Entrevista de Quinta – Teatro é encontro de seres que se escutam, diz Rodrigo Spina

Rodrigo Spina dirige peça de autor romeno com grupo Os Barulhentos em SP- Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

O nome do espetáculo é longo. Mas, as referências são muitas.

Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar é a nova peça da Cia. Os Barulhentos, com direção de Rodrigo Spina, em cartaz no Espaço Elevador, em São Paulo [veja serviço ao fim].

O espetáculo saiu do livro Cuidado com as Velhinhas Carentes e Solitárias, do autor romeno contemporâneo Matéi Visniec, radicado na França desde 1987.

A trupe, que fez sucesso nos palcos em 2013 com Muito Barulho por Nada, agora investiga solidão humana no mundo contemporâneo, num mundo cada vez mais tecnológico e vazio de sentidos, onde o privado e o público se misturam com facilidade, gerando angústia constante.

A encenação é um compilado de 15 peças curtas, que se entrecruzam. Para fazer a colcha de retalhos cênica dar certo, o diretor utilizou os conhecimentos que tem em teatro e em cinema.

No elenco estão Cadu Cardoso, Clara Rocha, Domitila Gonzalez, Gustavo Pompiani, Lia Maria, Lucas Horita, Lucas Paranhos, Marina Campanatti, Murilo Zibetti e Pedro Camilo.
Nesta Entrevista de Quinta ao Atores & Bastidores do R7, Rodrigo Spina descortina um pouco da obra e de sua carreira. Formado em cinema pela ECA-USP e mestre em artes pela Unicamp, onde é doutorando em artes da cena, ele conta, entre outras coisas, que seu diretor preferido é o italiano Fellini: “Pois sua arte sonha”.

Leia com toda a calma do mundo.

Roupas espalhadas: peça tem instigante cenário criado por Moshe Motta – Foto: Valérie Mesquita

MIGUEL ARCANJO PRADO — Rodrigo, fiquei sabendo que sua peça está toda em tons de cinza; por quê?
RODRIGO SPINA — Ao começarmos a ensaiar a peça, senti que as cenas deveriam ser realistas, críveis, porém com algum tipo de estranhamento, algo que deixasse o espectador com uma sensação esquisita. Assim, ao ver uma realidade fidedigna à sua frente, porém sem cor, o espectador, como alguns já relataram inclusive, tem a sensação de que algo de sua percepção visual foi modificada ou está falha, alguma coisa está fora da ordem comum – conteúdo de todas as cenas do espetáculo.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Interessante esta provocação estética.
RODRIGO SPINA — Diferentemente do cinema em preto e branco, que resulta nessa qualidade visual pela captação ou por filtros colocados a posteriori, o teatro completamente em tons de cinza, gera uma sensação de deslocamento da realidade, pois vemos um ator vivo em cena, na nossa frente e sem cor alguma – de acordo com o que Visniec tem no cerne de sua dramaturgia: o estado de coma do mundo contemporâneo, onde estamos cada vez mais acostumados a ver uma vida (?) tornando-se pasteurizada, com menos nuances de cores e sentimentos.

Falta de cores foi opção estética do diretor – Foto: Valérie Mesquita

MIGUEL ARCANJO PRADO — Que poético isso que falou. É por aí mesmo… Mudando de assunto: você se formou em cinema e artes cênicas. Misturou as duas artes na peça?
RODRIGO SPINA — Como diretor, eu conduzo a obra teatral como algo audiovisual, uma combinação de imagens cênicas e sons. Obviamente, essas imagens cênicas são construídas pelos atores, que são ocentro nervoso do teatro, e o sons são combinações de suas vozes, ruídos, as trilhas musicais e seus silêncios. Como sou preparador vocal em teatro e professor de voz para atores, priorizei a aproximação dos atores às palavras de Visniec, a construção de suas imagens internas em seus próprios corpos. Assim, esses atores, jovens brasileiros, poderiam – pela palavra – instaurar questões da guerra do Leste Europeu, por exemplo.

MIGUEL ARCANJO PRADO —Você fez doutorado na Unicamp sobre voz do ator?
RODRIGO SPINA — Meu doutorado foca em estudar a qualidade da escuta do ator e como ela desemboca em sua expressão vocal, ou seja, quero tirar das mãos do ator a exigência de uma impecabilidade fono-articulatória e colocar toda sua atenção no que ele escuta do outro, pelo jogo cênico. Assim, sua voz será resultado de trocas sensíveis entre os interpretes e não de um treinamento isolado e tecnicista.  Sinto que é momento de voltarmos a ter no jogo dos atores a maior fonte fomentadora da cena teatral e não partir das aptidões trabalhadas apartadas de um todo, em busca de um perfeccionismo esvaziado de histórias e cicatrizes.

Peça é compilado de 15 cenas curtas que se entrecruzam – Foto: Valérie Mesquita

MIGUEL ARCANJO PRADO — Voltando à peça, em que mais ter feito cinema lhe ajudou na direção?
RODRIGO SPINA — Outra vantagem em ter estudado cinema, foi poder “montar” as cenas soltas num fio narrativo – o conhecimento de edição cinematográfico foi muito usado neste espetáculo – quadros de imagens que se resignificam por seu contexto. Por exemplo: um casal discutindo sua relação depois do sexo é totalmente redimensionado, pois é uma ação simultânea a um menino aprendendo a matar pessoas numa fronteira. Como a peça é composta de 14 cenas curtas encadeadas e simultâneas, o espetáculo torna-se um “filme multiplot”, desses que contem várias narrativas entrecortadas.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como você escolheu o texto?
RODRIGO SPINA — Esse texto surgiu depois de um passeio por uma livraria em São Paulo, onde vi a coleção do Visniec publicada. Vendo os títulos, um deles chamou minha atenção: Cuidado com as Velhinhas Carentes e Solitárias. Ao pegar o livro e começar a ler, não consegui parar, levei ao grupo e todos se apaixonaram pelas cenas e começamos a montar a peça.

“Teatro é encontro de seres que se escutam”, diz Rodrigo Spina – Foto: Valérie Mesquita

MIGUEL ARCANJO PRADO — Como se aproximou do autor, Matéi Visniec?
RODRIGO SPINA — Procurei Visniec virtualmente e encontrei-o pelo Facebook. Ele sempre foi muito solícito conosco e ajuda a divulgar sempre que possível. Enviei fotos do espetáculo para ele explicando como tinha feito o encaixe das cenas e as opções estéticas e ele respondeu: “Esse é o tipo de teatro que eu realmente gosto.” Obviamente, fiquei extremamente feliz, pois sinto que existe um encontro muito profícuo entre nós — os Barulhentos e suas palavras.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você também é ator da Cia. Elevador Panorâmico. Como é agora estar no papel de diretor com o grupo Barulhentos?
RODRIGO SPINA — Aprendi a fazer teatro no Elevador. É impossível dizer o contrário. E fazer teatro de grupo – passando por todos setores – montei cenário, operei som e luz, fiz faxina e reformas na sede do grupo e também atuei… [risos]. Meu diretor, o Marcelo Lazzaratto, é meu grande orientador na vida artística. Ele sempre acompanha os processos que dirijo e problematiza algumas escolhas, sugere soluções. Enfim, sinto que o Lazzaratto é um avô artístico dos Barulhentos.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Dirigir mudou algo em você?
RODRIGO SPINA — Poder dirigir um grupo de atores tem transformado minha própria vida no palco, pois a maneira com que você esclarece alguma cena a um ator ou conduz o mesmo a fazer certa coisa faz com que você tenha que esclarecer procedimentos de criação de imaginário para si mesmo para que possa esclarecer ao outro. Assim, muito do que venho falado aos meus atores, tento colocar em prática nos espetáculos do Elevador, como ator.

Peça discute a solidão dos seres humanos nos tempos atuais – Foto: Valérie Mesquita

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você acha que o teatro ainda tem importância política no Brasil de hoje?
RODRIGO SPINA — Sim, eu não faria teatro se não acreditasse nisso. A cultura (e no meu caso, meu ofício o teatro) é de fundamental importância para enxergarmos a realidade como ela é. Sinto que as mídias estão cada vez mais controladoras de opiniões e por consequência, as ações dos indivíduos, às vezes, as mais absurdas. Estamos cada vez mais copiando e colando opiniões em nossos “murais” eletrônicos, distanciados cada vez mais de uma relação verdadeira com os outros.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Você tem razão.
RODRIGO SPINA — Há uma certa banalização no uso da palavra hoje em dia, e quero que meu teatro fuja disso. Peço sempre aos atores terem cuidado com a palavra dita e vivida por eles em cena, cuidado em criar as imagens potentes que elas possuem a priori, sentidos profundos e vitais. E o teatro ainda é o lugar de encontro humano, nada além disso – o encontro entre seres que se escutam, onde há lugar para troca real. Isso, de início, já pode ser uma transformação política radical, hoje em dia.

MIGUEL ARCANJO PRADO — Quais são seus diretores preferidos em cinema e teatro?
RODRIGO SPINA — Meu diretor predileto é o Fellini, pois sua arte sonha. Existe algo na obra dele que cala e faz rir. Algo que é gracioso, ao mesmo tempo, totalmente silenciador. Sinto que é quase impossível colocá-lo num único gênero. E esse tipo de arte me atrai. Diretores de cinema e teatro que conseguem ser plurais – abarcando mais sensibilidades humanas do que possíveis rótulos, tornando sua arte polissêmica e abrangente. Gosto muito de cinema mudo de Chaplin e Buster Keaton, o silêncio de Bergman, as cores de Almodóvar e no teatro é inevitável dizer, mas gosto muito do trabalho do Lazzaratto, por motivos óbvios, e do Felipe Hirsch, Márcio Meirelles e o trabalho dos Clowns de Shakespeare.

Aqui Estamos com Milhares de Cães Vindos do Mar
Quando: Sábado, 20h, domingo, 19h. 110 min. Até 31/5/2015
Onde: Espaço Elevador (r. Treze de Maio, 222, Bela Vista, São Paulo, tel. 0/xx/11 3477-7732)
Quanto: R$ 30
Classificação etária: 14 anos

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1 Resultado

  1. Phillipe disse:

    Só por essa questão estética do uso da cor, creio que já mereça indicação a categorias da APCA. Entrevista espetacular!

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