“Por que não fotografar o corpo nu?” perguntam criadores da Flesh Mag
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Uma fotografia que tem um olhar artístico para o erotismo do corpo masculino. Porém, sem se ater aos padrões impostos pelo mercado de consumo vigente. Esta é a essência do trabalho da Flesh Mag, uma revista virtual de ensaios e retratos que anda fazendo barulho na internet.
Criada pelos fotógrafos cariocas Rafael Medina e João Maciel, a Flesh quer ter “sensualidade sem molde”, trazendo à tona em suas fotos “todas as alternativas possíveis”.
Nesta entrevista exclusiva, eles falaram sobre a proposta ousada e altamente política da Flesh, que vem tendo boa acolhida do público.
Leia com toda a calma do mundo.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Por que fotografar o corpo nu?
JOÃO MACIEL — Por que não fotografar o corpo nu? [risos] Falando sério, a nossa questão com o nu é pensar o corpo como um lugar da diversidade, liberar a imagem do corpo masculino das determinações de um ideal específico do que é desejável ou belo.
RAFAEL MEDINA — Queremos pensar o desejo e a beleza em diferentes tipos de corpos, sejam eles musculosos, gordos, com pelos ou lisos, corpos jovens e velhos, com peles de diferentes cores e etnias. Um exemplo é o nosso último ensaio Ndombe Flesh com um não modelo negro com mais de 40 anos.
MIGUEL ARCANJO PRADO — O Brasil é hoje mais careta que antigamente? Por quê?
RAFAEL MEDINA — Acredito que não. Na minha opinião, quanto maior as forças de resistência das minorias quando requerem visibilidade e direitos civis, maior a reação dos setores mais conservadores. O Brasil sempre foi um país muito conservador, só aturava o diferente e a diferença quando estavam ali, onde a sociedade os colocou. Ah, e também no Carnaval, é claro.
JOÃO MACIEL — Não sei bem ao certo, avançamos em algumas questões e regredimos em outras, a internet ajudou muito em ambos os casos.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Vocês querem quebrar tabus? Quais?
RAFAEL MEDINA — Eu gostaria que o tema que eu trato não fosse um tabu, embora reconheça que o nu ainda seja. Acredito que tenho que lidar com as questões da maneira como gostaria que elas fossem tratadas na sociedade, portanto, trato o nu com naturalidade, porque sinto como algo natural.
JOÃO MACIEL — O tabu do nu já está sendo quebrado há algum tempo, prova disso foi a aceitação do nosso projeto, que superou minhas expectativas.
MIGUEL ARCANJO PRADO — É difícil convencer as pessoas a posarem? Como chegam a elas?
RAFAEL MEDINA — Antes de a revista ser lançada era mais difícil, pois não tínhamos nada além de algumas referências para mostrar. Agora, é um pouco mais fácil, mas, ainda assim, é um momento delicado, principalmente quando abordamos estranhos. Eu tento sempre deixar todo o processo bem claro para o fotografado, para que ele se sinta confortável com a proposta.
JOÃO MACIEL — No início foi bem complicado. Como começar um projeto sem material? Ficava imaginando, será que eles iam entender a nossa proposta? Mas, por sorte, temos amigos que decidiram embarcar conosco, e o resto foi consequência. Hoje, abordamos alguns homens, mas recebemos muitos pedidos de pessoas querendo posar pra nós.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual o ensaio mais difícil até agora? E o mais fácil?
JOÃO MACIEL — O mais difícil até agora foi o último ensaio que lançamos, Ndombe Flesh. Fotografamos numa locação de difícil acesso, no sítio de um amigo. Para chegar lá levamos 45 minutos andando numa trilha super íngreme no meio da noite. Chegamos mortos, mas o resultado das fotos valeram cada gota de suor. Por outro lado, tivemos sorte em conseguir não modelos tão solícitos e fáceis de trabalhar.
RAFAEL MEDINA — Cada ensaio tem um certo grau de dificuldade, nunca temos as condições ideais. Tem sempre uma desafio envolvido em algum nível. Um exemplo é um ensaio que ainda não lançamos Flesh Back que decidimos usar somente uma câmera de brinquedo, no estilo LOMO, que não tem nenhum controle de abertura e exposição. O ensaio foi clicado e não tínhamos a mínima ideia do resultado até que o filme fosse revelado. A verdade é que há sempre um risco envolvido, mas acho que o ensaio ganha quando a gente consegue usar as adversidades a nosso favor. Mas por outro lado, também houve algumas boas surpresas que facilitaram nossa vida com relação a alguns não modelos. Alguns dos homens que fotografamos, embora se considerassem tímidos, acabaram se mostrando bem confortáveis em frente à câmera e não exigiam muita direção. Foi o caso do ensaio Closer Flesh, com o Átila Moreno [colunista deste site], e o Flesh into the Woods, com o Vinícius Orsolon. Fiquei surpreso como com pouca experiência eles ficaram tão confortáveis e ainda propuseram poses inusitadas.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Qual o ensaio que sonham e fazer?
JOÃO MACIEL — Todo dia sonhamos com um ensaio novo. Acredito que do jeito que o projeto está caminhando consigamos realizá-los, mas nada mirabolante (por enquanto) [risos]
RAFAEL MEDINA — Tenho uma lista sem fim de ensaios que ainda quero fazer, seja por causa de um tipo específico de corpo que me interessa imageticamente, seja por algum conceito/tema que quero abordar. Gostaria muito de fotografar um homem trans, isto é, alguém que se considera psicologicamente homem, mesmo tendo nascido biologicamente mulher. De maneira geral, os temas que pensam o masculino num espectro maior do que o heteronormativo me interessam.
MIGUEL ARCANJO PRADO — Como está sendo o retorno do público?
JOÃO MACIEL — Incrível! Eu esperava alguma resistência por causa do nu, mas as pessoas viram que as fotos são de bom gosto, e a proposta de ter diversos tipos de corpos as aproximou mais ainda do projeto.
RAFAEL MEDINA — O retorno do público está sendo ótimo. Tinha receio de que não compreendessem a proposta, mas já de início aceitaram bem. Fico muito feliz com a repercussão positiva do nosso trabalho. Lembrei agora de um comentário que uma mulher fez na nossa página do Facebook. Ela disse: “…Podemos exibir o que somos, e não o que gostaríamos de ser, como o moço aí disse: é uma injeção de autoestima. É um ato político… Além de marcar a sensualidade brasileira como ela sempre foi, entre a safadeza, o romantismo e o lúdico! É um novo erotismo para um velho espírito sacana, orgulhoso de si! Parabéns a todos, me fez sorrir e me sentir incluída!”
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