Domingou: Joana Wanner, a minha maior bailarina
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Quando se voltar no tempo e se falar da dança realizada em Belo Horizonte no começo do século 21, um nome jamais poderá ser esquecido: o de Joana Wanner, a maior bailarina no mundo, na opinião deste humilde escriba.
Quem viu Joana Wanner dançar no palco sabe o que digo; é impossível esquecer sua força cênica. A cada passo, Joana é uma pulsão viva e envolvente, é o que diz minha memória. Radicado em São Paulo, infelizmente, há tempos não vejo Joana dançar. Mas ela ainda dança, sempre presente, em minha mente.
Considero-me sortudo, porque, além de poder ter visto Joana em inúmeros espetáculos de dança e inclusive ter divido o palco com ela em um, tive a honra de ter esta artista emblemática como coreógrafa por preciosos anos. Boa parte do que sei de dança contemporânea foi Joana quem me ensinou.
Fiz aulas com Joana no extinto Ballet Movimento, comandado pela respeitada coreógrafa Nora Vaz de Mello em um charmoso casarão rosa na rua Padre Odorico, na região da Savassi, em Belo Horizonte. Na época, Joana havia acabado de concluir o curso de direito na UFMG e decidido, corajosamente, que a dança era seu rumo certo.
Ir à aula de dança contemporânea de Joana era sempre um dos melhores momentos da semana para mim. Já na caminhada rumo à escola, depois de passar o dia estudando Geografia na UFMG — nesta época ainda não pensava em ser jornalista —, ia repassando os passos da aula anterior na cabeça, enquanto cruzava a praça da Liberdade, onde bem próximo, minha prima Ludmila Duarte, tão apaixonada pela dança quanto eu, dava aulas de tango.
A chegada à escola era sempre um fuzuê, com as colegas de turma esbaforidas e recém-saídas do colégio Marista, que ficava bem próximo ao Movimento.
Mas Joana não gostava de conversa em aula. Exigia concentração e dedicação por completo. Sua precisão coreográfica ia até o dedo mindinho de seus bailarinos. E a presença integral começava logo no alongamento.
Jamais tive alongamento igual ao que Joana propunha, sempre repleto de nuance e de arte. Aliás, a pastinha com CDs de Joana era um verdadeiro deleite aos ouvidos, sonho de repertório de qualquer artista interessante.
Ela gostava de vozes femininas marcantes da MPB para embalar nosso aquecimento muscular. Ia de Elza Soares a Anna Carolina, cujo disco conheci por completo nos alongamentos de Joana. Porque, muitas vezes, como toda pessoa inteligente, Joana tinha relações intensas com os discos. E todos nós por tabela.
Outro dia, o amigo jornalista Danilo Dainezi, não sei por que, colocou no Facebook a letra da música Zumbi, de Caetano Veloso. Logo, fui inundado por uma cachoeira de memória.
Voltei em um segundo ao processo coreográfico que Joana instaurou na sala de ensaios para esta canção. “Angola, Congo, Benguela, Monjolo, Cabinda, Mina…”, como esquecer estes versos? Para eles, Joana Wanner criou movimentos pulsantes, sensoriais e pungentes, presentes em meu corpo até hoje quando escuto a canção. Coisa que só uma grande artista da dança é capaz de criar.
Por isso, eu sempre digo, sem a menor dúvida: Joana Wanner é a minha maior bailarina.
*MIGUEL ARCANJO PRADO é jornalista e queria voltar a dançar com Joana. A coluna Domingou, uma crônica semanal, é publicada aos domingos no blog Atores & Bastidores do R7.
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