eu não tenho outra alternativa.
Miguel Arcanjo Prado — Eu acho que você está falando igual a Elis…
Laila Garin — Como é “falando igual a Elis”?
Miguel Arcanjo Prado — Com esse jeito pausado, dando peso a cada palavra, se colocando. A Elis falava assim.
Laila Garin — Talvez eu já falasse assim. Eu tenho uma mãe [a professora aposentada da Faculdade de Comunicação da UFBA, Nadja Miranda] muito parecida com a Elis. Na franqueza, no temperamento — pelo menos do que eu vi de Elis, porque como ela mesmo diz, ninguém conhece ninguém. É da geração dessas mulheres fortes, que não são nenhum pouco perua, mulherzinha. Talvez até um pouco masculinas no jeito de agir, mas como diz Nelsinho [Motta], se Elis não fosse assim, não teria sobrevivido, até porque vivia num mundo masculino… Mas eu vi muito Elis, estou fazendo Elis cinco vezes por semana, posso estar falando mais pausado. Isso poderia acontecer com qualquer personagem que eu tivesse fazendo, não que a Elis seja uma personagem.
Miguel Arcanjo Prado — Mas não se preocupe, porque é lindo falar assim.
Laila Garin — É que eu tenho essa coisa já. E é o que eu gosto. A mulher que eu acho massa é essa mulher aí.
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