Por MIGUEL ARCANJO PRADO
O ator está no palco, no meio da mais dramática cena da obra e eis que um celular toca. Ou então, naquela cena onde a escuridão é fundamental, alguém mexe no celular, que logo acende sua potente luzinha de tela. E há mais: aqueles que teimam em gravar e fotografar a peça sem estarem devidamente autorizados e só param quando são repreendido pela produção ou, pior, pela segurança. O blog já viu todas estas cenas descritas em teatros nos quatro cantos do Brasil, do mais underground ao mais comercial.
Por mais que os avisos sonoros sejam dados antes de as sessões começarem, sempre tem algum esquecido, teimoso ou engraçadinho que teima em ficar com o celular ligado durante a peça.
Atriz parou a cena
No mês passado, a atriz Juliana Galdino, que encenava Tríptico Samuel Beckett, no Espaço Sesc de Copacabana, no Rio, ficou revoltada com um grupo de senhorinhas.
Estas mexiam no celular, iluminando toda a plateia, com a peça em andamento. A atriz fez questão de parar a cena e pedir para que as tais senhoras desligassem seus aparelhos, como noticiou a colunista carioca Anna Ramalho. E só depois continuou a peça.
Ironia fina
A diretora Juliana Sanches, da peça América Vizinha, do Grupo XIX de Teatro, apresentada este mês em São Paulo, resolveu incorporar o celular à montagem. Não os dos espectadores, mas, sim, os dos próprios atores, que faziam cada qual uma selfie com o público de fundo na cena final. Uma crítica potente ao exibicionismo solitário da pós-modernidade.
Para o crítico Átila Moreno, que presencia constantemente este tipo de situação nos teatro cariocas, isso “é inadmissível”.
— Imagina se um cirurgião parasse para atender o celular no trabalho? Eu acho que faltam bom senso e postura das pessoas de se colocarem no lugar do outro. Toda a equipe fica meses se preparando para apresentar a peça no palco. E aí alguém na plateia deixa o celular tocar. Eu não tolero.
Autorizado para estar de celular ligado
Diante do novo cenário, algumas montagens tentam se adaptar ao novo público. Caso do grupo paulistano Os Satyros. O diretor Rodolfo García Vázquez diz que não vai proibir o celular e que tenta lidar com essa realidade, pelo contrário, incorpora o celular à estética da obra.
— O mundo está em outro momento. Não posso falar: “não ligue o telefone” para meu público. Eu tenho é de fazer um espetáculo tão bom que a pessoa não queira ligar o telefone!
Na peça Hipóteses para o Amor e a Verdade, que acaba de virar filme homônimo que está sendo exibido na Mostra Internacional de Cinema, o público era encorajado a deixar o celular ligado o tempo todo. A atriz cubana Phedra D. Córdoba, que participou da peça e do filme, diz que, nestes casos, aceita o celular ligado.
— Quando é uma peça que o diretor pediu, tudo bem, porque o diretor quer essa modernidade em cena. Eu sou antiga, né? Mas aceito para não dizerem que sou retrógrada. Mas, em peças que a produção pede para desligar o celular, tem de ter educação e respeito em não deixá-lo tocar e nem com a luz acesa. Porque aí não estou de acordo.
“Dá muito desgosto”
O ator Fagundes Emanuel, que fez peça Nossa Cidade com o exigente Antunes Filho e atualmente está na novela Geração Brasil, na Globo, diz que “não é contra a tecnologia” e lembra que Zé Celso, em seu Teat(r)o Oficina, pede que os celulares fiquem ligados “junto com todos os sentidos”.
Ele também lembra que os Parlapatões também dizem, com muito bom humor “não desliguem os celulares, vai que tua mãe ou algum familiar precise de ajuda”.
— Quando o artista se propõe a essa e outras interações é interessantíssimo. Mas em uma peça que foi pedido para o celular ser desligado e alguém esquece, quando ele toca se quebra todo o clima.
Fagundes já passou por este tipo de situação.
— Desconcentra muito e já me ocorreu algumas vezes. E quando a pessoa está com pressa para ir embora e fica mandando mensagem para alguém? Dá muito desgosto. E a luz do celular é tão forte que o espectador fica mais iluminado do que os atores no palco [risos].
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