Crítica: Quando Eu Era Bonita é grito de liberdade feminina
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Em pleno século 21, o discurso machista de que uma mulher só tem vida útil enquanto é jovem (e bonita) ainda paira de forma assustadora em parte da sociedade. E é reverberado por aí por muita gente que se diz inteligente. O que é um verdadeiro horror.
Por isso, ver uma peça como Quando Eu Era Bonita, um verdadeiro grito de liberdade feminina contra as amarras preconceituosas que sufocam muitas mulheres, é um alento. A obra é escrita e dirigida por Elzemann Neves, que coloca no palco duas mulheres de meia idade em reflexão constante sobre o que sobrou delas e para elas.
Sabiamente, a encenação aposta no que tem de melhor: suas duas boas atrizes no palco, Lulu Pavarin e Ester Laccava. O centro da montagem é o diálogo constante entre ambas, num embate no qual rememoram seus dias de glória, acrescido de tédio profundo com os dias atuais, quando já não são tão mais bonitas assim e o mundo está bem mais careta e complicado.
Ambas fazem opções distintas de entrega às personagens, cada qual com seu brilho. Enquanto Ester demonstra técnica precisa, Lulu Pavarin chama o público para si com tempo cômico e entrega mais performativa à sua personagem. Apesar das nuances distintas, é evidente que há mais cumplicidade do que competição no palco.
Quando Eu Era Bonita é uma peça bem escrita e com duas potentes atrizes para dar ainda mais sentido ainda a cada uma das palavras ditas. De forma envolvente e até mesmo cúmplice, o espetáculo coloca a plateia para refletir que essa história de tempo útil para uma mulher é uma grande bobagem que só interessa a homens e mulheres preconceituosos. Gente interessante pensa diferente. Ainda bem.
Quando Eu Era Bonita
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta, 21h. 55 min. Até 1º/5/2015
Onde: Espaço dos Parlapatões (praça Roosevelt, 158, metrô República, São Paulo, tel.0/xx/11 3258-4449)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Classificação etária: 14 anos
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Sinto dificuldade com a palavra “careta” porque, para algumas tribos de descolados de plantão, ou a pessoa concorda com absolutamente tudo o que é proposto por eles, ou então é “careta”, o que é, sem dúvida, uma ditadura. Aliás, ditadura por ditadura, às vezes se vive uma ditadura às avessas. Faz sentido! Mas tratando especificamente da peça, certamente as atrizes escolhidas não poderiam ser melhores. Em tempos de modelos que vão para hospital por conta de aplicação de hidrogel e Kens humanos hospitalizados por intervenções estéticas, QUANDO EU ERA BONITA realmente vem em bom momento. E que triste que a suposta “mulher atual” tenha, voluntariamente, tornado-se refém de mais essa ditadura: a da beleza. Mas, enfim, convivendo com tantas outras ditaduras (algumas veladas, outras blindadas), faz sentido também.