Crítica: O Fazedor de Rios ecoa Luiz Gabriel Lopes sortudo e plural
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
Luiz Gabriel Lopes é daqueles homens incríveis que têm a sorte de se safar da cooptação do sistema. E, com esta baita sorte, bem devagar, ele cria relações verdadeiras e duradouras. E plurais. Assim é também sua música.
Escuto seu disco, O Fazedor de Rios, que ele termina de lançar, produzido por ele e Ygor Rajão. Enquanto as músicas soam em meus ouvidos, lembro-me de nossa própria relação fraterna, forjada na base da amizade e do respeito artístico mútuo.
Luiz Gabriel Lopes e eu nunca chegamos a ser íntimos de todo, de conviver diariamente. Porque não foi preciso. De cara, sempre soubemos o que era o outro. E sempre estivemos disponíveis para o que fosse preciso. Como acontece entre dois homens mineiros.
Já se vão quase dez anos (mal posso crer), que o propus fazer um show. Precisava expurgar no palco um amor perdido. E ele ofereceu sua casa, em Belo Horizonte, para os ensaios. Vivia meu primeiro ano em São Paulo, ainda tão dura, e a volta à minha terra, aos ensaios, na casa dele, aos fins de semana, era respirar eu mesmo outra vez.
E assim me sinto ao ouvir seu disco. Porque Luiz Gabriel Lopes é rio caudaloso do qual tenho orgulho de ser afluente.
E o rapaz é brasileiríssimo, como a gente percebe de cara, ouvindo o disco. A faixa título tem uma batida de afoxé que me faz reviver minha avó, Dona Oneida, a ialorixá Mãe Gigi, que fundou o primeiro afoxé de Belo Horizonte, o Afoxé Ilê Odara, apadrinhado por Gilberto Gil, onde desfilava, menino. E é Gil, tão querido por minha saudosa avó, que é uma espécie de espírito desta canção.
Luiz Gabriel Lopes me diz que é preciso aprender a pescar e a andar com fé, sem perder o amor e a ternura. O axé se instala com os atabaques que ressoam.
E, se sabe ser ancestral, Luiz Gabriel Lopes também sabe ser minimalista e eletrônico, com arranjos sutis, doces e conversados, como o sopro que abre Enquanto Pisco.
O que falar, se calar, onde ir?, ele nos pergunta de um jeito tão doce, enquanto conclui, sabiamente, que todas as coisas da vida passam num piscar. Que a vida é feita de escolhas, que é preciso fazer ouvir. E completa dizendo que querer amar é pirar numa ideia. Está coberto de razão.
O álbum tem uma força musical há muita não vista na combalida música popular brasileira. E isso é nítido no fato de Luiz Gabriel Lopes possuir referências musicais das melhores que o mundo produziu e saber conversar com todas elas. É um cara sem preconceitos, de peito aberto para o mundo. E também com os pés fincados em Minas, como a gente observa bem ao escutar Resistir e Fraquejar, de pegada Clube da Esquina.
Dá vontade de dançar ouvindo Maio de Isabel, uma forrozinho do bom abençoado por Oxóssi (okê arô!). Ou de jogar capoeira escutando Marinheiro Velho Menino e sua ginga. Ou de dormir em colo quente ouvindo a dulcíssima Se Minha Mãe Fosse Um Pássaro.
O Fazedor de Rios é um disco repleto de esperança e demonstra que nossa música, mesmo em tempos tão sombrios, é ainda capaz de produzir o respiro artístico que a música de Luiz Gabriel Lopes emana. Sorte a minha. Sorte a nossa.
O Fazedor de Rios * * * * *
Avaliação: Ótimo
Ouça o disco:
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[…] a inquieta produtividade do artista, que já lançou os discos autorais Passando Portas (2010), O Fazedor de Rios (2013), Mana (2017) e Presente (2020). Ouça Sóis, de Luiz Gabriel […]