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Crítica: Delicada e poética, A Última Carta é respiro humano na dureza da vida

Denis Antunes e Vera Monteiro em cena de A Última Carta - Foto: Divulgação

Delicadeza envolvente: Denis Antunes e Vera Monteiro em cena de A Última Carta, da Cia. Contraponto – Foto: Divulgação

Por MIGUEL ARCANJO PRADO

A delicadeza é coisa rara na metrópole dura, desumana. Assim, quem a possui, precisa ser visto com outros olhos.

Paulinho Faria e Elisa Fingermann, dois artistas que já começam a cravar sua importância no teatro paulistano, são deste tipo de gente. Delicados e inteligentes.

Tais qualidades se refletem no teatro que fazem com sua Cia. Contraponto, localizada numa charmosa casa do bairro Vila Madalena.

Em A Última Carta, a mais recente obra do grupo, o casal assina, a quatro mãos, a direção do texto escrito por Paulinho.

A montagem conta a história de uma mulher cinquentona que recebe a visita de um jovem seminarista, seu filho de criação.

O retorno do aspirante a padre é imbuído de uma necessidade de preencher lacunas que ficaram abertas em seu passado.

De uma forma intimista, como é praxe nas obras da Contraponto, o público é convidado a estar dentro da casa daquela senhora, num realismo envolvente.

Ar intimista marca a nova montagem da Cia. Contraponto, A Última Carta – Foto: Divulgação

Vera Monteiro, que interpreta a dona da casa, é o grande charme da peça. A atriz está ali, presente, todo o tempo: em diálogo constante com o texto, com a casa, com a história que se desenrola. Ela vibra. E o espectador sente.

Vera tem carisma e faz o público comprar a perspectiva de sua personagem, bem mais interessante e segura do que a de seu filho de criação, ainda perdido, cheio de preconceitos e amarras moralistas que não levam ninguém a nada.

Se Vera é o sol que ilumina a obra, Denis Antunes, na pele do jovem, é seu contraponto necessário.

O ator apresenta trabalho minucioso de construção de personagem, com gestual, voz, olhar, sutileza e até arroubos inesperados, dando potência aos embates que tem com Vera. Ele parece mesmo aquele seminarista reprimido que a gente conheceu um dia.

Junto dos atores, espectador vai desvendando o sentido da dramaturgia de A Última Carta – Foto: Divulgação

A força da dramaturgia consiste no não dito, no que está entre. Elisa e Paulinho apostam, acertadamente, na inteligência de seu público para preencher de significados o desenrolar da história. Por isso, abusam dos silêncios, criando climas acertados.

O grupo consegue fazer um drama clássico, coisa rara de se ver de forma crível no teatro paulistano, onde a atuação e o bom trabalho de ator muitas vezes são postos de lado em nome de um todo espetacular e impactante.

E é justamente esta necessidade desesperada de impactar o espectador que inexiste em A Última Carta. E isso faz a obra crescer. O espectador inteligente agradece.

E este embarca na história aos poucos, acompanhando a conversa ao pé da pia, o coar do leite, a fritura dos biscoitos, a leitura noturna do gibi ou a TV que é ligada para preencher o vazio que o silêncio traz.

A Última Carta é um espetáculo com alto grau de humanidade e que deveria ser visto por todos. Porque não é falso. Não é forçado. É daquelas peças que nos levam para o simples da vida. Nos mostra que, quando fugimos desta simplicidade por conta de ideias impostas, ou de preconceitos e necessidades de autoafirmação, acabamos por sair do trilho de nossa própria felicidade.

A Última Carta * * * * *
Avaliação: Ótimo
Quando: Sexta, 21h30, sábado, 21h. Até 29/8/2015
Onde: Espaço Contraponto (rua Medeiros de Albuquerque, 55, Vila Madalena, São Paulo)
Quanto: R$ 30 (pagamento só em dinheiro)
Classificação etária: 14 anos

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