Crítica: Em A Filosofia na Alcova, Satyros usa Marquês de Sade para construir quadros sensoriais e quebrar tabus

Dupla entregue: Bel Friósi e Henrique Mello em cena de A Filosofia na Alcova - Foto: André Stéfano

Dupla entregue: Bel Friósi e Henrique Mello em cena de A Filosofia na Alcova – Foto: André Stéfano

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Fotos ANDRÉ STÉFANO

Antes de virar moda cult e notícia por todos os lados, o Satyros era apenas um grupo de teatro brasileiro transgressor que não se importava muito com que os outros iriam pensar (ou dizer) de sua arte.

Porque, primeiramente, o Satyros acreditava (e muito) no que fazia. Tanto que tiveram a coragem de abandonar um Brasil em crise, no começo dos anos 1990, e encarar a Europa sem nenhuma certeza de nada, no espírito aventureiro e artístico da juventude.

Ao voltar para o Brasil, trouxeram na bagagem a experiência farta de quem comeu o pão que o diabo amassou para sobreviver de teatro. E assim resolveram continuar, na esperança de um final feliz (que, sortudos, eles tiveram).

E instalaram-se na praça Roosevelt no começo do século 21, onde fizeram história ao transformar o local neste atual centro nevrálgico da cultura e da noite paulistana.

Por isso, foi alentadora a notícia de que o Satyros voltaria, neste ano, às montagens da obra do autor francês Marquês de Sade (1740-1814), ponto forte de sua trajetória, com peças demolidoras de tabus sexuais e comportamentais.

Rodolfo García Vázquez é um dos melhores diretores do teatro brasileiro contemporâneo. Ele tem sensibilidade ímpar para criar climas e construir cenas que são verdadeiros quadros sensoriais. É claro que abusa disso tudo em A Filosofia na Alcova, agora com elenco renovado. Um exemplo desta técnica é a cena da bandeja compartilhada, mais ao fim da obra, um verdadeiro transe coletivo.

Elenco de A Filosofia na Alcova mistura nomes tradicionais do Satyros com a nova geração - Foto: André Stéfano

Elenco de A Filosofia na Alcova mistura nomes tradicionais do Satyros com a nova geração: Henrique Mello, Stephane Souza, Bel Friósi, Phedra D. Córdoba e Hugo Godinho – Foto: André Stéfano

Há no elenco, claro, nomes mais tradicionais do grupo. É um prazer ver Henrique Mello, outrora um menino, agora um ator trintão muito mais seguro na pele de um libertino inescrupuloso, vivido no passado por Ivam Cabral. E ainda rever Phedra D. Córdoba, com a segurança de uma diva, como o mordomo submisso e ao mesmo tempo perverso para conseguir as sobras da luxúria.

Ambos dialogam com uma nova geração de atores que chega ao Satyros, muitos ainda crus, mas com vontade de entrega desmedida e coragem para encarar uma obra que exige o todo de seus atores.

Coragem não falta, por exemplo, a Hugo Godinho, que, sem falas, tem entrega corporal visceral e repleta de técnica — ele deixa seu corpo ser um signo constante durante a obra. E mantém os estados corpóreos exigidos pelo seu diretor de forma assombrosa.

A Filosofia na Alcova quebra tabus sexuais no palco do Estação Satyros - Foto: André Stéfano

A Filosofia na Alcova quebra tabus sexuais no palco do Estação Satyros: em cena, Henrique Mello e Stephane Sousa – Foto: André Stéfano

Outra que se destaca é Bel Friósi, que começa com um ar de menininha quase caricato e vai se transformando ao longo da peça até virar uma mulher perigosamente assustadora. A atriz consegue colocar em riste a evolução de sua personagem.

O elenco ainda tem Suzana Muniz, Felipe Moretti e Stephane Sousa. Há entrega e boa-vontade no trio, mas, ainda fica uma sensação de que eles precisam fazer o texto vibrar primeiro dentro de si mesmos para depois deixá-lo fluir em suas bocas. O trio tem potencial para crescer e tornar-se ainda mais presente e crível em cena.

A Filosofia na Alcova é uma peça necessária, sobretudo em um Brasil que dá espaço cada vez maior a discursos conservadores, retrógrados e mantenedores de velhos tabus. A força de Sade na releitura do Satyros sacode a pasmaceira vigente, renovando o fôlego de liberdade e expressão.

A Filosofia na Alcova * * * *
Avaliação: Muito bom
Quando: Sexta e sábado, 23h59. 70 min. Até 29/8/2015
Onde: Estação Satyros (praça Roosevelt, 134, metrô República, São Paulo, tel. 0/xx/11 3258-6345)
Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Classificação etária: 18 anos

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Hugo Godinho em A Filosofia na Alcova: corpo funciona como um signo constante - Foto: André Stéfano

Hugo Godinho em A Filosofia na Alcova: corpo funciona como um signo constante – Foto: André Stéfano

 

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