Crítica: Maria Luísa Mendonça carrega Bonde nas costas

Só dá ela: Maria Luísa Mendonça em cena da peça Um Bonde Chamado Desejo – Foto: João Caldas

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

Um Bonde Chamado Desejo é a mais aclamada peça de Tennessee Williams (1911-1983); considerada um dos melhores textos do século 20. Desde que foi escrita, em 1947, tornou-se obsessão de diretores e artistas, tamanha riqueza de embates e leituras que apresenta.

A peça mostra a chegada de Blanche DuBois à casa da irmã, Stella, casada com um homem rude, Stanley, com quem Blanche vive uma relação de tensão e desejo.

A cristalização da história na mente do mundo veio em 1951, com o sucesso do filme homônimo dirigido por Elia Kazan, que já havia levado a história aos palcos da Broadway com sucesso retumbante.

Clássico de Hollywood: Vivien Leigh e Marlon Brando no filme de 1951 – Foto: Divulgação

O longa, um dos clássicos da era de ouro de Hollywood, tem potente elenco encabeçado por Vivien Leigh, Marlon Brando, Kim Hunter e Karl Malden. Do quarteto, apenas Brando não levou o Oscar para a casa — o que foi uma injustiça.

Recriar uma peça cujas atuações destes atores fazem parte do imaginário coletivo é um ato corajoso. Mas também é um a possibilidade de apresentar um texto teatral de excelência artística às novas gerações — a peça não era montada no Brasil havia 13 anos.

Nova encenação

E a atual encenação, no palco do Tucarena, vem para celebrar duas efemérides: os 50 anos do próprio espaço cênico e os 30 anos da Morente Forte, produtora que encabeça o espetáculo e é uma das grandes grifes do teatro paulistano.

Jovem diretor que vem se sobressaindo na cena paulistana, sobretudo após sua montagem para Gotas D’Água sobre Pedras Escaldantes, de Fassbinder, Rafael Gomes foi o escolhido para comandar a nova encenação.

O diretor imprime seu olhar estético à história, a começar da trilha sonora moderninha que escolhe, tal qual já havia feito em Gotas, mas que, nesta montagem, soa mais como ruído do que conexão.

O enfrentamento entre a sonhadora Blanche e a vida de casada de sua irmã possibilita infinitas leituras, até mesmo em relação ao Brasil contemporâneo, com o embate conservador de qualquer visão progressista sobre a vida.

Blanche pode representar a liberdade, enquanto Stanley — e Stella, sob seu cabresto — podem ser alegorias do aprisionamento e da mediocridade, mas também são o novo que atropela o velho de forma impiedosa e humilhante.

Gomes, em sua encenação, parte de um olhar contemporâneo, com pitadas do pós-moderno, para apresentar sua releitura da peça escrita quase sete décadas atrás.

Isso está claro quando se alia ao cenógrafo André Cortez, que apresenta um cenário não-realista, que cerca e aprisiona os personagens dentro daquela casa, por mais que estes pulem para fora o tempo todo. Há alguma tentativa de jogar com as peças, mais presente no começo da montagem, mas que não se desenvolve por completo como significado.

Outro olhar contemporâneo é o figurino de Fause Haten, estilista de sucesso reconhecido no mercado da moda. Contudo, se as roupas de Blanche potencializam a personagem, as vestimentas de Stella e Stanley os contradiz, por seus cortes demasiadamente elegantes para o contexto de ambos na obra, fazendo uma quebra e possibilitando até mesmo um signo que não condiz com os personagens criados por Williams.

Eduardo Moscovis e Maria Luísa Mendonça em cena de Um Bonde Chamado Desejo – Foto: João Caldas

Atriz domina montagem

No elenco, é Maria Luísa Mendonça quem carrega o bonde. Como é de se esperar de uma atriz que recebe uma das melhores personagens escritas pela dramaturgia mundial, ela assume todos os riscos na construção de sua Blanche — Eva Wilma também já viveu com sucesso a personagem em palcos nacionais na década em 1974, acompanhada de Nuno Leal Maia como Stanley. E acerta.

Maria Luisa é quem conduz a obra e, em muitos momentos, parece sozinha no palco, a anos-luz do que os colegas de elenco conseguem lhe oferecer.

Do outro lado, o responsável pelo embate com sua personagem, Eduardo Moscovis, na pele de Stanley, não propõe nada que seja substancial ou crível para o personagem imortalizado pela força masculina que Marlon Brandon lhe imprimiu de forma definitiva. Moscovis faz um Stanley deixado, sem corpo, quase sem vida ou presença. Falta verdade e intensidade cênicas ao ator, que parece levar para o palco o vício da TV de se atuar apenas com o rosto, e nem isso consegue. Falha até no emblemático grito “Stella”.

O restante do elenco, que muitas vezes aparece perdido e evidenciado em cena mesmo quando não está em ação, também perde a chance de se sobressair nos momentos em que tem a peça a seu favor, coisa que um bom ator deve fazer sempre.

Um Bonde Chamado Desejo é uma produção que tem o mérito de tentar inovar e trazer frescor a um clássico, mas que acaba servindo mais como  como veículo para que uma atriz confirme talento já esperado, não possibilitando que esta encontre diálogo cênico à altura. Mesmo assim, Maria Luísa Mendonça segura o Bonde e o carrega nas costas.

Um Bonde Chamado Desejo
Avaliação: Bom
Quando: Sexta, 21h30; sábado, 21h; domingo, 18h. 110 min. Até 2/8/2015
Onde: Tucarena (r. Monte Alegre, 1.024, esq. com r. Bartira, Perdizes, São Paulo, tel. 0/xx/11 3670-8455)
Quanto: R$ 50 e R$ 70
Classificação etária: 14 anos

Curta a nossa página no Facebook

Leia também:

Saiba o que os atores fazem nos palcos e nos bastidores

Descubra a cultura de uma maneira leve e inteligente

Please follow and like us:

2 Resultados

  1. Stella Maris Mendonça disse:

    Agradeço e elogio a justeza da crítica quanto ao trabalho de Maria Luísa a quem admiro como pessoa e como grande atriz. Quero ver a peça no Rio! Virá?? Estamos torcendo.
    MERDA, Lu !!!!!!!!

  2. Phillipe disse:

    A Mendonça foi uma escolha certa para esse personagem tão difícil, a “Southern Belle” Blanche. O filme foi um triunfo a mais na vida de Leigh e ela estava particularmente espetacular no papel, até porque, num grande acerto de escalação, ela já não era a mesma Leigh fresca e jovem da época em que ganhou seu primeiro “Oscar”. Sua escalação não poderia ter sido mais correta: assim como Blanche, retratava uma mulher que outrora fora belíssima e que, com o peso dos anos, havia perdido um pouco o viço, ainda que mantivesse o encanto.
    Este “post” está reunindo vários elementos que amo: Tennessee, Fassbinder, Leigh, UM BONDE CHAMADO DESEJO, Fause Haten. O Gomes deve ser realmente bom, para trabalhar com a obra de Fassbinder e com um texto tão denso quanto o da peça.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *